“Saúde é política e
socialmente construída”
José Gomes Temporão –
Ex-ministro da Saúde e diretor executivo do ISAGS
José Gomes Temporão nasceu na
freguesia de Merufe, na vila de Monção, no norte de Portugal, em 20 de outubro
de 1951. Seus pais, Sara Gomes e José Temporão, emigraram para o Brasil quando
ele tinha apenas um ano de idade, e fixaram-se no Rio de Janeiro. Temporão se
formou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) em 1977. Especializou-se em Doenças Tropicais na mesma Universidade. Fez
mestrado em Saúde Pública na Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação
Oswaldo Cruz e doutorado em Medicina Social no Instituto de Medicina Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi ministro da Saúde durante
boa parte do segundo mandato do Governo Lula, empossado em março de 2007 e
sucedido em 1 de janeiro de 2011. O EFAVIRENZ, utilizado no coquetel anti-HIV
distribuído pelo Governo federal, fabricado pelo laboratório MERCK SHARP &
DOHME, foi licenciado compulsoriamente por Temporão ainda em 2007, quando o
fabricante se recusou a vendê-lo ao Governo do Brasil por um valor semelhante
ao negociado com países asiáticos. Atualmente é diretor executivo do Instituto
Sul-americano de Governo em Saúde.
A população brasileira está
envelhecendo. Qual ponto o senhor enxerga ser mais preocupante, e que será um
desafio para os programas de saúde nos próximos anos com esse dado crescente?
Um conjunto de modernas
transições impacta os sistemas de saúdes principalmente dos países em
desenvolvimento. As principais são a epidemiológica com o predomínio crescente
das doenças crônicas, a nutricional vetor da moderna epidemia de diabetes tipo
2 e hipertensão arterial e a demográfica com o rápido envelhecimento
populacional. Este complexo processo afeta sobremodo o Brasil que não está
preparado adequadamente para fazer face a esses desafios nas próximas décadas.
Em uma entrevista, o senhor
afirmou que o padrão alimentar também interfere muito na saúde da população,
sobretudo pelo número cada vez maior de brasileiros que se alimentam fora de
casa e que consequentemente consumem produtos industrializados. Como reeducar a
população nesse sentido?
Não se trata apenas de
educação e de informação. É preciso por exemplo regular a publicidade de
alimentos industrializados, refrigerantes, fast-food que são indutores
importantes do consumo de produtos de baixa qualidade nutritiva. Veja o exemplo
do tabaco. Depois de décadas de implementação de uma política pública
consistente, o Brasil ostenta um dos mais baixos índices de fumantes na
população adulta do mundo. Para isso uma das medidas de maior impacto foi a da
proibição da publicidade de cigarros.
Um assunto que ainda é pouco
debatido na mídia de massa, é o veloz avanço das tecnologias de saúde, que o
senhor não vê com bons olhos. Fale um pouco sobre esse sistema que o senhor
considera preocupante.
Há que ter critérios para a
incorporação das novas tecnologias. O Brasil dispõe hoje de um instrumento
importante que é a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde
(CONITEC) responsável pela definição das tecnologias que podem ser incorporadas
ao SUS (Sistema Único de Saúde). É um caminho a ser fortalecido e aperfeiçoado.
O Ministério da Saúde teve um
orçamento em 2015 na ordem de R$ 109,2 bilhões. Pelo seu conhecimento como
ex-ministro, esse orçamento é suficiente, insuficiente ou mal remanejado para o
que precisa ser feito, pois afinal é uma das principais causas de reclamação do
povo brasileiro?
Há um evidente
subfinanciamento da saúde pública brasileira. Ele é histórico e nos acompanha
desde o início do SUS. Quando comparamos o Brasil com outros países em
desenvolvimento isso fica evidente. O gasto público é apenas 48% do gasto
total, ou seja, a maior parte dos encargos recai sobre as famílias e as
empresas.
Frase do senhor: “Para muitos,
o processo de ascensão social está completo quando o cidadão tem um carro, uma
casa própria e um plano de saúde”. Neste contexto, como fica a percepção social
do acesso à saúde pública?
A frase é exatamente um
contraponto à mitologia de que possuir um plano privado seria garantia de
atendimento de qualidade e seguro. Nem sempre isso é verdade. A questão central
aqui é: como construir uma consciência coletiva de que um sistema universal
financiado com recursos fiscais é a melhor estratégia para construir um país
menos desigual e mais solidário!
Alguns políticos e analistas
do setor são favoráveis no que se refere a privatização do SUS. Em um
argumento, gostaria que nos falasse por que o senhor é contrário a isso.
Porque acredito profundamente
que a saúde é política e socialmente construída e que a saúde como um direito
de cidadania é uma conquista enorme em direção ao que Sérgio Arouca chamava de
Processo Civilizatório. Hoje, se não tivéssemos o SUS no Brasil estaríamos
vivendo em um estado de barbárie social.
Saúde: José Gomes Temporão,
fala sobre os problemas na saúde brasileira no Conselho Regional de Medicina do
Rio Grande do Sul. Atualmente o ex-ministro é diretor executivo do ISAGS (Foto:
Lucas Uebel)
A perda da CPMF, em sua visão,
foi um duro golpe para a Saúde. Em que estágio o senhor acredita que poderíamos
estar, se esse imposto não tivesse sido extinto em 2007?
De fato a perda CPMF
inviabilizou a plena implementação do Mais Saúde plano que levei para o
Ministério da Saúde. Por conta disso inúmeros projetos de expansão de
cobertura, incorporação de tecnologias, implementação de programas de promoção
da saúde e de prevenção foram ou inviabilizados ou tiveram suas metas
reduzidas.
Qual a sua visão sobre as
clínicas particulares voltadas para pessoas da classe C e D sem plano de saúde?
Não vejo nenhum sentido nessa
opção. Na verdade trata-se de uma ilusão de que com esta opção se está de
alguma forma protegido em relação às necessidades de saúde.
A vaidade pessoal dos
mandatários, atrapalha as articulações de esforços entre a União, estados e
municípios no que se refere há um melhor tratamento para a população, ou
enxerga essa questão por outra ótica que não essa?
Não creio que as dificuldades
que o federalismo brasileiro coloca para a implementação das políticas de saúde
tenham seu principal fator em idiossincrasias de caráter pessoal.
Gostaria que o senhor falasse
quais são as principais diretrizes do ISAGS (Instituto Sul-Americano de Governo
em Saúde), organização da qual o senhor é o atual diretor executivo.
O ISAGS é um órgão público,
intergovernamental diretamente vinculado ao Conselho de Ministros da Saúde da
UNASUL. Pretende ser um centro de pensamento crítico em saúde para o continente
sul-americano, sistematizador e divulgador de boas práticas de gestão,
capacitação de quadros estratégicos, publicação de livros, organização de
seminários; no sentido de colocar a saúde como fator de integração continental.