Em tramitação no Senado, o Projeto de Lei nº 200/2015 é apontado por
especialistas como um retrocesso sem precedentes para a área de pesquisa
clínica no Brasil. Além de extinguir o atual sistema de análise ética em
pesquisas com seres humanos, o projeto também coloca em risco os direitos dos
participantes e o controle social das pesquisas realizadas no país.
Em carta pública, o Conselho Nacional de Saúde e a Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa, que formam o Sistema CEP/Conep, classificaram o PL 200/2015
como um desserviço à sociedade brasileira. Responsável por proteger os
participantes das pesquisas em seus direitos e assegurar que as pesquisas sejam
realizadas de acordo com princípios éticos no país, o próprio Sistema CEP/Conep
estaria ameaçado com as mudanças propostas.
De acordo com Mauro Brandão,
coordenador do Fórum de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) da Fiocruz, o
Comitê de Ética independente proposto pelo projeto, sem qualquer forma de
estruturação, será criado pela indústria farmacêutica para atender a seus interesses.
“Toda pesquisa clínica se baseia nos princípios éticos e no respeito à
dignidade do ser humano, consumados através do controle social. O projeto acaba
com esse controle, abre caminho para o uso indiscriminado de placebo, limita o
acesso dos participantes aos benefícios da pesquisa, não admite a análise ética
mais atenta das pesquisas oriundas do exterior e dilui a responsabilidade da
indústria farmacêutica na indenização por danos eventuais”, afirmou Brandão.
A mudança colocaria em xeque as
conquistas dos últimos 20 anos do Conselho Nacional de Saúde, ignorando a
constituição de quase 700 Comitês de Ética em Pesquisa, que perderiam sua
independência, com o fim da normatização de seu registro e manutenção. As
indústrias, os pesquisadores ou as associações ficariam livres para criar seus
próprios Comitês de Ética, sem mais contar com a representação dos usuários,
que defende os interesses dos participantes de pesquisas clínicas.
Coordenador do Comitê de Integridade
em Pesquisa da Fiocruz e coordenador geral do programa de mestrado e doutorado
da instituição em associação com UFRJ, Uerj e UFF, Sergio Rego assinala que,
além de não contribuir na defesa e proteção dos participantes de pesquisa, o PL
200 também não interessa aos pesquisadores comprometidos com a ciência e com a
ética.
“O projeto de lei desestrutura todo o
sistema de avaliação ética das pesquisas no Brasil, desprezando a experiência
acumulada pelo país, que é profundamente admirada nos mais variados países
exatamente por ser um sistema estruturado de avaliação e não um conjunto de
comitês avulsos. É absurda, igualmente, a tentativa de se autorizar, por
exemplo, a utilização do placebo quando os órgãos profissionais e do controle
social já se manifestaram tão claramente contrários”, avaliou Sergio Rego.
Sobre a possibilidade de criação de
Comitês de Ética subordinados a empresas, ele complementou: “É uma proposta
lamentável, já que o conflito de interesses seria evidente. Organizações
compostas por indivíduos que, em última instância, estarão sendo financiados
pelos que deverão controlar, que terão que atrair clientes para se financiar,
não poderão ter independência para avaliar de forma isenta os que os
financiam”.
Em parecer técnico assinado pelo seu
presidente, Paulo Gadelha, a Fundação Oswaldo Cruz reforça que o PL 200/2015
não atende “aos princípios basilares insculpidos em nossa Constituição Federal,
tal como a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade do direito à vida e o
direito à saúde”. Embora reconheça que o aumento da celeridade da avaliação
ética e regulatória é um dos fatores necessários para aumentar a
competitividade do Brasil no cenário da pesquisa clínica mundial, o documento
da Fiocruz ressalva que a qualidade de revisão ética não pode e não deve ser
comprometida.
Ainda segundo o parecer, a
desestruturação do Sistema CEP/Conep criará uma instabilidade jurídica e
processual, que resultará na imobilização do desenvolvimento científico e
tecnológico na área da saúde. As alterações propostas no projeto de lei também
trariam como consequências o uso indiscriminado de placebo (pílula de farinha,
sem princípio ativo) nas pesquisas clínicas e a perda do direito dos
participantes ao medicamento após o estudo, mesmo que este traga benefícios à
sua saúde.
Fonte:
Agência Fiocruz de
Notícias
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Agência Fiocruz de Notícias