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quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Governo vai criar fundo privado para financiar pesquisa e inovação

O governo federal vai criar um inédito fundo privado com o objetivo de apoiar a pesquisa de alto nível no país e qualificar universidades e institutos nacionais a fim de que alcancem maior projeção e visibilidade internacionais.

Iniciativa terá como foco a excelência. Na foto, autopsia por ressonância magnética testada pela USP

O fundo deverá ser lançado oficialmente em dezembro e seus recursos –que podem chegar a R$ 2 bilhões por ano–, serão oriundos sobretudo de empresas dos setores elétrico, de bioenergia e petróleo, de telecomunicações e de mineração, que têm de investir ou por contrato ou por dispositivos legais cerca de 1% da receita líquida em pesquisa e desenvolvimento.

Segundo o modelo atual, essas empresas têm a incumbência de construir projetos e encontrar instituições para desenvolvê-los. Muitas vezes, porém, tal processo encontra obstáculos e parte desses recursos acaba não sendo investido na área. Transformam-se em multas das agências reguladoras ou são transferidos para o Tesouro Nacional.

A ideia é alimentar o fundo com parte desse dinheiro, além de oferecer a oportunidade de que outras empresas também contribuam com ele.

Seu formato não será o de um fundo patrimonial –como o do Instituto Serrapilheira, iniciativa privada de apoio a pesquisa–, no qual os rendimentos de uma dotação inicial servem para financiar projetos. A ideia do governo é provê-lo anualmente com os recursos das empresas e distribui-lo por meio de editais.

A previsão é que ele comece a funcionar em 2018 e distribua recursos a partir de 2019.

"A proposta é muito interessante e, por suas características, traz um novo alento aos pesquisadores brasileiros", diz Sandoval Carneiro Júnior, professor emérito da UFRJ e diretor-executivo do Instituto Tecnológico Vale.

Marco Antonio Zago, reitor da USP, também elogia a iniciativa, pois considera queela "pode trazer abruptamente uma quantidade considerável de recursos novos para a ciência e tecnologia, num momento de grande aperto.

EXCELÊNCIA
Embora a Capes, entidade ligada ao Ministério da Educação, seja a responsável por estruturar o fundo, ele será independente e contará com administração privada, com a participação de organizações como a Academia Brasileira de Ciências, a SBPC e a Confederação Nacional da Indústria, além de órgãos como a própria Capes e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
O fundo será atrelado ao Programa de Excelência de Universidades e Institutos, que está sendo criado pelo MEC. Para evitar a contratação de um grande corpo burocrático, ele utilizará a Capes e o CNPq para executar o programa, que deve durar dez anos. E que conta com as seguintes iniciativas:

1) desenvolver e internacionalizar as instituições de ensino superior; 2) dar apoio a grupos de excelência em pesquisa básica e aplicada que possam projetar as universidades brasileiras entre as melhores do mundo; 3) melhorar o relacionamento da academia com o setor privado e com a sociedade, com vistas à inovação.

Este último ponto é crucial, na visão de Carneiro Júnior. "Esse modelo pode propiciar uma interação bastante profícua e necessária entre o que pesquisamos na academia e o setor produtivo."

Com o caráter privado do fundo, busca-se evitar que ele seja contingenciado pelo governo federal ou esteja submetido à lei do teto de gastos, que limita a aplicação de recursos públicos ao Orçamento do ano anterior mais a inflação.

O reitor da USP rechaça a ideia de que a criação do fundo poderia significar uma privatização da área de ciência e tecnologia -crítica comum a iniciativas desse tipo.
Os órgãos governamentais devem ficar responsáveis pela elaboração dos editais e pela avaliação do uso dos recursos distribuídos.

DIAGNÓSTICO

Dirigentes da Capes vêm apresentando a ideia do fundo e discutindo-a com membros de dentro e de fora da academia há cerca de três meses.

O diagnóstico que embasa a iniciativa é que o Brasil tem crescido nas últimas décadas em produção científica e tecnológica, mas que a qualidade não acompanha essa marcha. Ademais, as universidades não possuem projeção que corresponda à importância da economia nacional.

Por fim, a capacidade de inovação do país vem decaindo em comparação com a de outras nações. No Ranking Global de Inovação, o Brasil despencou da 47ª posição em 2011 para a 69ª em 2017.

Assim, o componente fundamental do fundo e do programa de excelência é a tentativa de aprofundar a internacionalização da pesquisa brasileira, associando-a aos melhores grupos do mundo.

Pesquisa feita pela Elsevier, empresa que é referência na área de ciência e tecnologia, mostrou que 63% dos pesquisadores brasileiros nunca deixaram o país para fazer pesquisa. O impacto (a quantidade de citações) dos artigos desses cientistas é 24% menor do que a média mundial.

Já os artigos dos 28,6% de pesquisadores que regularmente fazem ciência em colaboração com estrangeiros têm, em média, o dobro do impacto da média mundial.

"É claro que é necessário um apoio básico, permanente e distribuído ao qual todos os pesquisadores tenham acesso", afirma Marco Antonio Zago. "Por outro lado, grandes avanços da ciência exigem recursos vultosos e que têm de ser concentrados em algumas iniciativas que tenham mais substância."

QUESTIONAMENTOS

Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente da Fapesp, também vê com bons olhos a iniciativa, mas diz que pode haver resistência de agências reguladoras e setores econômicos, inclusive com questionamentos jurídicos sobre a destinação dos recursos. "Essa iniciativa é boa. Ela abre debate sobre alternativas para financiar a pesquisa."

Ele afirma que um dos méritos do projeto é ir além da busca por recursos. "Envolve também solicitar planos para a universidade acerca do que ela pretende fazer na área de internacionalização e pesquisa de qualidade."

Mas a comemoração pelo "dinheiro novo" para a pesquisa nacional, diz Marco Antonio Zago, "não exclui outros movimentos para aumentar o orçamento do CNPq, ou para eventualmente descontingenciar fundos setoriais


INICIATIVAS ENVOLVIDAS NO PROGRAMA
OS TRÊS EIXOS

1. Inovação
Melhorar e agilizar o relacionamento entre as universidades e as empresas
Incentivar a geração de produtos e processos de interesse nacional

2. Internacionalização
Universidades e instituto de pesquisa devem apresentar plano para internacionalizar a pós-graduação
Ênfase na mobilidade de doutorandos, pós-doutorandos e professores para o exterior e do exterior para o Brasil

3. Excelência
Apoio a "clusters" de excelência em pesquisa básica e aplicada
Pesquisas devem se concentrar em áreas competitivas internacionalmente.

CLUSTERS
São grupos de pesquisa de uma mesma universidade ou instituto de pesquisa ou locais próximos

FERNANDO TADEU MORAES, PHILLIPPE WATANABE, foto - Danilo Verpa/Folhapress DE SÃO PAULO


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