Com o objetivo de preparar-se
para a 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, que ocorrerá em abril de
2017 em Brasília, a Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde
(VPAAPS/Fiocruz) promoveu, na última quinta-feira (21/7), o simpósio sobre
aspectos diversos da zika, como epidemiologia, estudos clínicos, distribuição
espacial e fatores socioambientais, além da vigilância em saúde e o SUS.
Realizado no auditório do Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), em
Manguinhos, no Rio de Janeiro, o evento Emergência Sanitária: contribuições da
Fiocruz para a 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde reuniu
representantes da Fundação, do Ministério da Saúde e de diversas instâncias
estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS).
Na mesa de abertura, o
vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz),
Valcler Rangel, destacou a importância do evento no contexto da epidemia de
zika, dengue e chikungunya, como também elencou outros temas a serem discutidos
futuramente para a conferência, como violência e saúde pública, o impacto das
doenças crônicas não transmissíveis e a crise global ambiental. “Esse debate é
o início de um processo de preparação para a conferência e também um espaço de
reflexão sobre as questões que a tríplice epidemia apresenta. Trata-se de um
quadro epidemiológico complexo, que exige um patamar diferenciado na pesquisa,
na atenção, na vigilância. Precisamos pensar em um enfrentamento integral”,
explicou ele. “No âmbito da conferência, consideramos que a Fiocruz e seus
parceiros têm muito para contribuir. Queremos ser referência para os debates
com os vários atores e nas várias instâncias, de modo que a conferência seja um
elemento organizador para o nosso sistema de saúde”.
A vice-presidente de Ensino,
Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz), Nísia Trindade, destacou a
importância da relação entre academia, o serviço de saúde e os movimentos
sociais da sociedade civil, não só no contexto da epidemia como na construção
da conferência, e apontou a importância do SUS no contexto do zika. “A epidemia
mostrou a importância do Sistema Único de Saúde para a sua identificação, para
integrar conhecimento científico, para as propostas terapêuticas e no campo da
inovação e também na questão das vacinas, dos kits diagnósticos e de todas as
políticas”, esclareceu.
Epidemiologia de zika
Primeiro a falar na mesa de
debate sobre epidemiologia de zika, o subsecretário de Vigilância em Saúde da
Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Alexandre Chieppe, destacou os
principais desafios das autoridades em saúde do Brasil para monitorar e
combater as doenças transmitidas pelo Aedes. Mesmo admitindo as dificuldades
para o controle da dengue, Chieppe afirmou que o sistema de vigilância
epidemiológica do país está mais fortalecido para as Olimpíadas e permanecerá
como legado após os Jogos 2016.
De acordo com Alexandre
Chieppe, a epidemia de dengue que assolou o Rio de Janeiro neste ano, com mais
de 70 mil casos notificados, pode ter incluído casos não-diagnosticados de
zika. “O pico de transmissão de dengue no Rio de Janeiro se dá nos meses de
março e abril. O pico de transmissão de zika aconteceu em janeiro e já começou
a decair no início de fevereiro. A gente viveu uma curva epidêmica de zika importante
no ano anterior. A gente não conseguiu identificar isso porque o sistema de
vigilância não estava preparado para tal”, afirmou.
O subsecretário de Vigilância
em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro explicou que uma
segunda onda epidêmica de zika, prevista para o ano que vem, não deve ter a
mesma intensidade da primeira, já que parte significativa da população do
estado do Rio de Janeiro está imunizada contra a doença. Alexandre Chieppe
disse que a preocupação no estado deve se voltar para a possibilidade de uma
epidemia de chikungunya em 2017.
Segundo Chieppe, a circulação
do vírus zika no ano que vem deve atingir as regiões metropolitanas de São
Paulo e Minas Gerais, trazendo novos desafios para as autoridades em saúde do
país. No Rio de Janeiro, os esforços da vigilância epidemiológica também devem
estar voltados para a possibilidade da entrada de outras doenças transmitidas
pelo Aedes, como a febre amarela, por conta da intensa circulação de pessoas
nas Olimpíadas.
Distribuição espacial do vírus
e saneamento
A distribuição espacial e os
fatores sócio-ambientais do zika no Brasil foram os temas da palestra do
pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
em Saúde (Icict), Christovam Barcellos. Comparando as diferentes dinâmicas de
transmissão de dengue, zika e chikungunya no país, Barcellos utilizou a
ferramenta do Google Trends para analisar as tendências de buscas dos
internautas sobre as três epidemias e identificar a evolução das doenças no país.
O monitoramento tem sido
importante para a construção de uma plataforma de dados e um painel de estudos
e alertas sobre dengue, zika e chikungunya no Icict/Fiocruz, com a definição de
uma modelagem matemática necessária para entender as epidemias. Segundo Christovam
Barcellos, um dos desafios, por exemplo, é compreender por que os casos estão
concentrados no Nordeste. “Nosso próximo passo é investigar que grupos sociais
são os mais atingidos. Quem são essas pessoas? Idade, sexo, ocupação? São
pistas importantes para a gente seguir”, afirmou.
Abordando a emergência
sanitária sob a perspectiva do saneamento, o pesquisador do Centro de Pesquisas
René Rachou (Fiocruz Minas) Leo Heller lamentou que o tema ainda seja
negligenciado nas estratégicas de combate às arboviroses transmitidas pelo
Aedes no Brasil. “Apesar de muitas advertências, inclusive internacionais,
sobre a importância do assunto, o saneamento tem ficado num plano muito
inferior”. De acordo com o especialista, todos os componentes oficias do saneamento,
como o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e o manejo de resíduos
sólidos, são importantes para o controle das epidemias de dengue, zika e
chikungunya no país. “40% da população não tem atendimento adequado de
abastecimento de água”, apontou.
Ao citar diferentes estudos
sobre o impacto do saneamento na presença e na multiplicação do Aedes nos
territórios, Leo Heller também reforçou a necessidade de articular as
intervenções físicas, químicas e biológicas para o controle do Aedes. “O método
mais efetivo de controle são abordagens integradas. Intervenções isoladas tem
menos eficácia”, disse.
Estudos clínicos e a
emergência sanitária
A pesquisadora Sheila Pone, do
IFF/Fiocruz, abordou a questão dos ‘estudos clínicos e a emergência sanitária’.
Em sua participação ela fez um histórico do zika desde sua origem. Descrito em
1953 e com duas linhagens, o vírus teve poucos casos até 2007: apenas sete, em
todo o mundo. Até que ocorreu uma epidemia na Micronésia, naquele ano, e 5 mil
pessoas foram infectadas, numa população de 6,7 mil pessoas. Depois disso foram
registradas outras epidemias em ilhas e arquipélagos do Pacífico, como na
Polinésia Francesa. Até então cientificamente chamada de ‘dengue-like’, a zika
chegou ao Brasil em 2015, em sua linhagem asiática. O país foi o primeiro das
Américas a ter casos registrados de zika, com oito casos no Rio Grande do
Norte. Nos meses seguintes a enfermidade atingiu outros 19 países do
continente.
“A partir de agosto daquele
ano já podemos falar em um surto, com o aumento do número de casos de
microcefalia em 20 vezes. Logo depois houve a decretação, pelo governo federal,
da emergência sanitária nacional e em seguida, pela OMS, a emergência internacional.
Atualmente o correto é usarmos o termo Síndrome da Zika Congênita, já que a
microcefalia – a diminuição do perímetro craniano – é somente um dos problemas
causados pelo vírus. O invasor também pode provocar outros danos ao
desenvolvimento das crianças. A síndrome congênita é esse conjunto de sintomas
provocados pelo vírus e que os bebês de mães infectadas manifestam ao nascer”,
diz Sheila.
Concluindo a apresentação, a
pesquisadora do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do
Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), unidade que é referência na
assistência a gestações de alta complexidade e na atenção integral a crianças
com doenças crônicas e que vem acompanhando as consequências da infecção pelo
zika em gestantes, mostrou fotos de crianças que nasceram com o problema. As
fotos, segundo definição da própria Sheila, são ‘devastadoras’ por mostrarem as
gravíssimas lesões causadas pelo vírus.
A última intervenção da
primeira mesa do dia foi do pesquisador André Siqueira, do Laboratório de
Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas do Instituto Nacional de Infectologia
Evandro Chagas (INI/Fiocruz). Siqueira abordou as manifestações clínicas do
vírus, os sinais e sintomas e comentou os aspectos virológicos do zika. Ele
reafirmou que são necessários mais ensaios clínicos para que se conheça melhor
o vírus e suas consequências.
Entre as limitações da
abordagem atual, Siqueira listou: as dificuldades em confirmar diagnósticos; as
estimativas imprecisas de transmissão; a ausência de características
distinguíveis; a falta de adequação dos métodos sorológicos usados hoje para
caracterizar a infecção; a reação cruzada com outros flavivírus (o mesmo gênero
do zika); e a real extensão de casos assintomáticos. O pesquisador também citou
estudos recentes, feitos por brasileiros e publicados em renomadas revistas
científicas internacionais, que reforçam a associação entre o zika e a
microcefalia.
Foco na vigilância em saúde
Na parte da tarde, o passado e
o futuro da vigilância em saúde entraram em pauta. Primeiro palestrante da
mesa, o pesquisador da Ensp José Fernando Verani falou sobre o histórico da do
conceito de vigilância em saúde, indo de esforços ainda na antiguidade até o
atual cenário brasileiro. Verani observou que um dos maiores desafios na área no
Brasil hoje é resolver a vigente compartimentação da vigilância em saúde em
sete áreas (vigilância e o controle das doenças transmissíveis; vigilância das
doenças e agravos não transmissíveis; vigilância da situação de saúde;
vigilância ambiental em saúde; vigilância da saúde do trabalhador; e vigilância
sanitária), o que por vezes prejudica a coordenação da vigilância como um todo.
“O primeiro grande problema que temos que resolver é o diálogo entre os vários
sistemas de vigilância”, disse.
Em seguida dois representantes
do Conselho Nacional de Saúde, o presidente Ronald Ferreira dos Santos e a
conselheira Nelcy Ferreira da Silva, falaram sobre a importância da primeira
Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, esperada para acontecer neste ano.
“O Conselho entende que passou da hora dessa conferência ser realizada. Nós
precisamos assumir a vigilância em saúde na complexidade que vimos ao longo
deste seminário. Contamos com vários parceiros para realizá-la, como é o caso
da Ensp e da Fiocruz”, disse Nelcy. Em seguida, Ronald, em recado por mensagem
de vídeo, reafirmou a relevância da Conferência adiantada pela colega, e
conclamou a sociedade a participar da mesma. “O CNS concluiu e deliberou pela
convocação da sociedade brasileira para discutir uma política nacional de
vigilância em saúde. Há muito tempo conhecemos a necessidade de integração de
esforços para orientar o estado brasileiro, a academia, os trabalhadores e os
usuários num sentido de se estabelecer que ações podemos desenvolver”, disse.
Último palestrante do dia, o
assessor de Saúde e Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e
Promoção da Saúde da Fiocruz (VPAAPS/Fiocruz), Guilherme Franco Netto, também
ressaltou a importância da participação social na vigilância em saúde. “Talvez
a vigilância em saúde, exceto em algumas pequenas situações específicas (como a
estruturação dos programas de Aids), tenha sido conduzida e formatada sem
praticamente sem nenhuma participação da sociedade”, disse. ”Tem um elemento de
domínio do conhecimento da vigilância por uma tecnocracia – cuja importância
não ignoro – que é de fundamental importância transformar, para que possamos
fazer com que todas as questões sejam transformadas em um processo de
aglutinação, de redes horizontais, transversais, participativas. No caso de
agrotóxicos, por exemplo, é impossível desenvolver um sistema de vigilância se
quem está sendo contaminado sistematicamente não consegue criar mecanismos de
alerta dentro de sua própria prática”.
André Costa, César Guerra
Chevrand, Mônica Mourão e Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)