Prezados,
FELIZ PÁSCOA!!!
RESSURGIR!
TODA A DOÇURA E TODO O VIGOR
DA FÉ SE RESUMEM nesta palavra. É a flor do Calvário, a flor da cruz. O
tremendo horror daquele martírio tenebroso desabotoa neste sorriso, e a
humanidade renasce todos os anos a esse raio de bondade, como a formosura da
terra à alegria indizível da manhã, o prelúdio do sol, o grande benfeitor das
coisas. O homem, cercado pela morte de todos os lados, não podia conceber este
ideal de eternidade, se não fosse por uma réstia do seu mistério radiante,
divinamente revelado às criaturas. Nossos sonhos não inventam: variam apenas os
elementos da experiência, as formas da natureza. Tem a fantasia dos viventes
apenas uma palheta: a das tintas, que o espetáculo do universo lhes imprime na
retina. E no universo, tudo cai, tudo passa, tudo se esvai, tudo finda. Nesse
desbotar, nesse perecer de tudo, não havia o matiz, de que se debuxou um dia,
na consciência humana, o horizonte da ressurreição.
Ressurgir!
Toda a doçura e todo o vigor
da fé se resumem nesta palavra. É a flor do Calvário, a flor da cruz. O
tremendo horror daquele martírio tenebroso desabotoa neste sorriso, e a
humanidade renasce todos os anos a esse raio de bondade, como a formosura da
terra à alegria indizível da manhã, o prelúdio do sol, o grande benfeitor das
coisas. O homem, cercado pela morte de todos os lados, não podia conceber este ideal de eternidade, se não
fosse por uma réstia do seu mistério radiante, divinamente revelado às
criaturas. Nossos sonhos não inventam: variam apenas os elementos da
experiência, as formas da natureza. Tem a fantasia dos viventes apenas uma
palheta: a das tintas, que o espetáculo do universo lhes imprime na retina. E
no universo, tudo cai, tudo passa, tudo se esvai, tudo finda. Nesse desbotar,
nesse perecer de tudo, não havia o matiz, de que se debuxou um dia, na
consciência humana, o horizonte da ressurreição.
Ressurgir!
Deus nosso, tu só poderias
ser o poeta desse cântico, mais maravilhoso que a criação inteira: só tu
poderias extrair da angústia de Getsêmani e das torturas do Gólgota a placidez,
a transparência, a segurança deste consolo, dos teus espinhos esta suavidade,
dos teus cravos esta carícia, da mirra amarga este favo, do teu abandono este
amparo supremo, do teu sangue vertido a reconciliação com o sofrimento, a
intuição das virtudes benfazejas da dor, o prazer inefável da clemência, divino
sabor da caridade, a prelibação da tua presença nesta alvorada, o paraíso da
ressurreição.
Ressurgir!
Tu ressurges todos os dias,
com a mesma periodicidade, com que se renovam os teus benefícios e as
magnificências da tua obra. Nega-te a nossa maldade. Nega-te a nossa presunção.
Nega-te a nossa ignorância. Nega-te o nosso saber. Mas de cada negação te
reergues, deixando vazios os argumentos, que te negavam, como o túmulo, onde
dormiste outrora um momento, para reviver dentre os finados. Entre o termo de
um século assombroso e o começo de um século impenetrável, essa ciência, que te
pretende remover para o domínio das lendas, surpreende-se agora deslumbrada na
região do maravilhoso, onde se parecem tocar as coisas da terra com as do céu,
em pleno amanhecer de uma criação nova, sobre a qual pairas, como pairavas no
princípio dos tempos, e de cujo caos, decifrando os problemas humanos, emergirá
outra vez a tua palavra, dardejando em plena ressurreição.
Ressurgir!
Senhor, por que nos deste
uma língua tão pobre na gratidão? Todos os que já descemos a segunda vertente
da vida, e deixamos de nós ao gênero humano os frutos vivos, que nos deste,
somos levados hoje a pensar no que seria a passagem da terra para aqueles, a
quem ainda não tinhas dado na tua a imagem da nossa ressurreição. Iam-se os
homens então como as folhas secas das árvores, precedendo-se, seguindo-se uns
aos outros na continuidade estéril da queda, no irremediável do seu termo
silencioso. Os pais geravam para a morte. As mães amamentavam para o túmulo.
Bem haja o sacrifício e a crença daquele, que nos resgatou deste sombrio
destino a paternidade, e nos permite hoje a bem-aventurança de beijarmos nossos
filhos, na certeza de os havermos criado para a vida nova, a tua ressurreição.
Assim, Senhor, quisessem ressurgir
em ti os povos, que te não crêem. A esses em vão procuramos dar com o aparato
dos códigos humanos a lei, a ordem, a liberdade. Sua sorte é extinguirem-se,
porque não tiveram fé, e não sentem a religião do Ressurgido, que não é só o
evangelho das almas regeneradas, mas a boa nova das nações fortes. Essas
absorverão a terra a bem do gênero humano, enquanto as outras acabarão com
raças de passagem. E por sobre o futuro, que há de ser a tua glorificação, na
voz das criaturas e dos céus se ouvirão para sempre os hosanas do teu triunfo:
Ressurgiu!
Domingo, 2 de abril de 1899.
RUI BARBOSA
∗
Obras Completas de Rui Barbosa, "A Imprensa", vol. 26, tomo 4, 1899,
p. 193.
Feliz Páscoa!!!