A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo decidiu criar uma comissão para conter ações na Justiça que pedem por medicamentos -em sua maioria, não cobertos pelo SUS, só vendidos no Exterior ou em fase experimental, sem a total eficácia comprovada. Hoje, o o governo do Estado de São Paulo gasta cerca de R$ 1 bilhão por ano para atender a essas demandas -valor acima de todo o atendimento do SUS em assistência farmacêutica, que é da ordem de R$ 600 milhões. Ainda, do total de receitas atendidas via ação judicial, 69% são de médicos da rede privada de saúde.
Outra justificativa para a medida, além dos altos custos, são ações que a secretária considerou serem abusivas. A ofensiva contra a judicialização vem logo após um pedido de prisão do secretário de Saúde, David Uip, por descumprimento de ação judicial que pedia o fornecimento do canabidiol, um dos princípios ativos da cannabis sativa utilizado para epilepsias graves.
O Ministério Público de Marília alegou que os pacientes corriam risco de morte, mas a secretaria disse que apenas estava cumprindo o prazo da Anvisa de importação. Veja o caso aqui.
Para combater o avanço da judicialização e o que a secretária de Saúde considerou uma medida “abusiva”, o governo criou uma parceria com a USP para que a instituição emita parecer sobre os pedidos. A universidade deverá levar em conta a conformidade das atuais políticas públicas de saúde e a eficácia dos medicamentos.
Assim, será possível comprovar, junto ao Poder Judiciário, os casos em que não há evidência clínica sobre a eficácia do medicamento reclamado em juízo. Ainda, a USP irá verificar se não há terapia alternativa prevista na lista federal da Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) ou quando as decisões tratarem de itens não ligados à terapia medicamentosa. Outras universidades, no interior do Estado, poderão ser acionadas para participar do processo.
Além de frear ações como essa, a nota da Secretária de Saúde, diz que a medida também visa conter o cumprimento de alguns mandados judiciais com pedidos que nem sempre tem conexão com o tratamento dos pacientes. Por meio de ações na Justiça, são pedidos sabão, absorventes íntimos, pilhas alcalinas, amido de milho, álcool gel, achocolatados diet e outros.
A secretária informa que são pelo menos 83 itens não ligados à terapia medicamentosa de pacientes.
Somente de fraldas são 57 tipos de marcas e tamanhos diferentes, para adultos, crianças e adolescentes.
Foto: Ingimage
Ações na Justiça atendem somente a 4% da população, segundo Secretária de Saúde do Governo do Estado.
Ofensiva na Justiça e queixas formais
A Secretaria informa que irá estreitar o diálogo com o Judiciário, mas que nos “casos de decisões arbitrárias e abusivas”, queixas formais serão realizadas pela pasta junto ao Conselho Nacional de Justiça.
Como abusiva, a secretaria citou como exemplo o pedido de prisão, que não levou em conta prazos de importação estabelecidos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
“Uma juíza da região de Bauru chegou a estabelecer prazo de 48 horas, sob ameaça de pedir a prisão do secretário, caso o mesmo medicamento, que leva atualmente mais de três meses para ser importado, conforme as normas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), não chegasse para paciente do município de Ourinhos, no interior paulista”, diz a nota da secretária de Saúde.
Debates e audiências públicas
O governo paulista também irá mobilizar, via Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), todos os 27 secretários de Estado, que enfrentam o mesmo problema, para solicitar uma audiência junto ao presidente do Supremo Tribunal Federal visando tratar do problema da “judicialização”.
A Secretaria irá, ainda, solicitar ao Ministério da Saúde maior agilidade na incorporação de novos medicamentos à lista da rede pública de saúde, bem como que amplie os recursos destinados a São Paulo para a compra de medicamentos de alto custo.
Para monitorar e sistematizar as informações sobre as ações judiciais, a pasta irá modernizar o seu departamento de Demandas Estratégicas do SUS, com a contratação de novos profissionais, entre advogados e profissionais ligados à área de assistência farmacêutica.
“O problema da judicialização cresceu de forma exponencial e assustadora nos últimos anos, em todo o Brasil, desestruturando a lógica de funcionamento do SUS e suas competências. Com isso, têm comprometido importante parcela de seus recursos, que deveriam ser destinados para atendimento integral da população “, afirma David Uip, por meio de nota da assessoria da Secretaria de Saúde de São Paulo.
Números e pedidos na Justiça em SP
Desde 2010 a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo foi alvo de 79.557 ações judiciais para entrega de medicamentos, materiais e nutrição, entre outros itens.
Em 2015 o Estado recebeu 18.045 novas ações, contra 14.383 no ano anterior, 14.080 em 2013, 12.031 em 2012, 11.633 em 2011 e 9.385 em 2010. Atualmente a pasta cumpre o atendimento a aproximadamente 47 mil condenações, com gasto anual estimado em R$ 1 bilhão.
Do total de receitas atendidas via ação judicial, 69% são de médicos da rede privada de saúde. A pasta ainda atende a 482 ações de medicamentos e sem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O que causa maior impacto é que 90% do valor despendido pelo Estado de São Paulo no custeio da judicialização atende a apenas 4% do total de medicamentos requeridos na via judicial. Isso significa que cerca de R$ 900 milhões são gastos para atendimento de uma camada muito pequena da população. O impacto maior nos custos é com a aquisição de imunobiológicos, principalmente em relação aos casos em que a condenação discrimina a marca do medicamento.
O exemplo disso é o remédio Lenalidomide, não registrado no Brasil, para tratamento de câncer, cujo medicamento de marca (Revlimid) custa 33 vezes mais na dosagem 10mg e 24,4 vezes mais na dosagem 25 miligramas.
A Secretaria estabeleceu um índice de ações por região do Estado, considerando o número de ações judiciais propostas em relação ao número de habitantes.
Os municípios que compõem a região de Barretos lideraram o Índice Paulista de Judicialização da Saúde em 2015, com 30,01 ações por 10 mil habitantes, seguidos dos da área de Ribeirão Preto, com 19,08 e de São José do Rio Preto, com 14,31, enquanto a média do Estado é de 4,06 ações por 10.000 habitantes.
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