O Ministério da Saúde informa
que está equivocado o título da matéria da BBC Brasil, “Sistema de saúde para
todos é 'sonho' e seus defensores são 'ideólogos, não técnicos', diz ministro
da Saúde”
O ministro não afirmou que
“saúde para todos é ‘sonho’”, mas explicou que tudo para todos requer
financiamento e apontou que o STF (Supremo Tribunal Federal) analisa em
julgamento em curso como harmonizar os direitos constitucionais de acesso à
Justiça, da integralidade da saúde e da capacidade contributiva do cidadão.
O ministro está empenhado na
tarefa de ampliar o acesso a saúde. Com austeridade na gestão, tem conseguido
aplicar economias em mais financiamento ao SUS.
Barros rebateu a informação de
que técnicos defendem que o sistema deveria ser totalmente público,
contrariando a própria constituição, que prevê a saúde suplementar.
Basta ler a entrevista na
íntegra para conferir o equívoco.
Sistema de saúde para todos é
'sonho' e seus defensores são 'ideólogos, não técnicos', diz ministro da Saúde
Em entrevista à BBC Brasil, ministro da Saúde diz que
defensores de sistema de saúde universal são 'ideológicos'
O ministro da Saúde, Ricardo
Barros, disse em entrevista à BBC Brasil que pesquisadores que defendem um
sistema universal de saúde - ou seja, que atenda todos os segmentos da
população - "não são técnicos, nem especialistas, são ideólogos que tratam
o assunto como se não existisse o limite orçamentário, como se fosse só o
sonho".
A declaração foi dada após ser
ele questionado sobre a opinião do professor da UFBA Jairnilson Paim (autor do
livro "O que é o SUS"), para quem um sistema que atende menos pessoas
tende a ser pior.
O ministro ressaltou que o
governo está com saldo negativo nas contas - e que essa crise se deve a
decisões do governo anterior.
"Falar que tem que pôr
mais gente demandando, sendo que o recurso é limitado, é uma incoerência. (…) O
SUS é tudo para todos, ou tudo que está disponível no SUS para todos?",
questionou também.
No momento, sua pasta elabora
uma proposta de "planos de saúde acessíveis", com cobertura de
atendimento reduzida, para o público de menor renda. O objetivo é que essas
pessoas façam consultas e tratamentos no sistema privado, desafogando o SUS
(Sistema Único de Saúde).
Há um grupo de trabalho dentro
do ministério, que inclui representantes da indústria de planos de saúde,
elaborando um novo produto a ser disponibilizados pelas operadoras. Contrária à
proposta, a Proteste, uma associação de defesa do consumidor, pediu para
participar e está acompanhando a discussão.
Associações médicas também têm
se oposto à ideia. Para os críticos, a medida vai contra a tendência dos
últimos anos, de ampliar as exigências mínimas de tratamentos oferecidos pelos
planos, com objetivo de melhorar o serviço.
Questionado também sobre
críticas de alguns economistas à PEC do teto dos gastos públicos, que poderia
potencialmente tirar recursos da saúde, o ministro voltou a minimizar a
importância dos estudiosos.
A proposta de emenda
constitucional, que deve ser aprovada pelo Congresso em dezembro, limita por
vinte anos o crescimento das despesas do governo à inflação.
"Vou escrever um livro:
'Eu e os especialistas'. Como tem especialista para tudo, né? Pode escrever
qualquer tese maluca que não se sustenta. Não dá para trabalhar nesse nível de
conversa", disse.
"Não tem redução de
recursos de saúde com a PEC. Isso não existe", afirmou também, ressaltando
que o teto proposto é para o conjunto de gastos e outras despesas poderão ser
reduzidas para que o orçamento de sua pasta seja aumentado.
Para ministro, teto de gastos não reduzirá recursos da
saúde
Barros, eleito deputado
federal pelo PP em 2014, teve como maior doador individual de sua campanha o
empresário Elon Gomes de Almeida, presidente da Aliança, administradora de
planos de saúde, com uma contribuição de R$ 100 mil.
À BBC Brasil, a assessoria do
ministério ressaltou que essa doação representa somente 3,1% do total gasto
pela campanha de Barros (R$ 3,1 milhões). O órgão disse também que
"continuará trabalhando na melhoria da atuação dos planos de saúde, por
meio da Agência Nacional de Saúde Suplementar, e que a atuação da gestão
independe de relação partidária, jurídica ou pessoal".
Após a publicação dessa
entrevista, o Ministério da Saúde enviou um nota dizendo que seu título está
equivocado - a BBC Brasil considera que o título está fiel à fala de Barros e
por isso o manteve. O ministério disse também que "Barros rebateu a
informação de que técnicos defendem que o sistema deveria ser totalmente
público, contrariando a própria constituição, que prevê a saúde suplementar".
A íntegra da nota está reproduzida ao final desta reportagem.
Confira abaixo os principais
trechos da entrevista.
BBC Brasil - Como está a
discussão do grupo de trabalho sobre os planos acessíveis? Que proposta está se
desenhando?
Ricardo Barros - Isso é
com o secretário Francisco (Figueiredo, da Secretaria de Atenção à Saúde do
ministério).
BBC Brasil - Mas o senhor não
está acompanhando, sendo informado? O que poderia sair desse programa?
Parece que duas propostas
foram apresentadas ao grupo de trabalho. O grupo foi prorrogado (de 60 dias
para 120 dias), e eles estão caminhando para uma solução de oferta de um novo
produto de mercado.
BBC Brasil - E qual a previsão
de quando isso possa sair?
Barros - Isso é com o
Francisco. [Após a entrevista, a assessoria do ministério informou que o
grupo de trabalho está "em fase de discussão" e que "o produto
final das atividades será consolidado e encaminhado à ANS", agência que
regula a indústria de planos de saúde. A ANS "avaliará a pertinência do
projeto e sua possível implementação", diz ainda o ministério. O grupo
deve concluir os trabalhos no início de dezembro.]
BBC Brasil - Ainda sobre essa
questão, existem alguns estudiosos do setor de saúde, como um professor da UFBA
que a BBC Brasil entrevistou recentemente (Jairnilson Paim), que afirmam que
quanto mais universal for o SUS, quanto mais gente estiver nesse sistema,
melhor ele tende a ser, pois é mais gente vocalizando, demandando. Essa
proposta (de mais planos de saúde) não vai contra isso? Não tende a enfraquecer
o SUS?
Barros - Você tem que
conversar com o contribuinte. Se tiver gente disposta a contribuir para que
todos demandem o SUS, eu também concordo. Então falar que tem que pôr mais
gente demandando, sendo que o recurso é limitado, é uma incoerência. Ele está
falando de uma ideologia, do pensamento, do sonho, e não está falando da
realidade. Não são técnicos, nem especialistas, são ideólogos que tratam o
assunto como se não existisse o limite orçamentário, como se fosse só o sonho.
Não é um sonho, nós temos que administrar uma realidade aqui. Ministro
afirmou que crise foi causada por decisões do governo anterior
BBC Brasil - Um estudo do Ipea feito com a Receita Federal
mostra que a perda de receita com desconto no Imposto de Renda de gastos com
planos de saúde, tanto para pessoa física como jurídica, chegou a R$ 10,5
bilhões em 2013. Por que seria correto subsidiar um produto privado em vez de
investir no sistema público?
Barros - A leitura para
nós disso é (que esses recursos são) dinheiro carimbado para a saúde. Toda essa
(perda de) arrecadação é vinculada diretamente à saúde. Se não for, recolhe aos
cofres do Tesouro, 25% (arrecadação com IR tem que ser repassado) para Estados,
25% para municípios, aí (a outra metade) entra (na divisão prevista) nos
vínculos constitucionais, educação, etc. Vai sobrar para saúde um pedacinho
desse tamanho. Por isso que eu falei: para de sonho, gente. A realidade é
diferente do sonho. É fácil falar.
BBC Brasil - Esse valor
(subsídios para planos de saúde) é basicamente para as pessoas de renda mais
alta, pois é elas que fazem esses gastos e conseguem descontar (do Imposto de
Renda). Então não é um recurso que poderia estar sendo recolhido e investido em
serviços para os mais pobres?
Barros - Não, 55% do financiamento
da saúde brasileira é privado, 45% é público. As entidades filantrópicas, que
atendem mais de 50% dos atendimentos do SUS, se equilibram economicamente
atendendo 60% do SUS e 40% convênio. E deixam de pagar os impostos.
Evidentemente, os recursos que sustentam os convênios fazem parte do equilíbrio
econômico do sistema como um todo. Não há nenhum prejuízo nesse incentivo que
as pessoas utilizem recursos na saúde e possam descontar, porque a pessoa que
paga imposto e desconta esse recurso tem direito ao SUS também. Então, em vez
de a gente atender no SUS, nós estamos permitindo que ele faça o atendimento e
desconte no imposto, desde que declarado tudo devidamente. É um modelo que está
estabelecido há muitos anos. Tem gente que defende que filantrópica não deveria
deixar de pagar imposto, é uma ideia. Se ela ficasse em pé, seria ótima. Mas se
nós fizermos isso, nós desestruturamos 50% do atendimento dos brasileiros que
estão nas filantrópicas. Então, a matemática deve ser feita com a visão geral
do sistema. Essas críticas pontuais, inconsistentes e impensadas, elas não
ajudam o sistema.
BBC Brasil - Parece haver um
impasse: existe resistência aos impostos, até um certo tabu que impede uma
discussão mais racional, mas também existe uma demanda muito forte por saúde
pública, por um SUS forte. Então como a gente sai desse impasse? É um tabu
discutir mais recursos para saúde?
Barros - Não é um tabu. O
Congresso apresentou agora R$ 18 bilhões em emendas parlamentares (recursos da
União que os deputados e senadores podem investir de acordo com suas
prioridades, normalmente em suas bases eleitorais) para a saúde. Não tem tabu
nenhum. Todo mundo quer botar mais recurso para a saúde.
BBC Brasil - Mas na prática a
PEC do teto dos gastos (que prevê que as despesas não podem crescer mais que a
inflação) vai reduzir recursos para saúde, no sentido de que a população está
envelhecendo e vai haver mais demanda por serviços de saúde.
Barros - Não vai haver
redução de recurso para a saúde. Desculpa, querida, não é verdade.
BBC Brasil - Não estou dizendo
que vai em termos de quanto é investido hoje, mas de que a demanda tende a
crescer e o orçamento não vai crescer no mesmo nível.
Barros - É um problema
que acontece em qualquer (país)… não tem nada a ver com a PEC, tem? O que a PEC
tem com o envelhecimento das pessoas, gente? Nada, isso é uma realidade
estabelecida. Desculpa, mas eu não tenho muita paciência para esse ideologismo
inconsequente. Isso é uma bobagem. O envelhecimento das pessoas vai acontecer
de qualquer jeito. A PEC não tem nada a ver com isso. A PEC garante que há um
limite para o conjunto dos gastos públicos. No conjunto dos gastos, a
Previdência vai gastar mais do que a inflação (crescer mais que a inflação). A
saúde e a Previdência vão ter seus recursos mantidos ou ampliados e as outras
áreas de governo vão ter que compensar com redução, para compensar o teto. Não
tem redução de recursos de saúde com a PEC. Isso não existe.
Ministério elabora proposta de "planos de saúde
acessíveis", com cobertura de atendimento reduzida, para o público de
menor renda
BBC Brasil - Tem uma questão
da PEC que é a seguinte: a expectativa é que haverá uma recuperação da
economia, o que vai aumentar a arrecadação do governo, porém esses recursos,
por causa do teto, lá na frente vão ser exageradamente destinados ao superávit
primário (economia para pagar juros da dívida). Existem inclusive economistas
liberais que fazem essa crítica, como o Felipe Salto e a Monica de Bolle.
Barros - E para que serve
o superávit primário?
BBC Brasil - Para pagar a
dívida pública. Ela é mais importante que a saúde?
Barros - Não, mas não
precisa pagar a dívida, então? Nós não vamos pagar a dívida nunca?
BBC Brasil - Não, é questão de
volume. A crítica deles é que haverá um volume muito grande destinado ao
superávit primário.
Barros - Nós estamos há
quatro anos fazendo um déficit primário (na verdade desde 2014, mas a previsão
é de novos rombos em 2016 e 2017), não pagamos um centavo nem do juro da
dívida. E aí?
BBC Brasil - A União está
rolando a dívida. Estamos contraindo mais dívida, não estamos deixando de pagar
juros.
Barros - Estamos
endividando nossas futuras gerações. E aí? As futuras gerações querem ser
endividadas ou não? Qual é a contestação à tese do equilíbrio fiscal, não é bom
o equilíbrio fiscal?
BBC Brasil - Não estou dizendo
que é ruim, estou dizendo que economistas liberais…
Barros - Vou escrever um
livro: "Eu e os especialistas". Como tem especialista para tudo, né?
Pode escrever qualquer tese maluca que não se sustenta, não se sustenta. Não dá
para trabalhar nesse nível de conversa. Nós temos que equilibrar o país, pôr as
contas em dia, pagar nossa dívida e seguir a vida. Eu não posso discutir uma
tese que "olha, nunca mais vamos pagar a dívida, vamos continuar fazendo
déficit porque eu preciso gastar, então eu gasto, pronto".
BBC Brasil - Não foi isso que
eu disse, ministro.
Barros - Eu estou
discutindo isso agora no Supremo (Tribunal Federal) com a judicialização
(recursos judiciais para obrigar o governo a prestar atendimentos ou fornecer
remédios): o SUS é tudo para todos, ou tudo que está disponível no SUS para
todos? É isso que o Supremo vai decidir.
BBC Brasil - Eu só quero
registrar que eu não disse que não vai ser pago juros da dívida. Eu disse que
esses economistas falam que vai ter um excesso, um valor além do necessário
para regularizar (estabilizar em um nível considerado sustentável) a relação
entre dívida e PIB. Esse é o indicador mais usado, nenhum governo quer pagar a
dívida 100%.
Barros - Tomara que esse
dia chegue, que tenha excesso de arrecadação. E acontecendo isso, querida, a
PEC do teto vai cair, obviamente, porque é um outro momento. Nós estamos
fazendo isso hoje (fixar um teto para os gastos) porque a nossa realidade hoje
nos impõe fazer isso. Se essa realidade mudar, evidentemente…
BBC Brasil - O senhor acredita
que, nesse caso, haveria uma coalizão política para reverter isso (aprovar uma
nova PEC, derrubando o teto)?
Barros - Claro, agora
(nessa situação futura de aumento de arrecadação) o país está de outra forma,
nós podemos alterar essa regra que foi estabelecida num momento em que era
necessário. Não é possível trabalhar nessas teses malucas de que o que é feito
num momento de crise não serve para o momento de bonança. Claro que não serve.
Não preciso fazer tese para descobrir isso. Como nós estávamos num momento mais
favorável (em anos anteriores) e o governo acabou tomando algumas decisões que
levaram a essa crise, pode ser que lá na frente se decida abrir a possibilidade
dos gastos. Tem dinheiro para gastar? Vamos gastar. Tomara que tenha. Eu torço
muito para que tenha, e bastante.
Confira a íntegra do
posicionamento do Ministério da Saúde, enviado após a publicação dessa
entrevista:
"BBC Brasil erra na
interpretação sobre financiamento: O Ministério da Saúde informa que está
equivocado o título da matéria da BBC Brasil, a "Sistema de saúde para
todos é 'sonho' e seus defensores são 'ideólogos, não técnicos', diz ministro da
Saúde". O ministro não afirmou que "saúde para todos é 'sonho'",
mas explicou que tudo para todos requer financiamento e apontou que o STF
(Supremo Tribunal Federal) analisa em julgamento em curso como harmonizar os
direitos constitucionais de acesso à Justiça, da integralidade da saúde e da
capacidade contributiva do cidadão. O ministro está empenhado na tarefa de
ampliar o acesso a saúde. Com austeridade na gestão, tem conseguido aplicar
economias em mais financiamento ao SUS. Barros rebateu a informação de que técnicos
defendem que o sistema deveria ser totalmente público, contrariando a própria
constituição, que prevê a saúde suplementar."
Mariana Schreiber da BBC
Brasil em Brasília, imagens: LUIS MACEDO, FABIO ARANTES/AG. CÂMARA