Receita das farmácias pode
estar ameaçada, alheio à crise dos últimos anos, o segmento vê os
consumidores receosos quanto ao cenário eleitoral e sem disposição para deixar
os genéricos e voltar ao medicamento de referência
Na contramão da maioria dos setores da economia brasileira, as vendas das farmácias
passaram quase ilesas pela recessão dos últimos anos. Dados da Associação
Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) mostram indicadores
positivos de 2013 a 2017 nas vendas gerais, de medicamentos, de não
medicamentos, de genéricos (em valores) e em número de unidades.
Da mesma forma, aumentou a
quantidade de lojas. Em 2013, eram 5.085. No ano passado, foram registradas
pela entidade 7.240. Mas, quando se leva em consideração todo o universo
farmacêutico, incluindo as pequenas redes e unidades independentes, o número é
muito maior. O país tem cerca de 77 mil farmácias.
Apesar do bom desempenho, e a
despeito, neste ano, de projeções do governo e de analistas de bancos e
corretoras que indicam crescimento maior da economia, a expectativa não é de
aumento de vendas em comparação a 2017. Segundo Sérgio Mena Barreto, presidente
da Abrafarma, a previsão de aumento de 12% a 13% em 2018 já foi revista e deve
ficar em cerca de 9%, mesma alta registrada no ano passado em comparação a
2016.
Em boa parte, isso deve
ocorrer porque os brasileiros, que durante a crise trocaram os medicamentos de
referência pelos genéricos, não fizeram o movimento de retorno. Ou seja,
continuam a consumir os remédios que são de 40% a 70% mais baratos. "A
confiança do consumidor não está tão plenamente recuperada como se imaginava. É
um comportamento parecido com o que se vê no comércio de uma forma geral. Em
parte, isso pode refletir certo temor em relação ao cenário eleitoral",
avalia Mena Barreto.
Além da falta de confiança por
parte do consumidor, outros dois assuntos têm feito com que as grandes redes
fiquem particularmente atentas em 2018. Um deles é a possibilidade de aprovação
de um projeto de lei que permite a venda de medicamentos sem controle, como
Aspirina e Sal de Fruta, por supermercados e comércios do gênero, sem a
necessidade de um farmacêutico.
O assunto é antigo, mas voltou
a ser discutido recentemente, durante viagem do presidente Michel Temer a São
Paulo, com representantes do setor varejista. Temer prometeu se empenhar na
aprovação do PL desde que os supermercados oferecessem, como contrapartida, a
contratação de filhos de famílias beneficiadas pelo programa Bolsa-Família.
A reação da Abrafarma foi
imediata. Na terça-feira passada, Mena Barreto teve encontro com Eliseu
Padilha, ministro da Casa Civil, para mostrar quais impactos esse PL poderia
ter. Os supermercados, segundo ele, prometem vender remédios até 30% mais
baratos do que as farmácias.
No entanto, segundo
levantamento feito pela Abrafarma, de um total de 4 mil itens oferecidos nas
gôndolas, 56% custam mais nos supermercados do que nas farmácias. "Essa
proposta é esdrúxula. Como eles prometem um preço menor em remédio, se já não
conseguem fazer isso com outros itens, como absorventes, xampus?", questiona
o executivo da Abrafarma.
A mesma planilha foi
encaminhada ao Ministério da Saúde, mas ainda não há uma resposta.
Para Mena Barreto, o PL não deve permitir a venda de medicamentos em
supermercados e pequenos comércios sem a presença de um farmacêutico,
diferentemente do que é exigido das farmácias.
Farmácia popular
Outro problema para o setor é
a decisão do governo de diminuir o valor de repasse para os medicamentos que
fazem parte do Programa Farmácia Popular. A nova tabela passou a
valer neste mês, por isso, Mena Barreto acha que ainda é difícil saber que
impacto terá na receita. "No caso da insulina, o governo quer pagar R$ 20
e o custo para a farmácia é de R$ 29. Ou seja, a conta não fecha. Mas, ainda
estamos aguardando para ver o que deve ocorrer", diz. Esse programa
responde por 2% do faturamento do setor.
A vice-presidente comercial da
rede Pague Menos, hoje com 1.100 lojas em todos os estados, Patriciana Queirós,
acredita que a medida do governo não deverá ter um impacto significativo na
receita das farmácias, mas vai penalizar o consumidor. "Sem acesso a
medicamentos de extrema necessidade, ele não terá a quem recorrer",
alerta.
A executiva da Pague Menos
conta que a companhia tem atuado em várias frentes para melhorar os resultados
-- tanto a margem de lucro quanto as vendas. Por exemplo, vem ampliando as
parcerias com grandes indústrias, como Coca-Cola, Unilever e Nestlé, para
aumentar a oferta de produtos nos pontos de venda e ir muito além da venda de
remédio para dor de cabeça. A rede já implantou em 800 unidades um serviço
especial para os clientes, com orientação profissional sobre perda de peso
e tabagismo, e controles de saúde, como a medição da pressão
arterial.
"Esse setor será cada vez
mais dominado por aqueles que se profissionalizarem, que investirem em uma
estrutura pesada de tecnologia para entender melhor quais são as necessidades
dos clientes e oferecerem produtos e serviços sob medida", avalia
Patriciana. Para este ano, a vice-presidente da Pague Menos projeta crescimento
entre 8% e 10% nas vendas. Eugênio De Zagottis, vice-presidente de Planejamento
e RI da RD, da qual fazem parte as bandeiras Droga Raia e Drogasil, diz que em
boa medida o compartilhamento de competências complementares entre as duas
marcas foi decisivo no momento mais difícil da economia.
"Fizemos um upgrade,
preservando todas as funcionalidades a serem compartilhadas entre as duas
redes. Isso se tornou uma das nossas maiores vantagens competitivas para os
anos seguintes. Outra vantagem competitiva foi o investimento em pessoas
qualificadas e motivadas. Além disso, apostamos em formatos diferenciados, com
conceitos avançados de gestão de categorias. Revisamos toda a segmentação de
lojas, de forma a otimizar o sortimento e a precificação de cada unidade ao
perfil dos clientes e ao ambiente competitivo", detalha o executivo. A
companhia tem 1.650 unidades e está presente em 22 estados.
Outra aposta da RD foi focar o
negócio na venda de saúde e bem-estar. Uma forma de melhorar esse conceito, que
tem sido adotado por outras redes, é com a criação de espaços para o
oferecimento e aplicação de vacinas. Em 2017, foram abertas 210 unidades e a
projeção para 2018 e 2019 é que sejam inauguradas mais 240 unidades por ano.
» Paula Pacheco, Correio
Brasiliense