Diante da emergência
internacional de saúde pública causada pelo vírus zika, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) reforçou a importância das ações para monitorar a resistência
dos mosquitos Aedes aegypti a inseticidas utilizados em saúde pública e publicou
um documento atualizando os procedimentos indicados para realização desta
vigilância. Com o objetivo de disseminar essas práticas e avançar na formação
de uma rede integrada de monitoramento nas Américas, foi iniciada, na última
segunda-feira (27/6), uma oficina promovida pela Organização Pan-Americana de
Saúde (Opas) e o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), com apoio do Ministério
da Saúde, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC)
e do Instituto de Biologia do Exército (IBEx). O treinamento reúne, até
sexta-feira (1º/7), entomologistas dos Ministérios da Saúde de onze países e
conta com atividades teóricas e práticas coordenadas pelo Laboratório de
Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do IOC/Fiocruz.
A mesa de abertura do evento
teve a presença do assessor regional de entomologia em saúde pública da Opas,
Haroldo Bezerra; da assessora do Programa de Malária da OMS, Martha Quiñones;
da vice-diretora de Ensino, Informação e Comunicação do IOC/Fiocruz, Elisa
Cupolillo; dos pesquisadores do Laboratório de Fisiologia e Controle de
Artrópodes Vetores, José Bento Pereira e Ademir Martins; e do diretor do IBEx,
coronel Edson Pereira Filho. Representando a direção do IOC/Fiocruz, Elisa
ressaltou a relevância da pesquisa científica para a saúde da população. “Esse
treinamento é muito importante para os nossos países. O Laboratório de
Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores atua na missão do IOC, unindo
pesquisa, formação de recursos humanos e prestação de serviço à sociedade”, afirmou
a vice-diretora. “Espero que o intercâmbio de conhecimento contribua para as
políticas públicas de saúde em todos os países”, completou o coronel Edson.
Pressão seletiva
De acordo com José Bento
Pereira, chefe do Laboratório e coordenador técnico da capacitação, a
resistência está relacionada a características genéticas dos insetos, que
permitem que eles sobrevivam aos inseticidas. Geralmente, ela é identificada
apenas em alguns mosquitos de uma população. Porém, quando os inseticidas são
aplicados indiscriminadamente, esses mosquitos sobrevivem e os genes da
resistência tendem a ser mais frequentes nas gerações futuras, reduzindo a
eficácia dos produtos. Detectar a resistência e identificar os mecanismos
envolvidos é fundamental para o manejo dos inseticidas, incluindo a escolha dos
produtos mais adequados e a realização de trocas quando necessário. “Com o uso
racional de um inseticida, eliminamos a pressão seletiva do ambiente e o
fenômeno de resistência pode ser revertido. O objetivo é evitar que ferramentas
importantes no controle dos mosquitos sejam perdidas”, afirma o pesquisador.
Ao lado da vigilância, a
aplicação correta e o uso racional dos inseticidas são considerados essenciais
para evitar a disseminação da resistência. Uma das autoras do guia sobre
monitoramento e manejo da resistência em mosquitos A. aegypti publicado pela
OMS, Martha Quiñones lembra que os produtos disponíveis considerados seguros
para a saúde humana são limitados, tornando a questão ainda mais importante.
“Sem um uso adequado e racional dos inseticidas é difícil conseguir a redução
das populações de mosquitos e, consequentemente, das doenças transmitidas por
eles. Portanto, temos que assegurar um bom manejo e vigiar muito bem o
surgimento da resistência entre populações de insetos, aplicando medidas para
mitigar esse problema”, declarou ela. Nesse sentido, Ademir destaca que o
controle mecânico dos criadouros do A. aegypti, evitando o acúmulo de água
parada, é essencial. “O uso residencial de inseticidas também provoca pressão
seletiva e estimula a disseminação da resistência. Precisamos preservar esses
produtos para os momentos em que eles são realmente necessários ou ficaremos
sem esta alternativa”, enfatizou ele.
Rede de vigilância
Além de apresentar as
metodologias recomendadas na última publicação da OMS, o curso visa promover a
troca de experiências entre os países. Segundo Haroldo Bezerra, da Opas, a
maioria dos países da América Latina tem capacidade técnica para realizar a
vigilância da resistência do A. aegypti a inseticidas. No entanto, é necessário
avançar e fortalecer essa vigilância como uma rotina, padronizando os métodos,
procedimentos e interpretação dos resultados, o que permite uma melhor
comparação dos resultados e compartilhamento de informações. “Queremos estimular
que as análises sejam consideradas pelos tomadores de decisão em cada país e,
no futuro, formar uma rede integrada de monitoramento. Assim, podemos trabalhar
conjuntamente na busca de soluções para o problema de resistência dos vetores
aos inseticidas”, disse.
Entomologistas dos Ministérios
da Saúde de Bolívia, Colômbia, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras,
Nicarágua, Peru, República Dominicana e Uruguai participaram do treinamento,
que também teve a presença de um representante do Programa Nacional de Controle
da Dengue do Ministério da Saúde do Brasil. Com presença endêmica do mosquito
A. aegypti, todos esses países registram casos de dengue. Além disso, com
exceção do Uruguai, todos passaram a ter também a circulação dos vírus
chikungunya e zika nos últimos anos. Considerando as diferentes estratégias
adotadas atualmente para o manejo dos inseticidas, os entomologistas acreditam
que o curso e a futura criação de uma rede de vigilância nas Américas devem
contribuir para o aprimoramento das ações de controle do vetor.
Na Guatemala, a coordenadora
do programa de controle de vetores, Soledad Morales, diz que o monitoramento da
resistência do A. aegypti aos inseticidas é realizado, mas sem periodicidade
fixa. A expectativa é tornar essa ação sistemática após o curso. “O intercâmbio
de informações e de tecnologias é muito importante, pois nos proporciona um
melhor manejo integrado dos vetores”, avaliou Soledad. Já na República
Dominicana, o responsável por entomologia e controle de vetores, Angel Solis,
conta que o plano de vigilância passou a incluir o monitoramento da resistência
do A. aegypti esse ano. Até 2015, o país trabalhava apenas com a vigilância de
resistência nos mosquitos transmissores da malária. “Com esse curso, podemos
começar a unificar os critérios e homogeneizar as técnicas para construir um
verdadeiro programa internacional de vigilância da resistência”, ponderou
Angel.
Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)