Os grandes temas que marcaram
o noticiário dos jornais nos últimos dias são abordados pelas revistas sob viés
bastante analítico.
O conceito de “grande
reportagem” está estampado nas capas. E a opção dos veículos é clara:
aprofundar determinados temas e ampliar a perspectiva de debate – mesmo a pauta
política e a cobertura econômica seguem essa lógica.
ISTOÉ destaca em sua reportagem
de capa que a voz feminina se impõe nas ruas e nas redes sociais e se torna
protagonista na luta pelos direitos civis pelo fim do assédio, da intolerância
e pela cassação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
ÉPOCA aborda o mesmo tema em
sua capa e indica que uma nova geração de ativistas toma as ruas e as redes
sociais – e recria o movimento político mais importante do Brasil na
atualidade, o feminismo.
Já a reportagem de capa da
CARTA CAPITAL relata os projetos polêmicos da chamada bancada BBB, do Boi, da
Bala e da Bíblia, e elenca os fatores que "explicam a emergência de uma
pauta tão reacionária" (leia a íntegra no final da análise).
VEJA em sua capa destaca que
uma pesquisa inédita, feita em 32 cidades, mostra como a insana burocracia
nacional amarra a vida das empresas brasileiras que mais crescem – as
scale-ups, companhias de alto crescimento, cuja atividade gera 60% dos
empregos.
Com foco em negócios, capa de
ISTOÉ DINHEIRO aponta que depois de comprar a divisão de cosméticos da
Hypermarcas por R$ 3,8 bilhões, a gigante francesa Coty, que distribui marcas
como Marc Jacobs, Calvin Klein, e Davidoff, tentará disputar a liderança no
país.
A principal referência à CNI
nas revistas que circulam neste fim de semana está na coluna BRASIL
CONFIDENCIAL, na ISTOÉ, que informa: “técnicos da CNI estão mapeando barreiras
protecionistas a produtos brasileiros”.
Avançando de modo detalhista,
BRASIL CONFIDENCIAL reforça ainda que, “para entrar no Japão, o nosso suco de
laranja paga entre 24% e 25,5%, o maior imposto entre os estrangeiros”.
“Os EUA limitam a quantidade
do nosso leite condensado que entra no país. Nossos equipamentos hospitalares
passam por caras adaptações para entrar no mercado chinês”, completa BRASIL
CONFIDENCIAL
O debate macroeconômico cruza
a agenda do emprego e do crescimento, delimitando novos espaços na cobertura de
interesse do setor fabril.
Itens como terceirização e
política fiscal se sobressaem. Parte das reportagens contextualiza-se com
conceitos como confiança e competitividade
Como ponto de atenção, CARTA
CAPITAL analisa em tom crítico projetos em discussão no Congresso considerados
retrógrados.
Entre as propostas polêmicos,
reportagem aponta que o que trata das terceirizações, “que revoga vários
dispositivos da Consolidação das Leis Trabalhistas, maior legado de Getúlio
Vargas e fruto da modernização do Brasil, é uma ameaça no ar”.
De acordo com CARTA CAPITAL,
um dossiê preparado pela CUT, com a participação de técnicos do Dieese, revela
que os terceirizados recebem salários 24,7% menores do que quem tem carteira
assinada, permanecem no emprego pela metade do tempo, além de cumprir jornadas
maiores (leia a íntegra abaixo, no final da análise).
Outro ponto de atenção está na
ISTOÉ DINHEIRO. Reportagem avalia que com uma crise política sem fim, o cenário
para 2016 está se deteriorando rapidamente.
“Nesses momentos de recessão,
muitas empresas morrem, outras se reestruturam e algumas até crescem. O caso
mais recente é o de 2009, quando o PIB encolheu 0,2% e a produção industrial
despencou 10,5%”, adverte o texto.
“Além da disputa política, a
alta dos juros promovida pelo Banco Central, a queda da confiança empresarial,
a elevação do desemprego, o encolhimento na renda das famílias, a disparada da
inflação e o impacto da operação Lava Jato nos investimentos dificultam o
início da recuperação”, alerta ISTOÉ DINHEIRO.
Ricardo Boechat, na ISTOÉ, informa
que “líderes empresariais nas principais capitais do país temem pelo futuro da
relação da classe com a presidente Dilma Rousseff, nos três anos que restam de
mandato da presidente”.
“É que em razão da Lava Jato,
os executivos notam uma espécie de ‘demonização’ do setor privado em Brasília,
o que pode causar prejuízo ao País. Em todo o mundo ocidental, homens de
negócios conversam com governos e defendem pleitos. Aqui, parece estar virando
pecado”, resume Boechat.
DINHEIRO NA SEMANA, na ISTOÉ
DINHEIRO, registra que, “nos últimos cinco anos, o nível de internacionalização
das empresas brasileiras aumentou 121%. A pesquisa do Centro de Estudos em
Competitividade Internacional, da FGV/EASP identificou 210 matrizes de
multinacionais no exterior. Embora o número ainda seja modesto em comparação a
outros países, a expansão revela uma estratégia cada vez mais aceita pelo
empresário brasileiro”.
Revistas também repercutem a
declaração do empresário Abílio Diniz, que em palestra a empresários e
investidores afirmou: “O Brasil está em liquidação. É o momento de aproveitar
isso”.
Nesse contexto, destaque está
na ISTOÉ, que aponta que, “com o real desvalorizado e a crise econômica, ficou
mais barato investir no mercado brasileiro. A boa notícia é que o interesse
internacional sinaliza a confiança no futuro do país”.
Segundo a reportagem, a
declaração de Abílio Diniz não foi uma crítica à situação de penúria das
finanças nacionais. “Por mais surpreendente que possa parecer, Abílio aposta
numa recuperação rápida da economia”, assinala o texto.
Complementando a exposição
setorial, Leonardo Attuch, e sua coluna na ISTOÉ, relata que “surgiu em
Brasília um projeto que pode, finalmente, baratear o crédito para as empresas”.
Segundo o texto, a ideia foi
apresentada pelo novo presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos. “Trata-se
da criação das Empresas Simples de Crédito (ESCs), que permitirão a quem tem
poupança emprestar recursos diretamente aos pequenos empresários, sem passar
pelos bancos”, afirma.
O elo perdido
COM UMA PAUTA RETROGRADA, O
CONGRESSO COLOCA O BRASIL NA CONTRAMÃO DOS DEBATES E IDÉIAS EM VIGOR NO RESTO
DO PLANETA
por RODRIGO MARTINS
O historiador britânico Arnold
Toynbee definia assim a ideia de civilização: "É um movimento, não uma
condição. Uma viagem, não um porto". Analisado sob essa ótica, pode-se
dizer que o Brasil, em 2015, escolheu o caminho inverso. E cada vez mais se
distancia dos avanços sociais e culturais experimentados no resto do mundo.
A crise política e econômica,
ou o seu amálgama, para ser mais preciso, tem impulsionado no Congresso a pauta
mais reacionária desde o fim da ditadura.
Ataques a direitos
trabalhistas e sociais, lobbies escancarados a favor de empresas, projetos
pessoais travestidos de interesse público. E uma avalanche. E há uma
coincidência intrigante nesses espasmos de retrocesso: eles se tornam mais
intensos toda vez que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, se vê em apuros,
como agora. Para desviar o foco, o peemedebista, parece, abre a Caixa de
Pandora.
A mais recente vitória do
atraso deu-se na aprovação da PEC 99/11 na Comissão de Constituição e Justiça
da Câmara, na quarta-feira 4. Pela proposta, de autoria do deputado tucano João
Campos, autor de outro projeto marcante, o da "cura gay", entidades
religiosas passam ater o direito de ingressar com ações de
inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, numa evidente afronta ao Estado
laico. "O STF expressa um preconceito contra argumentos de ordem
religiosa", justifica o relator, Bonifácio Andrada, também do PSDB. Se for
aprovada no plenário das duas Casas, a PEC permitirá a igrejas, entre outras
medidas, ingressar com ações contra a autorização ao aborto de fetos
anencéfalos.
Três fatores, elenca o
cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas, explicam a
emergência de uma pauta tão reacionária. Primeiro, o perfil mais conservador
dos parlamentares. A Radiografia do Novo Congresso, atualizada pelo
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, aponta que o setor
empresarial manteve a hegemonia na Câmara, com 221 representantes eleitos.
Abancada sindical, por sua vez, caiu de 83 deputados para 51. Diversos
parlamentares ligados à defesa dos direitos humanos não se reelegeram. Em
contrapartida, a chamada bancada BBB, do Boi, da Bala e da Bíblia, soma mais de
200 representantes, 40% do total na Câmara.
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Terceirização
Os trabalhadores ganham 39%
menos e com jornada maior
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O segundo fator é a reação às
políticas inclusivas da última década. "Muitos ainda se opõem às medidas
de distribuição de renda, que permitiram a ascensão social de milhões de
brasileiros, ou a decisões do Judiciário, que reconheceu, por exemplo, a união
entre pessoas do mesmo sexo." O fator decisivo, avalia o especialista, é a
existência de um líder com ótima capacidade de articulação. "Cunha
organizou e deu uma agenda a esse grupo. Mais que isso, escolheu a dedo os
integrantes de cada uma das comissões da Câmara. Deu certo.
" Nem mesmo a revelação
das contas secretas do peemedebista arrefeceram a pauta obscurantista. "Ao
contrário, a agenda retrógrada se intensificou.
Dessa forma, Cunha desvia o
foco das graves denúncias que pesam contra ele, ao mesmo tempo que agrada a um
dos seus principais pilares de sustentação política, os parlamentares
BBB", afirma o deputado Jean Wyllys, do PSOL. "Na verdade, ele abriu
diversas frentes de batalha simultâneas para ocupar os parlamentares que pedem
a sua cassação."
O presidente da Câmara vive
uma situação sui generis. Os governistas evitam atirar a primeira pedra por
temer que ele acolha o pedido de impeachment contra Dilma Rousseff ou dê
sequência à sua "pauta-bomba", com aumento dos gastos públicos. E a oposição
faz jogo de cena. Volta-se aos holofotes para classificar de graves as
denúncias contra o peemedebista, mas mantém o afago a Cunha nos bastidores, na
esperança de chegar ao poder sem passar pelo teste das urnas.
Fiel, a turma BBB não hesita
em encampar a defesa aberta do seu líder e mentor. "Cunha só sai se
quiser. Mas se sair não vamos colocar outro presidente que não seja alinhado
com nossos anseios", resumiu o deputado Capitão Augusto, da Bancada da
Bala. Nem sempre a defesa prima pela sofisticação, é verdade. "Ele é
ladrão, mas, antes de ser ladrão, tem muito ladrão por trás dele", bradou
Laerte Bessa, relator da maioridade penal, durante uma discussão na CPI dos
Crimes Cibernéticos.
Enquanto uma parcela da sociedade,
minoria, diga-se, só enxerga em Cunha um "não inocente útil" da
campanha a favor do impeachment, a maioria demorou a perceber o resultado das
medidas em discussão no Congresso. Esboça-se, porém, alguma reação. Na
sexta-feira 30, cerca de 15 mil mulheres protestaram nas ruas de São Paulo
contra o PL 5069, de autoria do peemedebista, que aumenta as restrições ao
aborto.
A proposta cria punições para
quem prestar qualquer tipo de orientação à mulher disposta a interromper uma
gravidez. Em caso de estupro, exige que a vítima se submeta a exame de corpo de
delito e registre boletim de ocorrência. O texto ainda permite aos
profissionais de saúde se recusar "a aconselhar, receitar ou administrar
procedimentos ou medicamentos que considerem abortivos". Ou seja, se o
agente de saúde entender que a pílula do dia seguinte provoca aborto, pode se
recusar a oferecê-la à paciente.
"E uma perversidade. Os
parlamentares ignoram o fato de que mais de um terço das mulheres que recorrem
ao aborto legal é de crianças ou adolescentes, muito provavelmente vítimas de
violência sexual dentro de suas próprias casas", alerta a antropóloga
Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora do
Instituto Anis.
Em estudo inédito, pronto para
ser publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva, Diniz analisou 1.283
prontuários de mulheres que recorreram ao aborto legal no País. Quase a
totalidade dos procedimentos, 94% dos casos, é justificada pelo estupro. Ao
menos 62% das mulheres que interromperam a gravidez com o suporte da rede
pública tinham entre 15 e 29 anos. Dado aterrador: 38% delas ainda eram
crianças e adolescentes, e cinco tinham menos de 10 anos.
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Ataque às mulheres
As restrições ao aborto, mesmo
em caso de estupro, são o primeiro passo
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A medida, alerta Maria José
Rosado, uma das coordenadoras da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, pode
significar o fim da política de redução de danos, pois a mordaça impediría até
o esclarecimento sobre métodos abortivos com maior ou menor risco à mulher.
"Querem retroceder ao tempo em que o aborto era um tema proibido, que só
existia nas conversas de comadre ao pé do ouvido." De acordo com
levantamento feito por pesquisadores da Uerj, outros quatro projetos pretendem
tornar o aborto crime hediondo.
Essas propostas tramitam em
conjunto e aguardam a designação de um relator na Comissão de Constituição e
Justiça. Além disso, ao menos sete projetos dispõem sobre os direitos do
nascituro. Entre as aberrações propostas está o pagamento de pensão à mãe de filho
gerado a partir de um estupro, além do reconhecimento da paternidade ao
agressor.
"Parece um retorno à
Idade Média", desabafa João Feres Júnior, coordenador do Laboratório de
Estudos de Mídia e Esfera Pública da Uerj. Idealizador do Manchetômetro, o cientista
político está engajado em um novo projeto, o boletim Congresso em Notas. A
ideia é divulgar, por meio das redes sociais e denewsletters, dados atualizados
sobre os projetos mais relevantes em tramitação no Parlamento. "O
noticiário privilegia a cobertura de casos de corrupção ou sobre acrise
econômica. Mas essa ofensiva reacionária no Legislativo coloca em xeque uma
série de direitos em consolidação desde a Constituição de 1988."
Também por influência da
bancada fundamentalista, uma comissão da Câmara aprovou, no fim de setembro, o
PL6583/13, conhecido como Estatuto da Família. O texto restringe a definição de
entidade familiar à "união entre um homem e uma mulher". Proposto
pelo deputado Anderson Ferreira, do PR, o projeto é uma reação às recentes conquistas
obtidas no Judiciário pela comunidade LGBT. Além de o STF reconhecer a união
estável entre pessoas do mesmo sexo há quatro anos, o Conselho Nacional de
Justiça aprovou uma resolução em 2013 que obriga os cartórios a celebrar o
casamento civil de homossexuais.
Na sanha de excluir cerca de
60 mil famílias homoafetivas, os parlamentares acabaram por ameaçar direitos de
milhões de outros brasileiros que não possuem famílias no formato tradicional,
afirma o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro
de Direito de Família. "Ficaram de fora, entre outras, as famílias de
arranjos anaparentais, quando não há relação direta de descendência. É o caso
de tios que cuidam de sobrinhos ou de irmãos que vivem no mesmo lar." Diante
da ameaça, a Organização das Nações Unidas no Brasil divulgou um comunicado no
qual demonstra "preocupação" com a proposta.
"Negar a existência
dessas composições familiares diversas, além de violar os tratados
internacionais, representa uma involução legislativa", diz o texto.
Os deputados ignoraram ainda
as recomendações do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do
Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC) ao aprovar a proposta que reduz
a maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos, sem
qualquer evidência científica de que o encarceramento precoce reduza os índices
de violência. "Não faz sentido jogar os 20 mil jovens que hoje cumprem
medidas socioeducativas com restrição de liberdade nos presídios convencionais,
controlados por organizações criminosas", avaliou Casimira Benge,
coordenadora do programa de proteção à criança do Unicef no Brasil, em recente
entrevista a Carta Capital.
No fim de outubro, uma
comissão especial da Câmara aprovou o texto-base de uma proposta que revoga o
Estatuto do Desarmamento. Com regras mais frouxas, o rebatizado Estatuto de
Controle de Arma de Fogo reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para a compra
de revólveres e pistolas, prevê um cadastro gratuito e amplia de três para dez
anos o prazo para renovar o porte. A medida também autoriza diversos
profissionais que não atuam na área de segurança a ter acesso a armas. "É
muita irresponsabilidade. Há um consenso entre os pesquisadores: mais armas
resultam em mais mortes", critica o deputado Paulo Teixeira, do PT.
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Maioridade penal
Não há nenhuma prova de que
reduzir a idade de prisão reduza a violência
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Daniel Cerqueira, um dos
diretores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, cita dados para reforçar
esse argumento. "Desde os anos 1980, a taxa de homicídios crescia quase
numa linha reta, perto de 6% ao ano. Somente após a aprovação do Estatuto do
Desarmamento conseguimos frear esse crescimento."
Em estudo publicado em
parceria com Gláucio Soares, da UFRJ, o pesquisador estima que mais de 121 mil
mortes foram evitadas no Brasil, de 2004 a 2012, graças ao controle mais rígido
das armas. "É curioso ver deputados que dizem defender as polícias
apoiarem uma medida como essa. Estimular o cidadão a se armar é reconhecer a
inépcia do Estado e apostar em soluções privadas. As milícias e os grupos de
justiceiros só tendem a se fortalecer", emenda o sociólogo Renato Sérgio
de Lima, vice-presidente do Fórum Nacional de Segurança Pública.
Enquanto isso, os ruralistas
celebraram a decisão, que os autoriza a portar armas em propriedades rurais. É
a cereja do bolo. O bolo propriamente dito é a PEC 215, que transfere do
Executivo para o Legislativo a atribuição de homologar terras indígenas ou
quilombolas. O texto aprovado por uma comissão especial da Câmara incorporou
propostas de vários outros projetos em tramitação. Essas iniciativas, reunidas
num substitutivo apresentado por Osmar Serraglio, do PMDB do Paraná,
praticamente inviabilizam novas demarcações.
"Está previsto o
pagamento de indenizações em dinheiro pelas terras expropriadas, e não apenas
pelas benfeitorias, como ocorre hoje. E essas indenizações são retroativas,
abrangem as demarcações feitas de 1993 em diante. Isso cria um passivo
impagável para a União", alerta Cleber Buzatto, secretário-executivo do
Conselho Indigenista Missionário. A proposta fixa o marco temporal de 5 de
outubro de 1988, data em que a Constituição foi promulgada, para definir as
terras permanentemente ocupadas por indígenas e quilombolas. "Isso
significa que não terão direito à terra se não a ocupavam em 1988. Assim, todo
o processo de expulsão e esbulho praticado ao longo da história é considerado
ato definitivo e sem retorno", criticou Dom Enemésio Lazzaris, presidente
da Comissão Pastoral da Terra, por meio de nota.
A PEC coincide com uma
escalada da violência contra os povos indígenas. Ao menos 138 índios foram
assassinados no Brasil em 2014, número 39% superior ao registrado no ano
anterior. "O pior foi ver a forma truculenta como os índios foram
tratados. Mobilizaram policiais com escudos e armas de choque para impedir a
entrada das lideranças na votação no Congresso", critica Buzatto. No
início de outubro, indígenas e quilombolas chegaram a montar uma vigília na
sala ocupada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Após ameaças de
remoção forçada, Cunha mandou desligar a luz e o ar condicionado para
afugentá-los, uma decisão que se tornou simbólica do estilo imperial do
peemedebista.
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A BANCADA BBB (BALA, BÍBLIA E
BOI) PROMETE OBSTRUIR A ELEIÇÃO DE UM PRESIDENTE DA CÂMARA QUE CONTRARIE SEUS
INTERESSES
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Porte de armas
As restrições atuais pouparam
mais de 120 mil vidas, dizem especialistas
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Demarcação das terras
indígenas
As regras podem criar um
passivo impagável nas próximas décadas
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A tramitação da proposta de
redução da maioridade foi igualmente tumultuada. Durante a votação na Comissão
de Constituição e Justiça, estudantes foram escorraçados com spray de pimenta.
No Plenário, a proposta foi analisada duas vezes em menos de 24 horas, graças a
uma manobra regimental encampada por Cunha e seus aliados. Em vão, os
opositores da redução da maioridade tentaram anular os efeitos da votação no
STF.
"A truculência é uma
marca registrada. Estudantes, indígenas e militantes de movimentos sociais são
tratados a pontapés e impedidos de acompanhar as votações", queixa-se a
deputada petista Érika Kokay. "É um tratamento bem diferente do dispensado
aos grupos pró-impeachment, acampados ilegalmente no gramado do Congresso desde
o fim de outubro", observa Jean Wyllys.
Um ato conjunto, assinado pela presidência das
duas Casas Legislativas em 2001, proíbe a montagem de tendas no local, mas
Cunha deu uma autorização informal aos manifestantes anti-Dilma. Um desses
grupos está acorrentado a uma das pilastras do Salão Verde da Câmara. Não são
incomodados. Já um militante do Levante Popular da Juventude, que promoveu uma
chuva de dólares falsos durante uma coletiva do presidente da Câmara, acabou
arrastado e detido pela Polícia Legislativa.
O projeto das terceirizações, que revoga
vários dispositivos da Consolidação das Leis Trabalhistas, maior legado de
Getúlio Vargas e fruto da modernização do Brasil, é outra ameaça no ar. Um
dossiê preparado pela Central Única dos Trabalhadores, com a participação de
técnicos do Dieese, revela que os terceirizados recebem salários 24,7% menores
do que quem tem carteira assinada, permanecem no emprego pela metade do tempo,
além de cumprir jornadas maiores.
Não é tudo. Sob a justificativa de aumentara
formalização do mercado, o deputado Júlio Delgado, do PSB mineiro, reapresentou
um projeto que flexibiliza as normas em micro e pequenas empresas. O PL 450/15,
conhecido como "Simples Trabalhista", reduz o recolhimento do FGTS de
8% para 2%, permite o parcelamento do 13-? salário em até seis vezes e o
fracionamento das férias em três períodos.
"Alguns projetos são
antigas reivindicações patronais, que ganham força com a crise. Mas os
deputados às vezes são mais realistas que o rei", diz Luiz Antonio
Colussi, da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho. "A redução da
idade mínima do trabalhador de 16 para 14 anos, por exemplo, não tem o apoio
das entidades empresariais."
Por ora, nenhum desses
retrocessos foi convertido em lei, observa Couto. "O legado mais visível
dessa turma é justamente o acirramento da polarização política e a disseminação
da intolerância. E patético ver deputados como Jair Bolsonaro e Marcos
Feliciano atacando a filósofa Simone de Beauvoir por ser citada em uma prova do
Enem", afirma. "No embalo, a Câmara Municipal de Campinas decidiu
publicar uma nota de repúdio contra a citação da autora. Qual é o próximo
passo? Uma lista de livros proibidos?"
Líder do PSOL na Câmara, Chico Alencar
acredita que a pauta reacionária não deve arrefecer tão cedo. "Os BBBs têm
base sólida. Mas é evidente que, em caso de afastamento de Eduardo Cunha, eles
perdem força. Acho difícil todos esses retrocessos serem chancelados pelo
Plenário da Câmara", prevê.
"Como diria o escritor
Ariano Suassuna, o otimista é um ingênuo e o pessimista, um chato. Prefiro ser
um realista esperançoso." De qualquer maneira, em um país que até hoje não
entendeu o sentido da Revolução Francesa e onde o Estado de Direito não deitou
raízes, todo cuidado é pouco.