Ao nacionalizar a fabricação de 97 produtos de saúde por meio de parcerias com empresas nacionais e estrangeiras, o Brasil economiza em média R$ 4,1 bilhões por ano, estima o governo. A política de transferência de tecnologia contribui para reduzir o déficit comercial no complexo industrial da saúde, que, na última década, saltou de US$ 2,5 bilhões para cerca de US$ 12 bilhões.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, explica como funcionam as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs). Elas seguem um modelo semelhante ao dos países asiáticos para reduzir a vulnerabilidade externa e fortalecer uma área que corresponde a 35% do esforço de ciência, tecnologia e inovação do país. Ao todo, o Brasil já formalizou 104 PDPS. Farmanguinhos participa de 17 das 66 parcerias voltadas para a absorção de tecnologias de medicamentos estratégicos para o SUS. Confira a entrevista.
Valor: Quais são os objetivos e linhas de ação da política governamental de incentivo ao complexo industrial da saúde?
Gadelha: A expansão do Sistema Único de Saúde ao longo dos anos trouxe a necessidade de evolução de sua base econômica e tecnológica. Na medida em que o acesso aos produtos de saúde se expandiu, o déficit comercial do complexo econômico-industrial da saúde se ampliou exponencialmente em termos reais. Enquanto de 2003 a 2013 o Ministério da Saúde quadriplicou as despesas com medicamentos - fruto da ampliação do acesso a novas vacinas, medicamentos para aids, câncer e outras doenças - o déficit comercial industrial passou de US$ 2,5 bilhões para cerca de US$ 12 bilhões. Em longo prazo, essa situação torna o sistema de saúde refém do contexto internacional e dos movimentos especulativos, como os observados no período 2008/2010. Frente a este contexto, o Ministério da Saúde passou a assumir a política industrial e de inovação como uma das áreas centrais da política nacional de saúde para garantir os objetivos constitucionais de direito à saúde em bases econômicas e tecnológicas sólidas. Trata-se de um sistema produtivo que responde por 9% do PIB, 10% do trabalho qualificado e 35% do esforço de ciência, tecnologia e inovação do país. A política social se funde com a política de desenvolvimento econômico, tecnológico e industrial. Nesse sentido, o foco da política é a ampliação do acesso da população aos medicamentos e equipamentos médicos, ao mesmo tempo em que reduz a dependência tecnológica do país.
Valor: Qual é a participação do governo federal nos investimentos neste setor?
Gadelha: O papel principal do governo federal consiste em articular as principais instituições, privadas e públicas, buscando a efetiva internalização da tecnologia de produção e a redução da vulnerabilidade externa. O principal eixo de atuação é a constituição de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs).
Valor: Como se dá a negociação com empresas multinacionais para transferência de tecnologia, controle nacional sobre patentes e desenvolvimento interno de pesquisas e medicamentos?
Gadelha: O processo de transferência tecnológica que ocorre dentro das PDPs deriva da conciliação de dois fatores: relevância epidemiológica ou social e conteúdo tecnológico. A partir dessas premissas, o governo - com base nas tecnologias aprovadas pela Comissão Nacional de Incorporação Tecnológica (Lei12.401/11) - define a lista de produtos estratégicos, as parcerias de interesse para o SUS e recebe as propostas de produtores públicos, que estabelecem parcerias com o setor privado, os quais devem atuar conjuntamente para a ampliação do acesso e a transferência de tecnologia. O ministério firma assim um termo de compromisso com uma unidade produtiva da administração pública e esta estabelece relações contratuais com o setor privado detentor de tecnologia, baseando-se no modelo criado pela Lei 12.715/12 e nos instrumentos normativos decorrentes. A operacionalização da transferência tecnológica e a atratividade da parceria são desafios recorrentes nessas negociações. Para atrair as empresas nacionais e estrangeiras, de forma a viabilizar a parceria, o governo tem se utilizado cada vez mais do seu poder de compra e prestado o apoio necessário ao laboratório público responsável pela incorporação da tecnologia. Somente no caso da vacina contra o HPV, por exemplo, a redução de preços da dose oferecida pelo SUS frente ao mercado privado foi de dez vezes (R$ 30 contra cerca R$ 300), capacitando o Brasil para uma tecnologia de fronteira mundial.
Valor: Quantas parcerias com empresas estrangeiras já foram formalizadas?
Gadelha: A política adotada atualmente envolve o capital nacional e estrangeiro interessados em desenvolver estratégias para investir no Brasil, substituindo as antigas estratégias de apenas vender produtos para o mercado nacional. Essas transferências garantem a ampliação do acesso, a redução de preços e capacita o Brasil para tecnologias de fronteira como a biotecnologia, engenharia genética e desenvolvimento de equipamentos e dispositivos eletrônicos. Ao todo, o país conta com 104 parcerias formalizadas - 76 parceiros envolvidos, sendo 19 laboratórios públicos e 57 privados (dividido entre empresas de capital nacional e estrangeiro de modo equilibrado) - que resultam em 97 produtos: 66 medicamentos, sete vacinas, 19 produtos para saúde e cinco parcerias envolvendo P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). A economia média estimada com a produção nacional dos 97 produtos é de R$ 4,1 bilhões por ano. Em síntese, a relação do Brasil com as empresas estrangeiras está baseada no comércio e na importação, fundamentada no investimento, na inovação e na geração.
Dauro Veras / Valor Econômico