O governo federal vai criar um
inédito fundo privado com o objetivo de apoiar a pesquisa de alto nível no país
e qualificar universidades e institutos nacionais a fim de que alcancem maior
projeção e visibilidade internacionais.
Iniciativa terá como foco a
excelência. Na foto, autopsia por ressonância magnética testada pela USP
O fundo deverá ser lançado
oficialmente em dezembro e seus recursos –que podem chegar a R$ 2 bilhões por
ano–, serão oriundos sobretudo de empresas dos setores elétrico, de bioenergia
e petróleo, de telecomunicações e de mineração, que têm de investir ou por
contrato ou por dispositivos legais cerca de 1% da receita líquida em pesquisa
e desenvolvimento.
Segundo o modelo atual, essas
empresas têm a incumbência de construir projetos e encontrar instituições para
desenvolvê-los. Muitas vezes, porém, tal processo encontra obstáculos e parte
desses recursos acaba não sendo investido na área. Transformam-se em multas das
agências reguladoras ou são transferidos para o Tesouro Nacional.
A ideia é alimentar o fundo
com parte desse dinheiro, além de oferecer a oportunidade de que outras
empresas também contribuam com ele.
Seu formato não será o de um
fundo patrimonial –como o do Instituto Serrapilheira, iniciativa privada de apoio a
pesquisa–, no qual os rendimentos de uma dotação inicial servem para financiar
projetos. A ideia do governo é provê-lo anualmente com os recursos das empresas
e distribui-lo por meio de editais.
A previsão é que ele comece a
funcionar em 2018 e distribua recursos a partir de 2019.
"A proposta é muito
interessante e, por suas características, traz um novo alento aos pesquisadores
brasileiros", diz Sandoval Carneiro Júnior, professor emérito da UFRJ e
diretor-executivo do Instituto Tecnológico Vale.
Marco Antonio Zago, reitor da
USP, também elogia a iniciativa, pois considera queela "pode trazer
abruptamente uma quantidade considerável de recursos novos para a ciência e
tecnologia, num momento de grande aperto.
EXCELÊNCIA
Embora a Capes, entidade
ligada ao Ministério da Educação, seja a responsável por estruturar o fundo,
ele será independente e contará com administração privada, com a participação
de organizações como a Academia Brasileira de Ciências, a SBPC e a Confederação
Nacional da Indústria, além de órgãos como a própria Capes e o CNPq (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
O fundo será atrelado ao
Programa de Excelência de Universidades e Institutos, que está sendo criado
pelo MEC. Para evitar a contratação de um grande corpo burocrático, ele
utilizará a Capes e o CNPq para executar o programa, que deve durar dez anos. E
que conta com as seguintes iniciativas:
1) desenvolver e
internacionalizar as instituições de ensino superior; 2) dar apoio a grupos de
excelência em pesquisa básica e aplicada que possam projetar as universidades
brasileiras entre as melhores do mundo; 3) melhorar o relacionamento da
academia com o setor privado e com a sociedade, com vistas à inovação.
Este último ponto é crucial,
na visão de Carneiro Júnior. "Esse modelo pode propiciar uma interação
bastante profícua e necessária entre o que pesquisamos na academia e o setor
produtivo."
Com o caráter privado do
fundo, busca-se evitar que ele seja contingenciado pelo governo federal ou
esteja submetido à lei do teto de gastos, que limita a aplicação de recursos
públicos ao Orçamento do ano anterior mais a inflação.
O reitor da USP rechaça a
ideia de que a criação do fundo poderia significar uma privatização da área de
ciência e tecnologia -crítica comum a iniciativas desse tipo.
Os órgãos governamentais devem
ficar responsáveis pela elaboração dos editais e pela avaliação do uso dos
recursos distribuídos.
Dirigentes da Capes vêm
apresentando a ideia do fundo e discutindo-a com membros de dentro e de fora da
academia há cerca de três meses.
O diagnóstico que embasa a
iniciativa é que o Brasil tem crescido nas últimas décadas em produção
científica e tecnológica, mas que a qualidade não acompanha essa marcha. Ademais, as universidades não
possuem projeção que corresponda à importância da economia nacional.
Por fim, a capacidade de
inovação do país vem decaindo em comparação com a de outras nações. No Ranking
Global de Inovação, o Brasil despencou da 47ª posição em 2011 para a 69ª em
2017.
Assim, o componente
fundamental do fundo e do programa de excelência é a tentativa de aprofundar a
internacionalização da pesquisa brasileira, associando-a aos melhores grupos do
mundo.
Pesquisa feita pela Elsevier,
empresa que é referência na área de ciência e tecnologia, mostrou que 63% dos
pesquisadores brasileiros nunca deixaram o país para fazer pesquisa. O impacto
(a quantidade de citações) dos artigos desses cientistas é 24% menor do que a
média mundial.
Já os artigos dos 28,6% de
pesquisadores que regularmente fazem ciência em colaboração com estrangeiros
têm, em média, o dobro do impacto da média mundial.
"É claro que é necessário
um apoio básico, permanente e distribuído ao qual todos os pesquisadores tenham
acesso", afirma Marco Antonio Zago. "Por outro lado, grandes avanços
da ciência exigem recursos vultosos e que têm de ser concentrados em algumas
iniciativas que tenham mais substância."
QUESTIONAMENTOS
Carlos Américo Pacheco,
diretor-presidente da Fapesp, também vê com bons olhos a iniciativa, mas diz
que pode haver resistência de agências reguladoras e setores econômicos,
inclusive com questionamentos jurídicos sobre a destinação dos recursos.
"Essa iniciativa é boa. Ela abre debate sobre alternativas para financiar
a pesquisa."
Ele afirma que um dos méritos
do projeto é ir além da busca por recursos. "Envolve também solicitar
planos para a universidade acerca do que ela pretende fazer na área de
internacionalização e pesquisa de qualidade."
Mas a comemoração pelo
"dinheiro novo" para a pesquisa nacional, diz Marco Antonio Zago,
"não exclui outros movimentos para aumentar o orçamento do CNPq, ou para
eventualmente descontingenciar fundos setoriais
INICIATIVAS ENVOLVIDAS NO
PROGRAMA
OS TRÊS EIXOS
1. Inovação
Melhorar e agilizar o
relacionamento entre as universidades e as empresas
Incentivar a geração de produtos e processos de interesse nacional
Incentivar a geração de produtos e processos de interesse nacional
2. Internacionalização
Universidades e instituto de
pesquisa devem apresentar plano para internacionalizar a pós-graduação
Ênfase na mobilidade de
doutorandos, pós-doutorandos e professores para o exterior e do exterior para o
Brasil
3. Excelência
Apoio a "clusters"
de excelência em pesquisa básica e aplicada
Pesquisas devem se concentrar em áreas competitivas internacionalmente.
Pesquisas devem se concentrar em áreas competitivas internacionalmente.
CLUSTERS
São grupos de pesquisa de uma
mesma universidade ou instituto de pesquisa ou locais próximos
FERNANDO TADEU MORAES,
PHILLIPPE WATANABE, foto - Danilo Verpa/Folhapress DE SÃO PAULO