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segunda-feira, 25 de julho de 2016

Fiocruz discute zika em simpósio sobre vigilância em saúde

Com o objetivo de preparar-se para a 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, que ocorrerá em abril de 2017 em Brasília, a Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz) promoveu, na última quinta-feira (21/7), o simpósio sobre aspectos diversos da zika, como epidemiologia, estudos clínicos, distribuição espacial e fatores socioambientais, além da vigilância em saúde e o SUS. Realizado no auditório do Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), em Manguinhos, no Rio de Janeiro, o evento Emergência Sanitária: contribuições da Fiocruz para a 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde reuniu representantes da Fundação, do Ministério da Saúde e de diversas instâncias estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS).

Na mesa de abertura, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), Valcler Rangel, destacou a importância do evento no contexto da epidemia de zika, dengue e chikungunya, como também elencou outros temas a serem discutidos futuramente para a conferência, como violência e saúde pública, o impacto das doenças crônicas não transmissíveis e a crise global ambiental. “Esse debate é o início de um processo de preparação para a conferência e também um espaço de reflexão sobre as questões que a tríplice epidemia apresenta. Trata-se de um quadro epidemiológico complexo, que exige um patamar diferenciado na pesquisa, na atenção, na vigilância. Precisamos pensar em um enfrentamento integral”, explicou ele. “No âmbito da conferência, consideramos que a Fiocruz e seus parceiros têm muito para contribuir. Queremos ser referência para os debates com os vários atores e nas várias instâncias, de modo que a conferência seja um elemento organizador para o nosso sistema de saúde”.

A vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz), Nísia Trindade, destacou a importância da relação entre academia, o serviço de saúde e os movimentos sociais da sociedade civil, não só no contexto da epidemia como na construção da conferência, e apontou a importância do SUS no contexto do zika. “A epidemia mostrou a importância do Sistema Único de Saúde para a sua identificação, para integrar conhecimento científico, para as propostas terapêuticas e no campo da inovação e também na questão das vacinas, dos kits diagnósticos e de todas as políticas”, esclareceu.

Epidemiologia de zika
Primeiro a falar na mesa de debate sobre epidemiologia de zika, o subsecretário de Vigilância em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Alexandre Chieppe, destacou os principais desafios das autoridades em saúde do Brasil para monitorar e combater as doenças transmitidas pelo Aedes. Mesmo admitindo as dificuldades para o controle da dengue, Chieppe afirmou que o sistema de vigilância epidemiológica do país está mais fortalecido para as Olimpíadas e permanecerá como legado após os Jogos 2016.

De acordo com Alexandre Chieppe, a epidemia de dengue que assolou o Rio de Janeiro neste ano, com mais de 70 mil casos notificados, pode ter incluído casos não-diagnosticados de zika. “O pico de transmissão de dengue no Rio de Janeiro se dá nos meses de março e abril. O pico de transmissão de zika aconteceu em janeiro e já começou a decair no início de fevereiro. A gente viveu uma curva epidêmica de zika importante no ano anterior. A gente não conseguiu identificar isso porque o sistema de vigilância não estava preparado para tal”, afirmou.

O subsecretário de Vigilância em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro explicou que uma segunda onda epidêmica de zika, prevista para o ano que vem, não deve ter a mesma intensidade da primeira, já que parte significativa da população do estado do Rio de Janeiro está imunizada contra a doença. Alexandre Chieppe disse que a preocupação no estado deve se voltar para a possibilidade de uma epidemia de chikungunya em 2017.

Segundo Chieppe, a circulação do vírus zika no ano que vem deve atingir as regiões metropolitanas de São Paulo e Minas Gerais, trazendo novos desafios para as autoridades em saúde do país. No Rio de Janeiro, os esforços da vigilância epidemiológica também devem estar voltados para a possibilidade da entrada de outras doenças transmitidas pelo Aedes, como a febre amarela, por conta da intensa circulação de pessoas nas Olimpíadas.

Distribuição espacial do vírus e saneamento
A distribuição espacial e os fatores sócio-ambientais do zika no Brasil foram os temas da palestra do pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), Christovam Barcellos. Comparando as diferentes dinâmicas de transmissão de dengue, zika e chikungunya no país, Barcellos utilizou a ferramenta do Google Trends para analisar as tendências de buscas dos internautas sobre as três epidemias e identificar a evolução das doenças no país.

O monitoramento tem sido importante para a construção de uma plataforma de dados e um painel de estudos e alertas sobre dengue, zika e chikungunya no Icict/Fiocruz, com a definição de uma modelagem matemática necessária para entender as epidemias. Segundo Christovam Barcellos, um dos desafios, por exemplo, é compreender por que os casos estão concentrados no Nordeste. “Nosso próximo passo é investigar que grupos sociais são os mais atingidos. Quem são essas pessoas? Idade, sexo, ocupação? São pistas importantes para a gente seguir”, afirmou.

Abordando a emergência sanitária sob a perspectiva do saneamento, o pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou (Fiocruz Minas) Leo Heller lamentou que o tema ainda seja negligenciado nas estratégicas de combate às arboviroses transmitidas pelo Aedes no Brasil. “Apesar de muitas advertências, inclusive internacionais, sobre a importância do assunto, o saneamento tem ficado num plano muito inferior”. De acordo com o especialista, todos os componentes oficias do saneamento, como o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e o manejo de resíduos sólidos, são importantes para o controle das epidemias de dengue, zika e chikungunya no país. “40% da população não tem atendimento adequado de abastecimento de água”, apontou.

Ao citar diferentes estudos sobre o impacto do saneamento na presença e na multiplicação do Aedes nos territórios, Leo Heller também reforçou a necessidade de articular as intervenções físicas, químicas e biológicas para o controle do Aedes. “O método mais efetivo de controle são abordagens integradas. Intervenções isoladas tem menos eficácia”, disse.

Estudos clínicos e a emergência sanitária
A pesquisadora Sheila Pone, do IFF/Fiocruz, abordou a questão dos ‘estudos clínicos e a emergência sanitária’. Em sua participação ela fez um histórico do zika desde sua origem. Descrito em 1953 e com duas linhagens, o vírus teve poucos casos até 2007: apenas sete, em todo o mundo. Até que ocorreu uma epidemia na Micronésia, naquele ano, e 5 mil pessoas foram infectadas, numa população de 6,7 mil pessoas. Depois disso foram registradas outras epidemias em ilhas e arquipélagos do Pacífico, como na Polinésia Francesa. Até então cientificamente chamada de ‘dengue-like’, a zika chegou ao Brasil em 2015, em sua linhagem asiática. O país foi o primeiro das Américas a ter casos registrados de zika, com oito casos no Rio Grande do Norte. Nos meses seguintes a enfermidade atingiu outros 19 países do continente.


“A partir de agosto daquele ano já podemos falar em um surto, com o aumento do número de casos de microcefalia em 20 vezes. Logo depois houve a decretação, pelo governo federal, da emergência sanitária nacional e em seguida, pela OMS, a emergência internacional. Atualmente o correto é usarmos o termo Síndrome da Zika Congênita, já que a microcefalia – a diminuição do perímetro craniano – é somente um dos problemas causados pelo vírus. O invasor também pode provocar outros danos ao desenvolvimento das crianças. A síndrome congênita é esse conjunto de sintomas provocados pelo vírus e que os bebês de mães infectadas manifestam ao nascer”, diz Sheila.
Concluindo a apresentação, a pesquisadora do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), unidade que é referência na assistência a gestações de alta complexidade e na atenção integral a crianças com doenças crônicas e que vem acompanhando as consequências da infecção pelo zika em gestantes, mostrou fotos de crianças que nasceram com o problema. As fotos, segundo definição da própria Sheila, são ‘devastadoras’ por mostrarem as gravíssimas lesões causadas pelo vírus.

A última intervenção da primeira mesa do dia foi do pesquisador André Siqueira, do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). Siqueira abordou as manifestações clínicas do vírus, os sinais e sintomas e comentou os aspectos virológicos do zika. Ele reafirmou que são necessários mais ensaios clínicos para que se conheça melhor o vírus e suas consequências.

Entre as limitações da abordagem atual, Siqueira listou: as dificuldades em confirmar diagnósticos; as estimativas imprecisas de transmissão; a ausência de características distinguíveis; a falta de adequação dos métodos sorológicos usados hoje para caracterizar a infecção; a reação cruzada com outros flavivírus (o mesmo gênero do zika); e a real extensão de casos assintomáticos. O pesquisador também citou estudos recentes, feitos por brasileiros e publicados em renomadas revistas científicas internacionais, que reforçam a associação entre o zika e a microcefalia.

Foco na vigilância em saúde
Na parte da tarde, o passado e o futuro da vigilância em saúde entraram em pauta. Primeiro palestrante da mesa, o pesquisador da Ensp José Fernando Verani falou sobre o histórico da do conceito de vigilância em saúde, indo de esforços ainda na antiguidade até o atual cenário brasileiro. Verani observou que um dos maiores desafios na área no Brasil hoje é resolver a vigente compartimentação da vigilância em saúde em sete áreas (vigilância e o controle das doenças transmissíveis; vigilância das doenças e agravos não transmissíveis; vigilância da situação de saúde; vigilância ambiental em saúde; vigilância da saúde do trabalhador; e vigilância sanitária), o que por vezes prejudica a coordenação da vigilância como um todo. “O primeiro grande problema que temos que resolver é o diálogo entre os vários sistemas de vigilância”, disse.

Em seguida dois representantes do Conselho Nacional de Saúde, o presidente Ronald Ferreira dos Santos e a conselheira Nelcy Ferreira da Silva, falaram sobre a importância da primeira Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, esperada para acontecer neste ano. “O Conselho entende que passou da hora dessa conferência ser realizada. Nós precisamos assumir a vigilância em saúde na complexidade que vimos ao longo deste seminário. Contamos com vários parceiros para realizá-la, como é o caso da Ensp e da Fiocruz”, disse Nelcy. Em seguida, Ronald, em recado por mensagem de vídeo, reafirmou a relevância da Conferência adiantada pela colega, e conclamou a sociedade a participar da mesma. “O CNS concluiu e deliberou pela convocação da sociedade brasileira para discutir uma política nacional de vigilância em saúde. Há muito tempo conhecemos a necessidade de integração de esforços para orientar o estado brasileiro, a academia, os trabalhadores e os usuários num sentido de se estabelecer que ações podemos desenvolver”, disse.

Último palestrante do dia, o assessor de Saúde e Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz (VPAAPS/Fiocruz), Guilherme Franco Netto, também ressaltou a importância da participação social na vigilância em saúde. “Talvez a vigilância em saúde, exceto em algumas pequenas situações específicas (como a estruturação dos programas de Aids), tenha sido conduzida e formatada sem praticamente sem nenhuma participação da sociedade”, disse. ”Tem um elemento de domínio do conhecimento da vigilância por uma tecnocracia – cuja importância não ignoro – que é de fundamental importância transformar, para que possamos fazer com que todas as questões sejam transformadas em um processo de aglutinação, de redes horizontais, transversais, participativas. No caso de agrotóxicos, por exemplo, é impossível desenvolver um sistema de vigilância se quem está sendo contaminado sistematicamente não consegue criar mecanismos de alerta dentro de sua própria prática”.

André Costa, César Guerra Chevrand, Mônica Mourão e Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)


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