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quinta-feira, 7 de abril de 2016

Pesquisadores questionam metodologia usada em teste com a “pílula do câncer”

O Congresso Nacional foi palco, nesta terça-feira (5), de um intenso debate entre o governo federal e os pesquisadores detentores da patente da molécula sintética da fosfoetanolamina, popularmente conhecida como “pílula do câncer”. Os cientistas questionaram a metodologia e os resultados dos testes pré-clínicos coordenados por um grupo de trabalho (GT) nomeado pelos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Saúde (MS).

De acordo com Marcos Vinícius de Almeida, um dos pesquisadores e detentores da patente da substância, os resultados divulgados nos estudos do MCTI são “tendenciosos e fracos”. “O grupo selecionado pela pasta usou concentrações 100 vezes menores que as utilizadas em outros estudos”, explicou Almeida durante audiência pública no Senado. “Com uma metodologia diferente da usada em trabalhos” se referiu aos trabalhos publicados pela equipe do biomédico Durvanei Augusto Maria, pesquisador do Instituto Butantan, que participou de duas reuniões do grupo de trabalho para apresentar os resultados dos “papers” para a equipe nomeada pelo governo. “O estudo encomendado pelo governo não usou as concentrações usadas pela minha equipe, não dá para avaliar se um produto é efetivo ou seguro se a concentração molar não é a mesma que eu usei nos onze testes que publiquei, posso afirmar que nos estudos da minha equipe, a fosfoetanolamina se mostrou eficiente no combate a células tumorais de alguns tipos de cânceres, como leucemia e melanoma.”

As cápsulas usadas nos estudos da fase pré-clinica foram enviadas pela Universidade de São Paulo (USP). Segundo o Secretário de Políticas e Programas de Desenvolvimento do MCTI, Jailson Bittencourt, a USP informou que as cápsulas continham 500 miligramas da fosfoetanolamina e em nenhuma delas foi encontrada essa quantidade. “Nos resultados preliminares vimos que outra molécula encontrada nas cápsulas, a monoetanolamina, tem atividade e a fosfoetanolamina não”, disse o secretário.

O pesquisador Marcos Vinicius de Almeida enfatizou que os resultados são questionáveis. “Esse resultado dos estudos [sobre a atividade da monoetanolamina] só mostra o que já sabemos: que ela é tóxica. Ela vai combater qualquer célula corporal, tanto as boas quanto as tumorais. Ela mata tudo e a fosfoetanolamina, nas quantidades e formas corretas de uso, se mostraram seletivas”, apontou.

A monoetanolamina é um composto presente na sintetização da fosfoetanolamina. Almeida explicou que o produto no qual foi requerida a patente é 98% puro. “Estranhamos eles terem encontrado a monoetanolamina nas análises bioquímicas dessas capsulas enviadas pela USP. O ponto de ebulição dessa substância é 170 ºC e para sintetizar a fosfoetanolamiana precisamos trabalhar com temperaturas de 240 a 250 ºC.”

Ainda sobre a baixa concentração de fosfoetanolamina nas cápsulas analisadas, o professor aposentado do Instituto de Química da USP de São Carlos, Gilberto Orival Chierice ressaltou que foi encontrado apenas 32% do composto no comprimido, além de outros elementos químicos como o bário. “Fizeram uma síntese que não é a nossa. Lamento ler esse relatório”, disse o pesquisador. “Não dá para confiar nos testes que estão sendo feitos no Brasil. O jeito é irmos para outros países, como México, Canadá e Coreia do Sul. Na nossa fosfoetanolamina sintética é impossível encontrar, por exemplo, o bário.”

Chierice criticou inclusive a hispótese levantada pelo MCTI para registrar o produto na Anvisa como suplemento alimentar. “Com os dados levantados é impossível registrar a fosfoetanolamina sintética como suplemento alimentar. Além disso, isso iria descaracterizar o uso que deve ser controlado por médicos”, afirmou.

Discussões acaloradas
Em diversos momentos, os ânimos ficaram exaltados na audiência pública. Os pesquisadores detentores da patente questionaram a não participação deles no testes pré-clínicos, que envolveu laboratórios do Ceará, Santa Catarina, São Paulo. O MCTI e o Ministério da Saúde afirmaram que os detentores da patente são bem-vindos, mas como se recusaram a participar dos primeiros encontros acabaram não sendo incluídos na lista de discussão.

O professor Gilberto Chierice questionou o Ministério da Saúde sobre onde estavam os dados do estudo realizado no Hospital Amaral Carvalho. A droga foi administrada em pacientes mediante assinatura de um termo de responsabilidade. “O hospital alega que não há registro sobre a utilização da cápsula em pacientes da instituição”, declarou o diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do MS, Pedro Prata. O público se exaltou com a afirmação, cobrando medidas assertivas do governo federal.

A fosfoetanolamina sintética começou a ser estudada na década de 1980 e ainda não foi registrada como medicamento pela Associação Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por falta de estudos científicos. Segundo Chierice, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) se dispôs a desenvolver os testes necessários somente se a patente fosse repassada à instituição. A Fiocruz nega que tenha feito o pedido.

Judicialização e evento científico
O defensor público federal, Daniel Macedo, apontou que um dos caminhos para que os estudos sejam conduzidos da maneira correta é acionando a justiça. “Temos documentos que comprovam a busca desses pesquisadores para iniciar os testes clínicos desde 1998. Vamos protocolar um procedimento de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI] para analisar essa questão da fosfoetanolamina. Há um descrédito quanto a análise dessas substâncias pelos ministérios da Ciência e Tecnologia e da Saúde”, declarou o defensor, que pedirá ao judiciário para desmanchar do GT nomeado pelo governo federal.

Presente na audiência pública a pesquisadora Marisa Maria Dreyer, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), pediu para que haja união entre os pesquisadores detentores da patente, o governo federal, o grupo de trabalho e toda a comunidade científica. “Trata-se de uma discussão que pode beneficiar mais de 500 mil pessoas que todos os anos são diagnosticadas com câncer”, ressaltou. “Precisamos de segurança para fornecer um medicamento novo a um paciente.”

Ela defendeu a continuidade dos estudos pré-clínicos e a realização de um fórum científico para debater o conhecimento em volta da fosfoetanolamina. O MCTI acatou a sugestão e se dispôs a organizar o evento. A expectativa é de que ele ocorra em até um mês e meio

(Fonte: Agência Gestão CT&I – 05/04/2016)

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