Em
2015, Anvisa registrou cerca de 9 milhões de vendas em
farmácias do país
A
epidemia de opiáceos - medicamentos usados para conter dores agudas - é uma
realidade que já acometeu a Europa e, atualmente, preocupa autoridades
americanas. Mas, no Brasil, o uso dessas substâncias não tinha chamado a
atenção até ontem, quando uma pesquisa revelou o aumento de 465% nas
prescrições desses compostos entre 2009 e 2015, conforme antecipou a coluna de
Ancelmo Gois no GLOBO.
Entre
as hipóteses elencadas por especialistas para explicar o crescimento
significativo estão a eficácia dos tratamentos oncológicos, a ineficiência para
suspender a medicação de pacientes que recebem alta, e a falta de critérios
para prescrever a substância. Esses remédios, muitas vezes, também são
utilizados para tratar dores de coluna, enxaqueca, entre outras. Mas, além de
causar dependência, o abuso da droga pode levar à morte.
De
acordo com o estudo, liderado por Francisco Inácio Bastos, pesquisador da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), o número de vendas de opiáceos no
Brasil, em farmácias registradas, em 2009, era de 1.601.043; em 2015, a marca
chegou a 9.045.945. Os dados foram fornecidos pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa). A venda desses analgésicos no
Brasil é condicionada à apresentação de receita médica, e as substâncias também
podem ser ministradas em ambientes hospitalares.
O
levantamento mostra que a prescrição de codeína, que serve para o tratamento de
dores moderadas, é a mais comum no Brasil, correspondendo a cerca de 98% dos
registros pela Anvisa. Essa também foi a droga que apresentou maior
aumento absoluto no número de receitas (veja o gráfico ao lado). Também foi
registrado o uso de oxicodona e fentanil.
COMÉRCIO
ILEGAL
Os
pesquisadores chamam a atenção para a necessidade de acompanhar também o uso
dessas drogas sem prescrição médica, potencializado, sobretudo, pela internet.
-
Não acho que vá ser um problema a curto prazo, mas temos que ficar alertas em
relação à prescrição, ela tem que ser criteriosa. Além disso, é preciso ficar
atento em relação à comercialização ilegal na internet - destaca Bastos.
O
pesquisador explica que o aumento nas receitas, por um lado, é fruto de
mudanças positivas, como a evolução dos tratamentos de câncer, que faz com que
os pacientes vivam mais, gerando maior demanda por medicamentos que minimizem
dores. O que também se aplica às enfermidades reumáticas, como o lúpus. Por
outro lado, porém, evidencia algumas falhas do sistema de saúde.
-
Há uma dificuldade em fazer o "desmame" do medicamento em pessoas que
passaram por uma hospitalização e receberam alta. A retirada mal conduzida do
medicamento acaba gerando dependência - diz.
Para
Ilona Szabó, diretora do Instituto Igarapé - que organizou o evento
"Precisamos falar sobre drogas: prevenção para crianças e
adolescentes" onde a pesquisa foi apresentada, ontem, no Rio - , é preciso
trabalhar desde já para evitar que o quadro chegue a uma situação crítica como
acontece nos EUA, onde Donald Trump decretou o uso de opiáceos uma emergência
de saúde pública.
-
Quando se fala em drogas, só se pensa na droga ilícita, mas, nos Estados
Unidos, por exemplo, o maior número de overdoses é por drogas prescritas.
Precisamos acompanhar a evolução do consumo e entender o perfil dos usuários
para evitar um problema maior no futuro. No Brasil, atacamos o problema apenas
quando ele está num nível mais grave, seja no âmbito da saúde ou da segurança
pública. Mas, se não tivermos capacidade de olhar para a prevenção, não vamos
parar de enxugar gelo.
Paula
Ferreira paula.ferreira@infoglobo.com.br,
O Globo