Pesquisadores da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, identificaram seis espécies de
bactérias com potencial para serem usadas como biolarvicidas no combate ao
mosquito Aedes aegypti – vetor de doenças como dengue, Zika,
febre amarela e chikungunya.
Resultados deste e de outros
estudos voltados ao combate da dengue, Zika e chikungunya foram apresentados
durante Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação na Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo
Dados preliminares da
pesquisa, apoiada pela FAPESP,
foram apresentados por Jayme Souza-Neto, coordenador do Laboratório de Genômica
Funcional & Microbiologia de Vetores (Vectomics) do Instituto de
Biotecnologia (IBTEC), durante o segundo encontro do Ciclo ILP-FAPESP de
Ciência e Inovação, que ocorreu em 27 de novembro na Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo (Alesp).
“Isolamos cerca de 30
diferentes bactérias encontradas no intestino de mosquitos coletados em
Botucatu e as colocamos, uma a uma, em contato com as larvas desses insetos.
Observamos em seis espécies bacterianas a capacidade de matar entre 60% e 90%
das larvas, dependendo do isolado, em até 48 horas”, contou Souza-Neto, em
entrevista à Agência FAPESP.
Segundo o pesquisador, serão
necessários novos estudos para caracterizar melhor o potencial larvicida dos
microrganismos: avaliar as concentrações necessárias para que a ação ocorra, o
período mínimo de exposição e o tempo que as bactérias permanecem ativas, entre
outros fatores.
“O estudo ainda está em fase
inicial. No futuro, também pretendemos isolar alguns produtos liberados por
essas bactérias no meio para entender como ocorre a ação larvicida”, disse o
também docente da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp.
Trabalhos anteriores do grupo
de Souza-Neto haviam mostrado que o Aedes encontrado em
Botucatu é menos suscetível à infecção pelo vírus da dengue do que insetos
oriundos das cidades de Neópolis (SE) e Campo Grande (MS) – locais onde a
incidência da doença é maior.
Após alimentar os mosquitos em
laboratório com sangue contaminado com o sorotipo 4 do vírus, o grupo observou
que apenas 30% dos insetos coletados no interior paulista se contaminavam,
enquanto o índice ficava entre 70% e 80% nas outras duas populações.
Por meio de técnicas de
sequenciamento de genes em larga escala, o grupo identificou as espécies
bacterianas que colonizavam o intestino dos insetos e observou que o microbioma
presente nos grupos mais e menos suscetíveis era completamente diferente.
“Começamos então a investigar
o potencial dessa microbiota intestinal de atuar como biolarvicida e também
como antiviral. Nesse segundo tipo de ensaio, colocamos as bactérias ou os
produtos por elas liberados em contato com o vírus da dengue e observamos se o
patógeno perde a capacidade de infectar células”, explicou o pesquisador.
Segundo Souza-Neto, o mesmo
tipo de ensaio será feito com o vírus Zika em breve. “Se conseguirmos
identificar uma bactéria capaz de neutralizar esses patógenos, ela será uma
potencial fonte para novos fármacos”, afirmou.
Benefícios à sociedade
Resultado de uma parceria
entre o Instituto do Legislativo Paulista (ILP) da Alesp e a FAPESP, o objetivo
do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação é divulgar estudos de relevante
impacto social e econômico realizados por pesquisadores do Estado de São Paulo.
Com o tema “A ciência no
combate à dengue, Zika e chikungunya”, o segundo encontro da série trouxe, além
de Souza-Neto, os pesquisadores José Luiz Proença Modena, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), Maurício Lacerda Nogueira, da Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), e Alexander Roberto Precioso,
diretor da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto
Butantan.
Modena apresentou estudos em
andamento no Instituto de Biologia da Unicamp cujo objetivo é caracterizar
fatores essenciais para a replicação de vírus emergentes tanto em hospedeiros
invertebrados como vertebrados.
“Analisando lipídeos
encontrados no organismo de mosquitos e de pacientes humanos, conseguimos
identificar biomarcadores da infecção por Zika”, contou. Algumas dessas
moléculas são importantes para que o vírus consiga entrar nas células e se
replicar e, portanto, são potenciais alvos terapêuticos (leia mais em http://agencia.fapesp.br/24123).
O grupo da Unicamp também
descobriu que crianças com complicações neurológicas graves da infecção
congênita pelo Zika apresentavam baixos níveis sanguíneos de uma substância
conhecida como HGF (Fator de Crescimento do Hepatócito).
“Isso abre a possibilidade de
usarmos moléculas que estimulam a produção de HGF na prevenção de dano
neurológico em crianças de mães expostas ao vírus durante a gestação”, disse
Modena.
O pesquisador mencionou ainda
o desenvolvimento de um novo método molecular para diagnosticar o Zika que tem
como alvo a região do genoma viral que codifica a proteína NS5, mais sensível
para detectar o patógeno no sangue após alguns dias da contaminação, e uma
metodologia para diagnosticar o vírus em amostras de pacientes por
espectrometria de massas, bem mais barata que os métodos moleculares hoje
disponíveis.
“O teste que avalia o genoma
viral custa aproximadamente R$ 100 por paciente e demora cerca de três dias
para ficar pronto. Já o método que usa espectrometria de massas custa R$ 1,50 e
fica pronto em 20 minutos”, disse Modena.
Durante sua apresentação,
Nogueira, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV),
alertou que no Brasil ainda é impossível calcular o real impacto econômico
causado pelos vírus dengue e Zika pela falta de dados epidemiológicos precisos.
Estudos conduzidos na Famerp mostraram que os critérios clínicos usados no
diagnóstico dessas doenças, baseados principalmente na sintomatologia dos
pacientes, frequentemente são falhos.
A equipe coordenada por
Nogueira analisou por meio de testes moleculares amostras sanguíneas de 800
pacientes com suspeita de dengue atendidos entre janeiro e agosto de 2016 em
São José do Rio Preto. O diagnóstico inicial – feito com base nos sintomas
clínicos e em testes sorológicos – foi confirmado em apenas 400 amostras.
Mais de 100 dos casos
analisados deram positivo para o vírus Zika e, em uma das amostras, foi
identificado o vírus causador da febre chikungunya. Nas outras quase 300
amostras restantes não foi encontrado nenhum dos três arbovírus transmitidos
pelo mosquito Aedes aegypti (leia mais em http://agencia.fapesp.br/23736).
Em outros 400 pacientes
diagnosticados com Zika pelo critério clínico-epidemiológico, apenas 20%
apresentaram de fato o vírus no teste molecular. Outros 11% tinham dengue e 1%,
chikungunya.
“Temos uma vacina de dengue
licenciada e outra em desenvolvimento no Instituto Butantan. Mas, para avaliar
o custo/efetividade desses imunizantes, ou seja, o quanto vai custar para
vacinar a população e quanto a iniciativa vai economizar em internações e óbitos,
um parâmetro importantíssimo é o número de casos dessa doença”, disse Nogueira.
O grupo da Famerp também
acompanhou prospectivamente um grupo de 55 mulheres de São José do Rio Preto
que tiveram diagnóstico confirmado de Zika durante a gestação. Observaram
efeitos adversos em 28% dos casos, como pequenas calcificações no cérebro,
pequenas lesões em vasos cerebrais, surdez unilateral ou danos à retina.
O índice foi semelhante ao
observado em gestantes do Rio de Janeiro, porém, a severidade no interior de
São Paulo foi menor. Todos os bebês nasceram vivos e nenhum caso de
microcefalia ou de qualquer alteração neurológica grave foi identificado (leia
mais em http://agencia.fapesp.br/25408).
Esse estudo também mostrou que
foi possível detectar o vírus na urina das gestantes por até sete meses, mas,
em alguns casos, a carga viral sumia e depois voltava e quase sempre ficava no
limiar da detecção. Segundo Nogueira, esse dado sugere que o resultado negativo
obtido em um único exame pré-natal pode não ser suficiente para descartar a
infecção pelo Zika (leia mais em http://agencia.fapesp.br/26311).
Por último, Precioso contou
que entre 2003 e 2017 foram realizados no Instituto Butantan 12 ensaios
clínicos de candidatos a vacinas, que envolveram 497 pesquisadores e quase 21
mil voluntários. O maior deles, atualmente em andamento em 16 centros de
pesquisa do país, é o estudo de fase 3 da vacina contra os quatro sorotipos da
dengue (leia mais em http://agencia.fapesp.br/22727).
A fase inicial de
desenvolvimento do imunizante contou com apoio da FAPESP.
Durante a abertura do evento o
vice-presidente da FAPESP, Eduardo Moacyr Krieger, destacou que a missão do
ciclo de palestras é mostrar à sociedade os reflexos e repercussões das
pesquisas conduzidas no Estado de São Paulo.
“O povo paulista é que, por
meio dos impostos, mantém a pesquisa que a FAPESP financia. É importante saber
como esses estudos contribuem para o desenvolvimento do estado”, disse.
Carlos Américo Pacheco,
diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP, lembrou
que o primeiro encontro do ciclo teve como tema pequenas empresas inovadoras
apoiadas pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE). Ressaltou
ainda que no próximo dia 11 de dezembro haverá uma terceira edição do evento
sobre mudanças climáticas globais.
“Sabemos que são temas de
grande interesse para o Legislativo e para a sociedade paulista e refletem
parte da agenda de pesquisa que a FAPESP tem financiado nos últimos anos.
Esperamos reproduzir o ciclo ao longo do ano que vem em parceria com o ILP”,
disse Pacheco.
Karina Toledo |
Agência FAPESP – foto: NIAID / Wikimedia
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