Propostas de cultivo da planta
de Cannabis sativa para fins medicinais e científicos e de produção de
medicamentos com base na substância ainda precisam passar por consulta pública
antes de poderem entrar em vigor; plantio doméstico segue proibido.
Diretoria Colegiada da Anvisa
avalia propostas de consulta pública para aprovação do plantio de maconha no
Brasil — Foto: Rafaella Vianna/TV Globo
A Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa)
aprovou, na tarde desta terça-feira (11), duas propostas preliminares que podem
liberar o cultivo da planta de Cannabis sativa no
Brasil para fins medicinais e científicos, além da produção de medicamentos
nacionais com base em derivados da substância. Agora, as propostas devem ser
publicadas no Diário Oficial da União e submetidas a uma consulta pública.
O plantio doméstico de maconha
por pessoas físicas e para o consumo recreativo continuará proibido no país. Os
documentos preveem que apenas empresas possam cultivar a planta em ambientes
controlados sob supervisão da Anvisa e de autoridades policiais, e que a venda
seja feita diretamente para a indústria farmacêutica ou entidades de
pesquisa. (veja abaixo os detalhes das duas propostas).
Votação foi unânime
Todos os quatro diretores
aprovaram os textos que foram elaborados pela área técnica da agência,
enfatizando a necessidade de que a consulta pública garanta à população
transparência e divulgação dos dados e evidências a respeito do tema.
Os quatro diretores da
Diretoria Colegiada iniciaram a 14ª reunião pública de 2019 por volta das 10h
desta terça. Às 13h15, três dos quatro diretores já haviam aprovado a proposta.
O último voto a favor das propostas foi proferido às 13h30.
Veja qual foi a ordem de
votação:
- Willian Dib (diretor-presidente da
Anvisa): votou a favor das propostas sem
alteração nos textos
- Alessandra Soares (diretora): acompanhou
o relator
- Fernando Mendes (diretor): acompanhou
o relator
- Renato Porto (diretor): acompanhou
o relator
A primeira proposta é para uma
resolução que regulamente os requisitos técnicos e administrativos para o
cultivo de Cannabis sativa para fins medicinais e científicos.
Já a segunda é uma proposta de resolução para definir procedimentos específicos
para registro e monitoramento de medicamentos feitos com base em Cannabis
sativa ou seus derivados e análogos sintéticos.
Ambos os documentos ainda
deverão passar por uma consulta pública, incluindo uma audiência pública para
debater o tema, ainda sem data marcada.
Atualmente, plantio de maconha
no Brasil é probido, mas algumas ações judiciais garantiram o direito limitado
de algumas pessoas à prática — Foto: Reuters/Ivan Alvarado
O que propõem as duas
resoluções
- Cultivo
Uma das resoluções a serem
avaliadas tem como objetivo a regulamentação dos requisitos técnicos e
administrativos para o cultivo da planta com fins medicinais e científicos –
desde o plantio até a fase de secagem e distribuição.
A resolução prevê o cultivo
somente em sistemas de ambiente fechado e por pessoas jurídicas. O cidadão
comum (pessoa física) não poderia ter pés de maconha em casa. Para cultivar,
seria preciso ter uma autorização especial da Anvisa e supervisão da Polícia
Federal.
Essa inspeção da agência
reguladora exigiria, entre outras coisas, um rígido sistema de segurança com
controle de acesso por biometria, alarmes e proteção de janelas duplas. Além
disso, o local não pode ter identificação externa.
A venda e a entrega da planta
produzida seriam somente para instituições de pesquisa, fabricantes de insumos
farmacêuticos e fabricantes de medicamentos. O transporte teria de ser feito em
veículos especiais.
A autorização para cultivo
valeria por 2 anos, podendo ser renovada, e haveria uma cota de cultivo e
controle de estoques e de liberação do produto.
- Medicamentos
A segunda resolução tem como
objetivo definir procedimentos específicos para registro e monitoramento de
medicamentos à base de cannabis, seus derivados e análogos sintéticos. Isso inclui
os fitoterápicos.
A regulamentação se aplica aos
medicamentos nas formas de cápsula, comprimido, pó, líquido, solução ou
suspensão (misturas) com administração por via oral.
As próprias empresas deveriam
pedir à Anvisa o registro para produção desses medicamentos. Atualmente, há
somente um medicamento com cannabis registrado no Brasil, o Mevatyl.
Não haveria uma lista prévia
de doenças: a agência analisará registro por registro,
conforme os pedidos. Medicamentos já registrados em outros países deverão apresentar
relatório técnico de avaliação do remédio emitido pelas respectivas autoridades
reguladoras.
O registro inicial teria
validade de 3 anos e as renovações seguintes, de 5 anos. Geralmente, para os
outros medicamentos, o primeiro registro já vale por 5 anos.
Depois de aprovado o registro,
a empresa teria 30 dias para definição do preço máximo e 365 dias para colocar
o remédio no mercado. A resolução já prevê a venda em farmácias. A maioria deve
ser com retenção de receita médica, mas cada caso seria analisado
individualmente.
Neste momento, a Anvisa não
tem nenhum pedido de registro pendente.
Haveria, pela proposta, um
monitoramento do mercado com fiscalização constante e canais de atendimento
para dúvidas de consumidores.
Cannabis faz a diferença no
tratamento de câncer
Regras atuais
Atualmente, é proibido
cultivar a planta de cannabis em território brasileiro. A lei determina que quem
produz a cannabis para consumo pessoal está sujeito à prestação de serviços à
comunidade e ao comparecimento a programa educativo, sem fazer ressalva ao uso
médico.
Mas, nos últimos anos, a
Anvisa e o Poder Judiciário já deram alguns passos no sentido de liberar o
cultivo da planta para fins medicinais e científicos. Veja alguns deles abaixo:
- Janeiro de 2015: Retirada
do canabidiol da lista de substâncias de uso proscrito, abrindo
caminho para facilitar a comercialização de medicamentos com a substância
no país;
- Março de 2016: Autorização
da prescrição
de remédios à base de canabidiol e THC no Brasil;
- Janeiro de 2017: Registro
do primeiro
remédio à base de maconha no Brasil, o Mevatyl, droga já
aprovada em outros 28 países;
- Abril de 2017: A
Justiça Federal na Paraíba autorizou
uma associação de João Pessoa a cultivar maconha para fins
exclusivamente medicinais;
- Maio de 2017: Inclusão
da Cannabis sativa na Lista Completa das Denominações Comuns Brasileiras
(DCB) sob
a categoria de "planta medicinal".
A ideia é que, ao regulamentar
o cultivo da planta, caia o custo da produção de medicamentos com base na Cannabis
sativa, e que se reduza também o número de ações judiciais para compra de
remédios não registrados no Brasil.
Pacientes que sofrem de
diversas doenças podem ser beneficiados com a mudança na regras, entre eles os
que têm esclerose múltipla, autismo e dores crônicas oncológicas.
As propostas avaliadas nesta
terça não preveem a liberação do cultivo nem do consumo de maconha para fins
recreativos.