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segunda-feira, 25 de julho de 2016

Ministério da Saúde deve gastar R$ 1,6 bilhão até o fim do ano com tratamentos por ordem judicial

De janeiro a maio deste ano, o Ministério da Saúde já gastou R$ 693,7 milhões, forçado por decisões judiciais. E a estimativa é que termine 2016 com um recorde: R$ 1,6 bilhão. Em 2015, havia sido R$ 1,2 bilhão. Em 2010, foram R$ 122,6 milhões. Números que são apenas uma parte de uma equação bem mais complexa. Porque há vidas em jogo.

— O medicamento que meu neto toma é a vida dele. Ainda bem que tivemos essa bênção de Deus, que nos deu a chance de ele ter esse tratamento. Sei que o remédio é caro, mas uma criança não pode simplesmente ser jogada fora porque tem uma doença — diz o militar aposentado Washington Luiz de Castro Pinto, que divide os cuidados de Christian Roberto, de 8 anos, com a mulher, Adriana Coelho, e a filha Raquel Siqueira.

Moradores de Mesquita, na Baixada Fluminense, o casal teve a vida marcada por uma patologia rara: a mucopolissacaridose (MPS), deficiência de causa hereditária na produção de enzimas, que provoca reflexos em vários órgãos. Em 2003 e 2004, dois filhos morreram em consequência da doença. O remédio importado que auxilia no tratamento ainda não havia chegado ao Brasil. O neto Christian teve mais sorte: usa o medicamento há quatro anos e tem evoluído bem. Apesar de aprovado no país há pelo menos oito anos, o remédio não está disponível pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Custaria cerca de R$ 22 mil por mês para a família que, por conta disso, entrou na Justiça.

— Ainda bem que o nosso caso foi analisado por um juiz que entendeu a situação. Sei que há muitos que não conseguem — conclui Washington.
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Adriana Coelho segura um frasco do remédio que precisa dar para o neto Christian, de 8 anos, portador de uma doença que ataca a produção de enzimas: tratamento, conseguido na Justiça, custa R$ 22 mil por mês 
EMERGÊNCIA, COMPRAS CARAS

A história do casal exemplifica uma realidade que parece não agradar a ninguém. De um lado, o Poder Executivo se queixa dos gastos excessivos, que afetam o planejamento orçamentário. Do outro, estão magistrados que, muitas vezes sem apoio técnico adequado, precisam decidir do dia para a noite casos que podem ser de vida ou morte. No meio de tudo isso, ficam os pacientes.

— O lado bom da judicialização da saúde é que as pessoas estão indo atrás dos seus direitos. Mas, ao mesmo tempo, temos muitas vezes nas decisões judiciais um caminho aberto para a atuação de gestores mal-intencionados. Comprar um remédio de emergência pode sair até cem vezes mais caro do que numa compra planejada — comenta o professor de Direito Sanitário da Uerj Felipe Asensi, que coordenou uma pesquisa sobre o tema, encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano passado.

Com anos de experiência estudando a judicialização, Asensi afirma que o número de ações envolvendo questões ligadas à saúde pode passar de um milhão por ano, levando-se em conta casos das redes pública e privada. Como o universo é vasto, não há dados precisos sobre o tema. Segundo ele, em levantamentos por amostragem, o perfil dos processos mostra um predomínio de iniciativas individuais, com foco na cura, no fornecimento de um tratamento ou de um medicamento com resultado imediato, o que infla a carga nos tribunais. As ações coletivas, principalmente as ligadas à prevenção, são raríssimas. Para o pesquisador, que também estudou casos emblemáticos de sucesso, o caminho para minimizar o problema está principalmente no diálogo entre os envolvidos:

— Quando há uma abertura de conversa entre o gestor e o Judiciário, a tendência é de chegar a resultados melhores. Cito um caso recente, de Lages (SC), onde havia uma demanda muito grande por fraldas geriátricas. O que foi feito: uma parceria entre a Justiça e a Secretaria de Saúde para a construção de uma fábrica comunitária do produto. O número de ações despencou.

O GLOBO pediu ao Ministério da Saúde o detalhamento dos gastos por decisão judicial, mas foi informado apenas que “dos 20 medicamentos mais demandados, 12 já foram incorporados ao SUS”. Os nomes não foram divulgados. Há ainda gastos com exames, equipamentos e cirurgias, entre outros. Um levantamento realizado pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), relativo a 2014, mostrava que naquele ano 29,7% de todo o gasto com remédios decorrente de ordens judiciais foram voltados para a compra de eculizumabe (Soliris), um anticorpo importado, utilizado para tratamento de uma doença genética, cuja dose passa dos R$ 25 mil. O medicamento ainda não tem a autorização da Anvisa.

Para quem lida diariamente com o drama dos pacientes, a judicialização é um mal decorrente de falhas no sistema de saúde. Médica geneticista do Instituto Fernandes Figueira, da Fiocruz, Dafne Horovitz conta que ficou esperançosa em 2014, quando foi publicada uma portaria criando uma política integral de atenção às doenças raras. Dois anos depois, porém, tudo continua só no papel:

— Seria fundamental que essa política fosse implementada para que tivéssemos protocolos organizados racionalmente, de diagnóstico e tratamento das doenças, com serviços de referência. Pode parecer uma iniciativa de alto custo, mas, na prática, vai gerar uma economia muito grande. O que acontece hoje em dia é que as pessoas são obrigadas a entrar na Justiça como única forma de conseguir o medicamento, e não existe uma racionalização, uma organização de estoque. A impressão que dá é que estamos rasgando dinheiro.

A judicialização da saúde é um tema que também preocupa o CNJ, que criou um fórum nacional voltado para o assunto. A principal aposta do conselho é um projeto em parceria com a União para a capacitação de núcleos técnicos nos estados, que deem suporte aos magistrados em suas decisões. A intenção é lançar até o fim de agosto.

— A partir daí, o principal desafio será a missão do convencimento, para que o magistrado utilize a ferramenta que vamos disponibilizar, mas exercendo sua jurisdição de forma livre, sem pressão ou interferência — comenta o conselheiro do CNJ, supervisor do fórum, Arnaldo Hossepian. — Não vai ser simples; virar a chave e funcionar. Mas vivemos um quadro complexo e que, em muitas ocasiões, tem constrangido orçamentos, com quadrilhas usando o Poder Judiciário para ganhar dinheiro.

INCORPORAÇÃO AO SUS

Para Maria Cecília de Oliveira, presidente da Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (Afag), o caminho para a solução passa prioritariamente pela incorporação ao SUS de medicamentos que só são conseguidos atualmente por demanda judicial. Com isso, segundo ela, o governo poderia se planejar e negociar preços, o que geraria economia:

— Não dá para concordar com esse argumento de que, ao comprar um medicamento caro, o governo está tirando um dinheiro que poderia atender muitos outros que precisam. Ninguém pede para ter uma doença dessas. O que tira dinheiro da saúde mesmo é a má gestão.

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, diz que toda a solicitação de incorporação ao SUS é precedida de um estudo. Sobre a implementação da política de doenças raras, Barros afirma que a pasta vive um dilema orçamentário e que está avaliando a melhor forma de implementação.

— A judicialização é um problema grave, que desestrutura o planejamento. Uma das nossas apostas para diminuir o problema é a criação de varas únicas de saúde nos estados, com juízes com embasamento técnico e visão ampla do sistema.

UM REMÉDIO IMPAGÁVEL

Há pouco mais de dois anos, o policial federal Marcus Vinícius da Silva Dantas não pensou duas vezes ao ter um pedido de fornecimento de um remédio negado por uma juíza de Brasília: foi ao fórum e só saiu de lá após conseguir falar diretamente com a magistrada. A insistência deu resultado: ela reviu a decisão, e ele conseguiu retomar o tratamento:

— É o que eu sempre digo: existe, sim, pena de morte no Brasil. E ela acontece quando um juiz nega um medicamento a uma pessoa que precisa dele para viver. Criei um grupo com pessoas que têm a mesma doença que eu, atualmente com 200 membros. Cinco já morreram porque o remédio não chegou em tempo hábil.

Marcus Vinícius tem uma doença chamada Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), síndrome rara que provoca a destruição de células sanguíneas. Começou a sentir os primeiros sintomas em 2010.

Até ter o diagnóstico correto, passou por diversas internações, num sofrimento que parecia não ter fim. Em 2011, com a certeza da doença, entrou na Justiça para conseguir o medicamento. Graças a uma liminar, conseguiu o remédio que fez sua vida voltar ao normal: o eculizumabe (Soliris). Em 2014, porém, seu processo foi extinto, sem ganho de causa, e tudo começou da estaca zero. Foi quando o policial teve que entrar com a nova ação.

— Foram mais de mil páginas que levei de documentos. O medo de interromper o tratamento é muito grande. A minha vida depende desse remédio — acrescenta Marcus, de 41 anos, que conseguiu voltar ao trabalho após consolidar o tratamento.

Importado, o Soliris custa cerca de R$ 25 mil por dose. Como precisa de seis frascos por mês, o tratamento de Marcus custa R$ 150 mil mensais.

Em fevereiro deste ano, o Ministério da Saúde fez um empenho de R$ 366 milhões para a empresa Multicare para a aquisição do medicamento, que, apesar de aprovado nos EUA e na Europa, ainda não tem o aval da Anvisa

- Agência O Globo / Daniel Marenco / Rubem Berta


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