“Ao longo de sua trajetória de
quase 117 anos, nossa instituição vem contribuindo para promover a saúde dos
brasileiros e dos países com os quais cooperamos. Esse compromisso eu reafirmo
aqui. Na singularidade da minha experiência profissional eu encontrei na
Fiocruz uma escola que traz em sai a valorização da ciência como parte de um
projeto civilizatório. Ampliar as conquistas sociais faz parte do ideário dos
que buscam promover a ciência e a saúde como base para a efetivação dos
direitos de cidadania. Este é o grande compromisso do meu mandato. Um mandato
que, faço questão de dizer, estará a serviço da sociedade brasileira, da
participação entre os povos, pela paz, pelos direitos, pela equidade e pela
soberania”.
Nísia é a primeira mulher e socióloga na
Presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fotos: Peter ilicciev)
Com estas palavras, a nova
presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, recebeu o cargo das mãos do
ex-presidente Paulo Gadelha (gestões 2009-2012/2013-2016), em cerimônia
realizada nesta sexta-feira (10/2), em Manguinhos, no Rio de Janeiro. O evento
que levou cerca de mil pessoas a Praça Pasteur, ao lado do histórico Castelo
Mourisco, contou com a participação de diversas autoridades da Saúde, da
Ciência e da política brasileira, que expressaram seu apoio à primeira mulher e
socióloga a comandar a Fundação Oswaldo Cruz.
Nomeada pelo presidente da
República, Michel Temer, em decreto publicado no Diário Oficial da União do dia 4 de
janeiro, para a gestão 2017-2020, Nísia Trindade Lima foi a candidata mais
votada nas eleições internas da Fiocruz, realizadas em novembro de 2016, com
59,7% dos votos em primeira opção. Em discurso emocionado durante a cerimônia,
Nísia homenageou gestores e pesquisadores da Fiocruz, em especial as mulheres,
com quem conviveu desde que ingressou na Fundação em 1987. A presidente
agradeceu o apoio de todos e reafirmou sua responsabilidade com o
fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), diante das graves ameaças à
saúde da população brasileira.
“Quando ingressei aqui como
pesquisadora, eu participei da construção de um projeto institucional
democrático, tendo uma visão da Saúde como parte de um processo de
desenvolvimento econômico e social da conquista da cidadania. Nos últimos anos,
a instituição cresceu, diversificou-se e ampliou seu papel na indução e
implantação de políticas nos campos social e científico. Represento um projeto
que reconhece o legado das gestões anteriores e reafirmo o valor da Fiocruz
como instituição estratégica do Estado. Identifico-me com a perspectiva de seus
fundadores, de articular o desenvolvimento científico e tecnológico com as
necessidades do país”, afirmou Nísia Trindade Lima.
"A Fiocruz é uma instituição estratégica
do estado brasileiro", afirmou Paulo Gadelha
Com um discurso emocionado,
que mesclou recordações pessoais e depoimentos de sua trajetória profissional,
Paulo Gadelha se despediu do cargo de presidente da Fiocruz, após oito anos de
mandato. Em sua fala, muitos agradecimentos à família, aos companheiros de
jornada, aos parlamentares que tornaram possíveis tantas conquistas à frente da
Presidência da Fundação, aos amigos e a outras personalidades de destaque na
história da Saúde Pública do Brasil. Gadelha também fez questão de reforçar o
papel pioneiro da Fiocruz, tanto na área da ciência, quanto na de cidadania.
“Enxergar longe no tempo e no espaço continua sendo uma característica deste
sítio”, disse. “A Fiocruz é uma instituição estratégica do estado brasileiro.
Não existe experiência exitosa de desenvolvimento que tenha rescindido do
Estado, e a Fiocruz é uma instituição exemplar que comprova essa tese”,
complementou.
Ao transmitir oficialmente o
cargo, o ex-presidente se utilizou de testemunhos de amigos para descrever
Nísia. “Antonio Ivo, coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz,
disse uma coisa que me tocou: a Nísia inspira a gente”, contou. Gadelha também
repetiu para sua sucessora palavras ditas pelo diretor do Centro de Relações
Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) e também ex-presidente da Fundação,
Paulo Buss. “A Nísia leva com ela ternura, firmeza, capacidade intelectual e
capacidade de gestão”. Sob aplausos e olhares atentos de uma plateia lotada e
bastante animada, Paulo Gadelha afirmou que a Fiocruz está em excelentes mãos.
“Isso para mim é um sentido também de realização. Eu sei que todo esse projeto,
tudo o que nós brigamos por tanto tempo, não foi jogado fora”, finalizou.
Autoridades prestigiam a nova
presidente da Fundação
A representante da Associação
de Pós-Graduandos (APG), Maria Fantinatti, falou do quadro de dificuldades
enfrentadas pelos estudantes com a crise na gestão do Estado, do atraso no
pagamento das bolsas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(Faperj), e dos cortes nos recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). Ela desejou sucesso para a nova presidente.
“Esperamos que tenha garra, força e sabedoria nesse momento difícil para a
ciência no Brasil como um todo”, disse, prestando solidariedade. “Nós,
estudantes, brigaremos contra epidemias, crises políticas e crises
financeiras”, discursou Maria, que ressaltou a importância da união entre
servidores, estudantes e representantes do governo na busca de melhoria da
saúde e da qualidade de vida para a população.
Logo em seguida, a ativista
Norma Maria de Souza, do Projeto Marias, iniciou suas colocações afirmando
sentir-se em casa na Fiocruz. “A Fundação é como a minha mãe. É uma instituição
acolhedora, sem muros, sem preconceitos e que está aberta a todos, sobretudo
aos que mais precisam. Aqui nós somos protagonistas da nossa história”,
afirmou. O Marias é um projeto que nasceu em Manguinhos (bairro onde está
instalado o campus principal e a sede da Fundação) para
empoderar mães e parentes de crianças com deficiência e necessidades especiais
e que, desde o início, recebe o apoio da Fiocruz e do Sindicato dos
Trabalhadores da instituição (Asfoc-SN). “Estou aqui representando os moradores
das muitas comunidades do entorno da Fundação, das quais já morei em várias.
Queremos estreitar cada vez mais a relação com a instituição e vim trazer o meu
abraço, o meu incentivo e os meus parabéns para a doutora Nisia”, destacou
Norma.
Presidente da Asfoc-SN, Justa
Helena Franco destacou o modelo democrático e participativo “único e
estratégico” da Fiocruz. “É um modelo complexo que demanda a integração de
unidades diversificadas, em áreas que passam pela pesquisa, ensino, produção,
assistência, comunicação, potencializando uma visão global, científica e
tecnológica e política da questão de Saúde Pública”. Justa também ressaltou a
participação dos trabalhadores da Fiocruz no processo de eleição e posse da
nova presidente e garantiu a mobilização do sindicato para os novos desafios em
pauta. “Nós reafirmamos que queremos uma Fiocruz forte para um SUS forte.”
Falando em nome do presidente
da Academia Nacional de Medicina (ANM), Francisco Sampaio, o ex-presidente e
atual chefe do Cris/Fiocruz, Paulo Buss, discursou sobre o engajamento da ANM
na defesa do SUS e da ciência e tecnologia nacionais. “Em um país com essa
brutal desigualdade de renda, não há como o SUS não ser inclusivo. Existem
muitos interessados em atacar o SUS, mas quando ele é chamado, responde.
Existem milhares de exemplos de avanços impressionantes, da atenção primária à
mais complexa”, afirmou Buss. ”Em nome da ANM, quero assegurar a certeza de que
Nísia Trindade, com sua serenidade e firmeza características, atuará para o avanço
desta conquista tão importante na história do país e da instituição”.
O governador do Ceará, Camilo
Santana, fez uma viagem bate-volta para prestigiar a posse de Nísia. “Vim
agradecer à Fiocruz pelo crucial papel que desempenha para a saúde, a ciência e
a tecnologia nacionais. Esta é uma instituição que trabalha firme na ampliação
da justiça social e com a qual o Ceará está desenvolvendo uma importante
parceria, já que em breve vamos inaugurar uma unidade da Fundação em Eusébio,
município vizinho a Fortaleza. Será um polo de desenvolvimento social e
tecnológico”, observou o governador.
“Estamos felizes de ter
participado da defesa do processo interno e democrático dessa instituição. A
Fiocruz se tornou nos últimos meses um ponto de referência para todas as
entidades brasileiras, reunindo várias instituições em uma grande frente em
defesa da democracia, e da ciência, tecnologia e inovação”, afirmou Otávio
Velho, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC).
Em seguida, o presidente do
Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Ferreira dos Santos, evocou a
centenária história da Fiocruz, para a partir dela apontar um caminho para o
futuro da Saúde Pública nacional. “Nas origens desta instituição, na Cavalariça
[ao lado do palco da cerimônia] se produziam antídotos contra o que envenenava
o povo brasileiro. E o Brasil hoje novamente vive um susto que ameaça toda sua
população – sobretudo sua democracia, sua soberania e suas populações mais
vulneráveis”, disse Santos. “Desde aquela época, a Fiocruz representa a
capacidade de produção de soluções para o país. Ela guarda os antídotos ao fim
da democracia, à ruptura da proteção social e à nossa capacidade produtiva. O
fato de estarmos reunidos para saudar Nísia é símbolo de nossa capacidade de
resistir. Resistiremos e superaremos”.
Representando o Conselho
Superior da Fiocruz, o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio
de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, foi o orador seguinte,
fazendo uma reflexão político-existencial relacionada à pesquisa e à saúde
pública, que contrapôs a ideologias individualistas e autocentradas. “Estamos
saindo da era do egoísmo e do individualismo, em que meta de cada um não é ser,
mas ter”, afirmou. “Aqui no meio científico, todos os dias vocês nos dão
exemplos de solidariedade. Solidariedade porque, vocês sabem, não há pesquisa
isolada. E também porque se é solidário com o resultado do trabalho, para
conferir à sociedade um maior bem-estar e, ao outro, um maior prazer de viver”.
Penúltimo convidado externo a
discursar, o Secretário Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Luiz Antônio
Teixeira Júnior, fez uma elegia à Fiocruz, instituição que, em suas palavras,
“se iniciou aqui, para se espalhar para todo o país”. “Ninguém no país terá
capacidade para barrar a Fiocruz”, disse Luizinho, como o Secretário é
conhecido. “A saúde pública do país precisa da Fiocruz. Ela não é o maior polo
de pesquisa e produção e saúde pública do Brasil; ela é o maior polo salvador
de vidas do Brasil. Só tenho a agradecer à parceria entre a Secretaria de Saúde
e a Fiocruz. Quanto ao SUS, é ainda um jovem. Nesses 28 anos, ele já se
desenvolveu e se desenvolverá muito mais”.
Para finalizar, representando
o ministro da Saúde, o secretário de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da
Saúde, Francisco de Assis de Figueiredo, afirmou que a pasta confia na
competência de Nísia para a construção de uma Fiocruz forte diante dos
desafios. Figueiredo saudou e lembrou do trabalho importante de ex-ministros da
Saúde presentes no evento, assim como do ex-presidente da Fiocruz, Paulo
Gadelha. “A Fundação é estratégica na assistência farmacêutica, na vigilância e
em várias outras áreas extremamente importantes. O Ministério da Saúde acredita
na grande competência desta instituição e em sua consolidação como peça
fundamental do SUS”, concluiu.
Atividades culturais animam
cerimônia
Composta por Caetano Veloso, a
música Alegria, alegria foi a escolhida pelo Coral Fiocruz
para abrir a cerimônia de transmissão de cargo de presidente da Fiocruz. Com
regência de Paulo Malagutti e coordenação de Maria Clara Barbosa, o Coral
também cantou o Hino Nacional Brasileiro durante a solenidade.
Logo em seguida, um Ato
Ecumênico reuniu diversas lideranças religiosas. Estiveram presentes no evento:
mãe Beata de Iyemonjá, Iyalorixá do Camdomblé; Maria das Graças de Oliveira
Nascimento, do Movimento Inter-religioso do Rio de Janeiro; Rafael Soares de
Oliveira, Ogan do terreiro da Casa Branca; o diácono Marcio Galvão,
representante da Arquidiocese do Rio de Janeiro; o pastor José Roberto,
representante da Igreja Evangélica; Renato Rodrigues, da Comissão de Combate a
Intolerância Religiosa; o babalawo Ivanir dos Santos; Fabiane Gaspar, do
Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro; Og Sperle, da União Wicca do
Brasil; Sheique Mohammad Mahdi, do Centro Cultural Iman Hussein; Fátima Damas,
presidente da Congregação Espírita Umbandista do Brasil; a babalorixá
Elisa de Yansã, do Ilê Axé Efon; e Patrícia Tolmasquim, da Federação Israelita
do Estado do Rio de Janeiro.
Ato Ecumênico abre a cerimônia de transmissão
de cargo de presidente da Fiocruz.
A encenação de um trecho
da peça teatral A vida de Galileu, de Bertolt Brecht, com direção
de Daniel Herz e João Marcelo Pallotino e produção de Geraldo Casadei, também
foi destaque da cerimônia de transmissão de cargo. A encenação foi uma
homenagem ao ex-presidente Sergio Arouca e aos dez cientistas cassados pela
Ditadura de 1964, no episódio conhecido como “Massacre de Manguinhos”. Em 1986,
durante cerimônia para reintegração dos cientistas afastados, Arouca organizou
uma encenação da mesma peça de Brecht, em Manguinhos, com os atores Claudio
Corrêa e Castro, Antônio Pedro e Paulo José.
Bateria da Escola de Samba Estação
Primeira de Mangueira encerra cerimônia.
No encerramento da cerimônia,
os convidamos contaram com o som da bateria da Escola de Samba Estação Primeira
de Mangueira e, logo após, do bloco Discípulos de Oswaldo. Durante todo o
evento, os participantes também puderam conferir o trabalho do grafiteiro
Nicolau Mello, que desenhou um painel em homenagem as mulheres na
ciência.
Grafiteiro Nicolau Mello desenha painel em
homenagem as mulheres na ciência.
*Colaboraram na
produção deste texto: André Costa, Claudia Lima, César Guerra Chevrand, Erika
Farias, Leonardo Azevedo, Renata Moehlecke e Ricardo Valverde.
Edição: César Guerra Chevrand
e Renata Moehlecke.