Pesquisadores buscam novas
proteções contra febre amarela e gripe, e a inédita imunização à zika
O surgimento de novas doenças,
como a zika, e a volta de surtos e epidemias de enfermidades que estavam um
tanto esquecidas, como a febre amarela, põem em destaque uma necessidade
considerada urgente pelos pesquisadores: a criação de novas vacinas. Essa corrida,
que envolve vários países, inclui a possibilidade de uma nova imunização contra
a gripe, na forma de “vacina universal”, com a promessa de proteger contra as
diversas cepas do vírus.
Este mês, dois grandes
congressos foram realizados no Brasil sobre o tema. Um foi organizado pela
Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), em São Paulo, e o outro pela
Coppe/UFRJ, no Rio, que reuniu mais de 200 especialistas. Enquanto aqui a
grande queixa é o drástico corte de verbas, em muitos outros países o movimento
antivacina está na lista das principais preocupações.
"Em muitas das vacinas, é
necessário conseguir aquilo a que se chama “efeito de rebanho”, o que implica
que a maioria da população seja vacinada, em alguns casos mais de 85%. Valores
baixos de cobertura significam enormes riscos", ressalta o pesquisador
Manuel Carrondo, de Portugal, país que enfrentou recentemente um surto de
sarampo, doença evitável com vacina.
Carrondo é um dos cientistas
que lideram projetos de novas vacinas em diferentes fases de testes contra
essas doenças. Veja abaixo como estão as iniciativas de Brasil, Portugal e
Estados Unidos nesse campo da medicina.
Leda Castilho
Coordenadora do Laboratório de
Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe/UFRJ
São esperados para o início de
2018 os primeiros resultados de testes com a vacina da zika desenvolvida na
Coppe/UFRJ. O projeto, iniciado em agosto de 2016, consiste em modificar
geneticamente células para que imitem a estrutura externa do vírus. A tese é de
que essas partículas, chamadas de pseudovirais, induzirão o organismo a gerar
anticorpos, e, assim, imunizarão contra a doença.
"Ao longo do segundo
semestre deste ano, faremos os primeiros ensaios em camundongos", diz a
coordenadora do laboratório, Leda Castilho. "Mas é difícil estimar quanto
tempo pode demorar para a vacina ficar pronta, porque precisa passar por muitos
testes. Acho que de cinco a dez anos. A vacina da dengue que temos hoje no
Paraná, por exemplo, levou 20 anos para ser concluída".
Já existem no mercado outras
vacinas que também usam partículas “camufladas” e são eficientes. A do HPV é
uma delas.
No entanto, o que mais
preocupa Leda é a queda no orçamento de ciência e tecnologia. "No caso dos
projetos sobre zika, a situação ainda é um pouco melhor, mas só 0,05% do PIB é
destinado a ciência e tecnologia, cem vezes menos do que na Coreia do Sul. Isso
significa deixar de investir no futuro".
Barney Graham
Vice-diretor do Centro de
Vacinas dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA
Em fase de testes em humanos,
uma vacina de DNA contra o vírus da zika, desenvolvida nos Estados Unidos,
envolveu 90 voluntários numa primeira fase, e a segunda etapa, que começou em
19 de julho, reunirá 2.400 participantes.
Entre as vacinas contra zika
que estão sendo desenvolvidas em todo o mundo, esta está em estágio mais
avançado: é a primeira a chegar aos testes de eficácia em humanos.
"Os requisitos de
fabricação de DNA são um pouco mais simples do que algumas das outras
abordagens, o que nos permite avançar mais rapidamente. Esperamos saber se a
vacina funcionará no final de 2019 ou no início de 2020", destaca Barney
Graham, que está à frente do projeto. "Acreditamos que, ao entender como a
vacina de DNA protege, essa informação possa ser aplicada a outras abordagens
de vacina que ainda estão em desenvolvimento."
O americano se preocupa com o
atual movimento antivacina. "Isso levou ao ressurgimento de algumas
doenças, como o sarampo, que são evitáveis pela vacina. O grande sucesso das
vacinas resultou em algumas pessoas esquecendo o quão ruim essas doenças
costumavam ser."
Elena Caride
Gerente do Programa de Vacinas
Virais de Bio-Manguinhos/Fiocruz
Dois projetos de novas vacinas
contra a febre amarela gerenciados pela pesquisadora Elena Caride correm em
paralelo na Fiocruz, no Rio. Um deles trata de uma vacina inativada, bem
diferente da que é disponibilizada hoje à população, feita com o vírus vivo
atenuado. Essa alternativa eliminaria os efeitos adversos por usar o vírus
morto em sua composição.
Já o segundo projeto trata de
uma vacina produzida em plantas de tabaco. A espécie Nicotiana benthamiana é
“contaminada” pelo vírus e, nela, passa a ser cultivada uma proteína específica
da febre amarela. E é dessa proteína que é retirado o princípio ativo para a
fabricação da vacina. O que a diferencia das outras formas de imunização é a
facilidade de aumentar a produção em casos de surto, já que essa espécie de
planta pode ser encontrada aos montes.
"Nosso objetivo não é
substituir a vacina atual, mas desenvolver alternativas para atender quem não
pode tomar a que existe hoje: imunodeprimidos, pessoas idosas e bebês de até 9
meses", diz Elena.
O financiamento público para
esses estudos é que não está nada bom. "Não houve aumento de verba por
causa da epidemia", lamenta a pesquisadora.
Manuel Carrondo
Professor do Instituto de
Biologia Experimental e Tecnológica de Portugal
Uma das principais mentes por
trás do desenvolvimento de uma vacina universal contra o vírus influenza, que
causa a gripe, o português Manuel Carrondo explica que o objetivo é “educar o
sistema imunológico” para memorizar por mais tempo a resposta às mais diversas
cepas do vírus.
"Uma “vacina universal”
permitirá vacinar as populações apenas uma vez a cada cinco ou mais anos, em
vez de termos que nos vacinar anualmente, como acontece hoje", diz ele,
que não esconde os obstáculos da empreitada. "O vírus é altamente mutável,
com diversas famílias de subtipos conhecidos desde a epidemia espanhola de
1918. Então, conseguir colocar uma “paleta” de imunológicos numa única vacina é
enormemente difícil".
A vacina já foi testada em
camundongos, em um tipo de furão e em macacos. Os últimos resultados, nos
primatas, chegarão até o fim de setembro. E são eles que determinarão se valerá
a pena fazer testes em humanos. A partir de possíveis resultados positivos em
humanos, Carrondo estima que a vacina possa entrar no mercado quatro anos
depois.
O projeto é financiado pela
União Europeia e realizado em centros da Alemanha, Itália, Suíça e Holanda,
além de Portugal.