Cientistas brasileiros têm
usado os chamados organoides cerebrais ou minicérebros – estruturas
tridimensionais milimétricas criadas em laboratório a partir de células-tronco
pluripotentes induzidas (IPS, na sigla em inglês) – para entender a relação
entre a infecção pelo vírus Zika e o desenvolvimento de microcefalia.
Parte dos experimentos coordenados por Stevens Rehen e Patrícia Garcez, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), foi divulgada pela revista Science. O trabalho contou com a participação da bolsista FAPESP de pós-doutorado Juliana Minardi Nascimento.
“O objetivo do meu projeto de pós-doutorado é usar organoides cerebrais criados a partir de células de pacientes com esquizofrenia para fazer análises de proteômica, ou seja, avaliar todas as proteínas expressas nessas células e comparar com as proteínas expressas em células de pacientes sem a doença para entender o que está diferente. A grande vantagem é que esse modelo mantém intacta a informação genética do portador da doença”, explicou Nascimento.
Sediada no Laboratório de Neuroproteômica do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a supervisão do professor Daniel Martins de Souza, Nascimento buscou parceria com o grupo do Rio, um dos poucos no mundo que dominam a técnica de criação dos minicérebros para o estudo de doenças neuropsiquiátricas.
O método consiste, inicialmente, em reprogramar células adultas – que podem ser provenientes da pele ou da descamação natural da bexiga extraídas da urina – para fazê-las assumir estágio de pluripotência semelhante ao de células-tronco embrionárias (técnica descrita em 2006 por Shinya Yamanaka, da Universidade de Kyoto, no Japão, e premiada com o Nobel de Medicina em 2012). Em seguida, essas células IPS são induzidas por estímulos químicos a se diferenciar em célula-tronco neural – um tipo de célula progenitora que pode dar origem a diversas células do cérebro, como neurônios, astrócitos e micróglias.
Para formar os minicérebros, esse processo de diferenciação precisa ocorrer tridimensionalmente, sob condições específicas de cultivo. “Em vez de as células ficarem em uma placa de cultura, elas são colocadas em rotação, sob condições bem específicas. Ao assumirem o formato tridimensional, a comunicação celular se altera. Na cultura bidimensional, elas só conseguem interagir com células que estão imediatamente ao seu lado. No modelo tridimensional, a comunicação ocorre com todas ao redor. O funcionamento das células fica mais semelhante ao que ocorre no cérebro em desenvolvimento”, explicou Nascimento.
Sob condições adequadas, portanto, essas células-tronco neurais se organizam em camadas, formando inicialmente neuroesferas e, depois, os organoides cerebrais. As primeiras mimetizam o cérebro de um embrião em um estágio rudimentar, enquanto os minicérebros se equiparam ao cérebro de um feto de 3 meses.
Nascimento planeja cultivar os modelos para estudo de esquizofrenia no Rio e, posteriormente, concluir na Unicamp as análises de proteômica. Desde que surgiu a epidemia causada pelo vírus Zika, o trabalho vem sendo feito em paralelo com os estudos voltados a entender o efeito da infecção no cérebro.
“Nós sabíamos que os organoides cerebrais seriam úteis para entender a relação do vírus com a microcefalia. Por se tratar de uma questão importante de saúde pública, parte da equipe do laboratório de Rehen se concentrou nesse objetivo. Foi um trabalho que se desenvolveu muito rapidamente”, contou Nascimento.
Três diferentes experimentos foram feitos para testar os efeitos do vírus Zika no cérebro. Primeiro foram infectadas as células-tronco neuronais, cultivadas bidimensionalmente. O grupo observou que o vírus causava a morte dessas células em cerca de três dias.
Em um segundo experimento, as células-tronco foram infectadas e colocadas para se diferenciar no modelo tridimensional. Após três dias, Rehen e sua equipe observaram que o Zika havia comprometido a capacidade de geração de neuroesferas.
“As poucas neuroesferas formadas se degradaram em até seis dias, enquanto as originadas de células não infectadas se desenvolveram normalmente”, disse Nascimento.
Imagens de microscopia eletrônica mostraram que o vírus havia se multiplicado rapidamente no interior das células, induzindo um processo de morte celular programada conhecido como apoptose.
Em um terceiro experimento, minicérebros com 30 dias de formação foram infectados com o vírus. Após 11 dias, eles foram comparados com organoides não infectados e observou-se que haviam crescido 40% menos.
“Embora os minicérebros não tenham se desmanchado como as neuroesferas, seu processo de crescimento foi claramente prejudicado. Agora estamos investigando se a diferenciação celular também foi afetada no modelo”, disse Nascimento.
Próximos passos
Em parceria com pesquisadores da Unicamp, o grupo do Rio pretende fazer análises de proteômica nos minicérebros afetados pelo Zika para tentar desvendar quais vias bioquímicas foram alteradas pela infecção, o que pode dar pistas para possíveis terapias.
“Nosso objetivo é identificar, entre medicamentos já existentes e aprovados para uso em humanos, alguma droga capaz de diminuir o impacto do vírus sobre as células cerebrais. Já estamos testando alguns compostos, desde suplementos alimentares até antivirais. Há um que se mostrou promissor em testes preliminares”, adiantou Nascimento.
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