O Congresso Nacional foi
palco, nesta terça-feira (5), de um intenso debate entre o governo federal e os
pesquisadores detentores da patente da molécula sintética da fosfoetanolamina,
popularmente conhecida como “pílula do câncer”. Os cientistas questionaram a
metodologia e os resultados dos testes pré-clínicos coordenados por um grupo de
trabalho (GT) nomeado pelos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação
(MCTI) e da Saúde (MS).
De acordo com Marcos Vinícius
de Almeida, um dos pesquisadores e detentores da patente da substância, os
resultados divulgados nos estudos do MCTI são “tendenciosos e fracos”. “O grupo
selecionado pela pasta usou concentrações 100 vezes menores que as utilizadas
em outros estudos”, explicou Almeida durante audiência pública no Senado. “Com
uma metodologia diferente da usada em trabalhos” se referiu aos trabalhos
publicados pela equipe do biomédico Durvanei Augusto Maria, pesquisador do
Instituto Butantan, que participou de duas reuniões do grupo de trabalho para
apresentar os resultados dos “papers” para a equipe nomeada pelo governo. “O
estudo encomendado pelo governo não usou as concentrações usadas pela minha
equipe, não dá para avaliar se um produto é efetivo ou seguro se a concentração
molar não é a mesma que eu usei nos onze testes que publiquei, posso afirmar
que nos estudos da minha equipe, a fosfoetanolamina se mostrou eficiente no
combate a células tumorais de alguns tipos de cânceres, como leucemia e
melanoma.”
As cápsulas usadas nos estudos
da fase pré-clinica foram enviadas pela Universidade de São Paulo (USP).
Segundo o Secretário de Políticas e Programas de Desenvolvimento do MCTI,
Jailson Bittencourt, a USP informou que as cápsulas continham 500 miligramas da
fosfoetanolamina e em nenhuma delas foi encontrada essa quantidade. “Nos
resultados preliminares vimos que outra molécula encontrada nas cápsulas, a
monoetanolamina, tem atividade e a fosfoetanolamina não”, disse o secretário.
O pesquisador Marcos Vinicius
de Almeida enfatizou que os resultados são questionáveis. “Esse resultado dos
estudos [sobre a atividade da monoetanolamina] só mostra o que já sabemos: que
ela é tóxica. Ela vai combater qualquer célula corporal, tanto as boas quanto
as tumorais. Ela mata tudo e a fosfoetanolamina, nas quantidades e formas
corretas de uso, se mostraram seletivas”, apontou.
A monoetanolamina é um
composto presente na sintetização da fosfoetanolamina. Almeida explicou que o
produto no qual foi requerida a patente é 98% puro. “Estranhamos eles terem
encontrado a monoetanolamina nas análises bioquímicas dessas capsulas enviadas
pela USP. O ponto de ebulição dessa substância é 170 ºC e para sintetizar a
fosfoetanolamiana precisamos trabalhar com temperaturas de 240 a 250 ºC.”
Ainda sobre a baixa
concentração de fosfoetanolamina nas cápsulas analisadas, o professor
aposentado do Instituto de Química da USP de São Carlos, Gilberto Orival
Chierice ressaltou que foi encontrado apenas 32% do composto no comprimido,
além de outros elementos químicos como o bário. “Fizeram uma síntese que não é
a nossa. Lamento ler esse relatório”, disse o pesquisador. “Não dá para confiar
nos testes que estão sendo feitos no Brasil. O jeito é irmos para outros
países, como México, Canadá e Coreia do Sul. Na nossa fosfoetanolamina
sintética é impossível encontrar, por exemplo, o bário.”
Chierice criticou inclusive a
hispótese levantada pelo MCTI para registrar o produto na Anvisa como
suplemento alimentar. “Com os dados levantados é impossível registrar a
fosfoetanolamina sintética como suplemento alimentar. Além disso, isso iria
descaracterizar o uso que deve ser controlado por médicos”, afirmou.
Discussões acaloradas
Em diversos momentos, os
ânimos ficaram exaltados na audiência pública. Os pesquisadores detentores da
patente questionaram a não participação deles no testes pré-clínicos, que
envolveu laboratórios do Ceará, Santa Catarina, São Paulo. O MCTI e o
Ministério da Saúde afirmaram que os detentores da patente são bem-vindos, mas
como se recusaram a participar dos primeiros encontros acabaram não sendo
incluídos na lista de discussão.
O professor Gilberto Chierice
questionou o Ministério da Saúde sobre onde estavam os dados do estudo
realizado no Hospital Amaral Carvalho. A droga foi administrada em pacientes
mediante assinatura de um termo de responsabilidade. “O hospital alega que não
há registro sobre a utilização da cápsula em pacientes da instituição”,
declarou o diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do MS, Pedro Prata.
O público se exaltou com a afirmação, cobrando medidas assertivas do governo
federal.
A fosfoetanolamina sintética
começou a ser estudada na década de 1980 e ainda não foi registrada como
medicamento pela Associação Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por falta
de estudos científicos. Segundo Chierice, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) se
dispôs a desenvolver os testes necessários somente se a patente fosse repassada
à instituição. A Fiocruz nega que tenha feito o pedido.
Judicialização e evento
científico
O defensor público federal,
Daniel Macedo, apontou que um dos caminhos para que os estudos sejam conduzidos
da maneira correta é acionando a justiça. “Temos documentos que comprovam a
busca desses pesquisadores para iniciar os testes clínicos desde 1998. Vamos
protocolar um procedimento de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
[CPI] para analisar essa questão da fosfoetanolamina. Há um descrédito quanto a
análise dessas substâncias pelos ministérios da Ciência e Tecnologia e da
Saúde”, declarou o defensor, que pedirá ao judiciário para desmanchar do GT
nomeado pelo governo federal.
Presente na audiência pública
a pesquisadora Marisa Maria Dreyer, do Instituto Nacional do Câncer (Inca),
pediu para que haja união entre os pesquisadores detentores da patente, o
governo federal, o grupo de trabalho e toda a comunidade científica. “Trata-se
de uma discussão que pode beneficiar mais de 500 mil pessoas que todos os anos
são diagnosticadas com câncer”, ressaltou. “Precisamos de segurança para
fornecer um medicamento novo a um paciente.”
Ela defendeu a continuidade
dos estudos pré-clínicos e a realização de um fórum científico para debater o
conhecimento em volta da fosfoetanolamina. O MCTI acatou a sugestão e se dispôs
a organizar o evento. A expectativa é de que ele ocorra em até um mês e meio
(Fonte: Agência Gestão
CT&I – 05/04/2016)