“O envelhecimento saudável começa no
pré-natal”. É assim que a psicóloga Angela Castilho, do Centro de Saúde Escola
Germano Sinval Faria (CSEGSF/ENSP) chama atenção para a importância da
integralidade na atenção à saúde do idoso. Na última terça-feira, 25 de
outubro, Angela participou do seminário “Política Nacional de Saúde da Pessoa
Idosa: desafios da implementação”, promovido pelo Instituto de Comunicação e
Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). Na ocasião,
apresentou a palestra “Capacitação da Atenção Básica e da Gestão: superando
desafios na área do envelhecimento”. Nesta entrevista, ela aponta os desafios
para a atenção integral à saúde do idoso no horizonte dos próximos 20 anos e
alerta: “Se o modelo hospitalocêntrico, centrado na doença, persistir, o
Sistema Único de Saúde (SUS) não terá condições de garantir a atenção à saúde
do idoso com universalidade, equidade e integralidade”.
As projeções para o futuro indicam
que, em 2060, 26,7% da população brasileira terá mais de 65 anos. O SUS está
preparado para garantir atenção integral à saúde de tantos idosos?
Angela Castilho: Se continuarmos envelhecendo com a mesma qualidade de hoje, as
perspectivas não serão boas. O corpo humano passa por um desgaste natural ao
longo da vida. Sabemos que determinadas condições irão surgir nas pessoas com
idades mais avançadas e precisamos agir para prevenir e minimizar esses
problemas, para que eles não gerem consequências graves e custosas. O
pesquisador Alexandre Kalache, referência internacional em longevidade,
ressalta que o envelhecimento saudável começa no pré-natal. A velhice nada mais
é que a continuidade da vida, portanto, seu nível de qualidade dependerá de
como todos esses anos foram vividos. Se deixarmos para começar a cuidar da saúde
aos 65 anos, enfrentaremos problemas sérios. Quando a gestante faz um bom
pré-natal, a criança nasce saudável e, passando por todas as fases da vida de
forma saudável, serão maiores as chances de uma velhice igualmente saudável.
Para garantir que a qualidade de vida
se estenda por mais anos, é preciso compreender a saúde para além das doenças e
integrar a promoção da saúde à assistência. Isso significa sensibilizar idosos,
serviços de saúde e toda a sociedade para desenvolver atividades que promovam
saúde. Hoje, é comum encontrar, nas unidades de saúde, grupos de idosos
hipertensos ou diabéticos. No entanto, esta interação pode e deve acontecer
fora do universo das doenças. É preciso mudar essa lógica. Se pensarmos e
agirmos na perspectiva da promoção de saúde envelheceremos melhor.
Considerando a tendência de
envelhecimento da população brasileira, que problemas o sistema de saúde
precisará enfrentar no horizonte dos próximos 20 anos?
Angela Castilho: O grande desafio é a concorrência de doenças crônicas não
transmissíveis, típicas da população idosa, com as tradicionais doenças
tropicais, persistentes no Brasil, e a as novas emergências sanitárias, como a
provocada pelo vírus zika. São diferentes dimensões da saúde e do cuidado e uma
fonte única de recursos que, seguindo o modelo atual, não dará conta de
responder a todas as demandas nacionais. Na Europa, o processo de
envelhecimento da população ocorreu junto ao enriquecimento e desenvolvimento
dos países. Devido ao forte investimento em prevenção e promoção da saúde, hoje
os agravos transmissíveis e as doenças materno-infantis estão controladas e os
sistemas de saúde podem se dedicar às doenças crônicas. Aqui, o mesmo
“cobertor” precisa contemplar todas essas dimensões. Com o tradicional subfinanciamento
do SUS isto é impossível.
Esse cenário reforça a demanda
brasileira por promoção e prevenção da saúde, com ações voltadas para a
alimentação saudável, a prática regular de exercícios físicos, o controle do
tabagismo, o acesso aos serviços de saúde. Se o modelo hospitalocêntrico,
centrado na doença, persistir, o SUS não terá condições de garantir a atenção à
saúde do idosos com universalidade, equidade e integralidade. Nesta faixa
etária, os tratamentos e internações são muito mais caros. Devido à sua
fragilidade natural, idosos permanecem mais tempo internados que pessoas jovens
com o mesmo quadro. Também têm mais chances de apresentar complicações, que
irão requerer mais medicamentos e procedimentos. Tudo isso onera o sistema. Por
outro lado, se o SUS apostar na intersetorialidade, o custo de promover a saúde
do idoso será compartilhado com outras áreas. Com mais qualidade de vida, os
idosos serão mais saudáveis e sofrerão menos internações, gerando menos custos
para o sistema de saúde. É justamente a intersetorialidade que fará com que a
Saúde não seja tão onerada pelo envelhecimento saudável.
Que políticas públicas devem ser
implementadas no presente para que, no horizonte dos próximos 20 anos, o SUS
possa oferecer atenção integral à saúde do idoso?
Angela Castilho: Algumas iniciativas já estão em curso. A Política Nacional de Saúde da
Pessoa Idosa se organiza pelo princípio da integralidade e pela perspectiva da
prevenção no cuidado à saúde. O objetivo é evitar que as pessoas adoeçam.
Chegar aos 65 anos com hipertensão ou diabetes pode ser considerado normal,
comum, sobretudo porque não necessariamente o paciente fica acamado. Isto
ocorre quando não é feito o tratamento adequado. As consequências das doenças
crônicas – como um acidente vascular encefálico, problemas de locomoção ou
dificuldades na fala, entre outras – é o que precisamos evitar. E isso só é
possível por meio da prevenção e da promoção da saúde. A política brasileira
para a saúde do idoso é extremamente inovadora. Precisamos colocá-la em prática
e operacionalizá-la na perspectiva da integralidade, da intersetorialidade e da
promoção da saúde, em rede.
A Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa
é um avanço nesse sentido e empodera o idoso em seu autocuidado, ao garantir o
direito à informação sobre a própria saúde. Há várias críticas a este
instrumento, mas ele traz contribuições importantes, como um sistema de
avaliação rápida, organizado em cores, que a partir de algumas questões indica
se o idoso é saudável e robusto (verde), se está sob risco de fragilização
(amarelo) ou se já é frágil (vermelho). Assim, os próprios idosos, seus
familiares e os agentes comunitários de saúde têm mais segurança para
identificar quem requer mais atenção ou deve ser encaminhado para alguma
especialidade. Isso é fundamental, pois muitos idosos estão em casa e não
frequentam as unidades de saúde.
A Academia Carioca da Saúde é um
exemplo do que pode ser feito, nacionalmente, para promover o envelhecimento
ativo. O interessante é aproveitar esses equipamentos para gerar novas
oportunidades, com parceiros da Cultura ou da Assistência Social, por exemplo.
O isolamento é um problema grave entre os idosos, que leva inclusive à
depressão. Seguindo a perspectiva da integralidade, é preciso trabalhar
intensamente a participação dos idosos nas atividades sociais. Não me refiro
apenas a programações culturais, mas ao pertencimento a uma comunidade. É
possível fazer novos amigos no grupo de hipertensos da unidade de saúde ou no
curso de idiomas voltado para este segmento da população. Esse novo grupo de
amigos vai se reunir, passear, conversar até criar uma rede de apoio social.
Assim, quando houver algum problema, o idoso saberá com quem contar – e isso é
fundamental para a saúde e a qualidade de vida de todas as pessoas, em qualquer
idade.
Neste cenário, quais os desafios de
médio e longo prazo para a organização do sistema de saúde, especialmente no
que diz respeito à força de trabalho do SUS?
Angela Castilho: A Estratégia Saúde da Família daria conta da atenção multidisciplinar à
saúde. Se as equipes forem formadas por médico, enfermeiro e ondontólogo e se o
Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) tiver psicólogo, fonoaudiólogo e
fisioterapeuta, o serviço de saúde terá uma estrutura mais ampla para atender
os idosos – e toda a população. Portanto, a forma como o sistema de saúde está,
teoricamente, organizado, daria conta dessa diversidade. No entanto, o que
vemos, na prática, são equipes de Saúde da Família formadas apenas por
enfermeiros e técnicos de enfermagem. Não são raras as unidades de saúde, em
todo o Brasil, sem médicos.
Para dar conta dessa demanda, algumas
ações estão sendo desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, em parceria com a
Fiocruz, sobretudo no que diz respeito à formação de recursos humanos para o
SUS – visando às pessoas que estarão na ponta do sistema de saúde para acolher
e atender a grande população de idosos que está se formando no Brasil. Uma
delas é a elaboração de um curso sobre saúde da pessoa idosa voltado para
gestores, a ser oferecido no próximo ano para todos os estados e municípios do
país. Outra é o Curso de Aperfeiçoamento em Saúde da Pessoa Idosa, desenvolvido
especificamente para qualificar profissionais da Atenção Básica, que é a
instância ordenadora do cuidado em nosso sistema de saúde. É fundamental que
todos os profissionais de saúde, em todos os níveis de atenção, reconheçam que
o idoso não é apenas um adulto de cabelos brancos, mas um usuário do sistema de
saúde que tem especificidades e demandas próprias.
Neste contexto, qual a importância da
realização de estudos de prospecção estratégica do futuro, como os
desenvolvidos pela rede Brasil Saúde Amanhã?
Angela Castilho: A abordagem da prospecção estratégica de futuro é essencial para o
sistema de saúde e para o país. Não adianta, apenas, responder às demandas que
aparecem. É preciso antever os cenários futuros, para antecipar as respostas.
Para isso é imprescindível a integração de diferentes saberes, como a
Epidemiologia, a Demografia, a Geriatria e tantas outras áreas do conhecimento
que ajudam a definir os caminhos para a construção de um sistema de saúde que
garanta qualidade de vida aos idosos e a toda a população.
As estratégias de longo prazo que o
sistema de saúde e o país vierem a adotar devem considerar a diversidade do
território brasileiro e de nossos mais de cinco mil municípios. As condições de
vida e saúde no Norte e no Sudeste são muito diferentes – e o envelhecimento da
população também acontece de forma diversa nas regiões. Portanto, os desafios
para o futuro são igualmente distintos e complexos em cada realidade e exigem a
ação articulada de municípios, estados e União na direção da integralidade do
cuidado à saúde.
Fonte(s): Blog Saúde Amanhã
, * por Bel Levy,