Considerado um dos maiores
especialistas do mundo em arbovírus e pioneiro no estudo do Zika no Brasil, o
virologista Dr. Pedro Fernando da Costa Vasconcelos alerta que pelo menos três
vírus silvestres, hoje restritos a áreas rurais, ameaçam se espalhar pelo país
Em quase quatro décadas, o Dr.
Pedro Fernando da Costa Vasconcelos participou da identificação e descrição de
mais de 100 espécies diferentes de vírus. O médico paraense diagnosticou, em
2014, o primeiro caso brasileiro de febre do Nilo Ocidental e descreveu pela
primeira vez no Brasil as epidemias de Chikungunya no Amapá e Bahia.
Também coordenou o grupo de
pesquisa que esclareceu a ação do vírus da Febre Amarela em macacos,
facilitando a compreensão dos fenômenos verificados em pessoas acometidas pela
doença. Em 2015, seu grupo de pesquisa no Instituto Evandro Chagas (IEC),
isolou o vírus Zika do cérebro de um bebê com microcefalia, filho de uma mulher
do Ceará infectada na gestação.
Com base nesse trabalho, o
Ministério da Saúde (MS) emitiu comunicado estabelecendo a associação entre a
infecção por Zika e a microcefalia. Em 2016, a epidemia se espalhou pelas
Américas e o Dr. Pedro Vasconcelos representou o Brasil no comitê de emergência
da Organização Mundial da Saúde (OMS) que acompanhava o assunto.
Confira abaixo entrevista com
o presidente da SBMT.
SBMT: Quais arbovírus já foram
reconhecidos como potencialmente perigosos e que ameaçam se espalhar pelo
Brasil?
Dr. Pedro
Vasconcelos: São vários os arbovírus com potencial para se disseminar e
causar epidemias no Brasil. Entre os arbovírus nativos, que ocorrem há muito
tempo, certamente o alfavírus Mayaro e o orthobunyavírus Oropouche causadores
das febres do Mayaro e do Oropouche respectivamente, representam as maiores
ameaças, pois eles têm causado surtos ou epidemias na Amazônia há várias
décadas e existem evidências de expansão da circulação deles para outras áreas
fora da Amazônia e para outros países. Além disso, estudos experimentais
mostraram que os vetores Aedes aegypti e Aedes albopictus se
mostraram suscetíveis aos mesmos. O vírus da encefalite Saint Louis é outro que
tem mostrado sinais de expansão da distribuição e causado pequenos surtos na
Argentina e no Brasil. Aqui em nosso país ocorreu um surto em São José do Rio
Preto que foi simultâneo a uma epidemia de febre da dengue. Os chamados
arbovírus exóticos que podem ocorrer sob forma epidêmica e que já ocorrem no
Brasil, certamente que o vírus do Nilo Ocidental é o candidato mais forte.
Transmitido por
mosquitos Culex pipiens nos EUA, o VNO (WNV) foi possivelmente
introduzido no Brasil por pássaros migratórios. Existem evidências sorológicas
de circulação do VNO no Pantanal e na Amazônia, mas o VNO foi confirmado
causando encefalites no sertão piauiense.
E causou em 2017 uma epizootia
em equinos no Espírito Santo. No Brasil não se conhece ainda o transmissor, mas
o maior candidato é o Culex quinquefasciatus, pernilongo noturno que é
amplamente distribuído no país. Quanto aos vírus exóticos que não ocorrem no
Brasil, os mais prováveis são os alfavírus Ross River (originário da Austrália)
e Onyong’nyong que circula na África e também na Ásia, e o flavivírus
encefalite Japonesa que é originário da Ásia. Os dois primeiros são
transmitidos por Aedes aegypti, enquanto o terceiro por mosquitos Culex.
É preciso vigilância contínua de boa qualidade para detectar precocemente e
tentar evitar a disseminação desses arbovírus caso sejam introduzidos no
Brasil.
SBMT: Doenças erradicadas
voltaram a ameaçar o País. Fale um pouco dos desafios que o Brasil enfrenta e o
que deve ser feito para controlar as epidemias
Dr. Pedro
Vasconcelos: Bom, doenças de transmissão respiratória como o sarampo e a
rubéola devem ter vigilância constante para evitar o seu retorno. Veja o que
aconteceu com o sarampo. Houve múltiplas introduções do vírus a partir de
Roraima, cujos casos estão associados à migração de venezuelanos para esse e
outros estados amazônicos, mas também em São Paulo a partir de casos importados
da Europa. É difícil eliminar ou manter eliminado um vírus de transmissão
respiratória se a cobertura vacinal é muito baixa, como tem sido anunciado no
Brasil. É preciso fortalecer o PNI para que o Brasil volte a ser um exemplo na
cobertura vacinal.
Aliás, a baixa cobertura
vacinal tem sido a regra para praticamente todas as doenças imunopreviníveis.
Não dá para relaxar, é preciso ser incisivo e cobrar das secretarias de saúde
dos estados e municípios o aumento na cobertura vacinal em todos os níveis e
para todas as doenças imunopreviníveis, vincular a matrícula escolar com a
carteira de vacinação em dia, enfim temos que incentivar o aumento da cobertura
vacinal. Sem que ocorra melhora nas coberturas vacinais não tem como controlar
ou prevenir epidemias dessas doenças.
SBMT: O seu grupo foi o
primeiro a isolar o vírus Zika. A assistência às crianças que nasceram com
microcefalia continua um problema? Por quê?
Dr. Pedro
Vasconcelos: Sim é verdade, eu lembro que em 2015 quando aumentaram os
casos de microcefalia entre recém-nascidos no Nordeste, várias hipóteses foram
levantadas sobre a causalidade. É claro que já havia a suspeita de que o ZIKA
era o responsável, mas ninguém conseguia demonstrar. Nós no IEC conseguimos a
partir de um caso do Ceará e, em seguida, de vários casos dos estados da
Paraíba, Rio Grande do Norte e Maranhão. Com base nos nossos resultados o MS e
a OPAS/OMS confirmaram o nexo causal da microcefalia e outras malformações
congênitas com o ZIKA.
Quanto à assistência das
crianças que nasceram com microcefalia, nos primeiros meses houve muita
mobilização dos meios de comunicação e da área médica e o governo da época se
sensibilizou e recursos foram descentralizados para os estados mais afetados
para a assistência médica e de fisioterapia e fonoaudiologia, dentre outros
para amenizar os dramas familiares associados a essa situação. Infelizmente,
parece que essas crianças estão esquecidas pelos atuais governos e isso é muito
ruim, pois os custos para essas famílias são tremendos e, é bom lembrar, a
maioria dos casos de microcefalia ocorreu na população menos favorecida, o que
complica mais ainda a situação e o futuro dessas crianças.
SBMT: Em sua opinião, o que
pode ser feito para que a Medicina Tropical tenha mais prioridade e
visibilidade junto ao governo? O fato de o senhor ter sido diretor do IEC pode
contribuir de alguma forma?
Dr. Pedro
Vasconcelos: Primeiro eu devo dizer que é preciso que tenhamos um diálogo
aberto e direto com as autoridades do Ministério da Saúde, sem isso nada
funcionará. Como eu sou servidor do Ministério da Saúde no IEC, e mantenho bom
trânsito na SVS eu penso que poderemos ter mais participação na elaboração da
política para as doenças tropicais e infecciosas. Mas é bom lembrar que além da
educação que deve ser priorizada nas escolas para ensinar as crianças desde o
pré-escolar como se pode evitar e controlar essas doenças, é preciso um
investimento enorme em saneamento, na melhoria dos atendimentos nas UBS, UPAs e
na atenção terciária. As recentes epidemias de febre amarela mostraram que
mesmo em hospitais de referência o atendimento precisa melhorar. Eu digo isso
porque a letalidade da febre amarela entre 2016-2018 situou-se em patamares
muito próximos das taxas de letalidade em anos anteriores onde os casos
ocorreram em áreas remotas e sem a estrutura complexa dos hospitais nos estados
de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Preparar consensos de
tratamento deve ser uma prioridade para essas doenças, o que, aliás, já vem
sendo construído desde o governo anterior. A SBMT certamente terá um papel
fundamental nessa construção.
SBMT: A SBMT lidera uma
iniciativa chamada “Pró-Vacina SBMT Brasil”. Em sua opinião, quais os desafios
da vacinação no País atualmente?
Dr. Pedro
Vasconcelos: Como falei anteriormente, é preciso aumentar a cobertura
vacinal no país, sem isso não tem como prevenir ou controlar epidemias de
doenças como sarampo, febre amarela e todas as outras inclusive poliomielite.
Portanto, a iniciativa da SBMT em liderar o “Pró-Vacina SBMT Brasil” terá todo
o apoio. Um dos maiores desafios da vacinação no Brasil é estimular as famílias,
pais e responsáveis, para levar seus filhos para serem imunizados. As vacinas
em muitos casos é o único meio de se prevenir a ocorrência de surtos de
doenças.
Volto ao sarampo, se as
coberturas vacinais no Brasil fossem dentro do recomendado (acima de 95%) nós
não teríamos problemas com o sarampo, mas não, as coberturas em muitos estados
estavam próximo de 50%, isso quer dizer que um em cada dois cidadãos estavam
suscetíveis à doença, e por isso, e eu diria somente por isso, nós estamos
lidando com surtos nos estados do Amazonas, Pará, Roraima e São Paulo, gastando
muito dinheiro que poderia ter sido usado para outros fins na própria área da
saúde, para tentar conter a epidemia de sarampo no país. A consequência foi a
perda da certificação de eliminação do sarampo conseguido pelo Brasil com
muitas dificuldades em um país de dimensões continentais e com uma população de
mais de 200 milhões de habitantes.
SBMT: Recém-eleito, o senhor
assume a gestão com um grande desafio, o de sediar o 56º MedTrop. Fale um pouco
sobre isso.
Dr. Pedro
Vasconcelos: Bom, esse foi um dos argumentos usados pelos que me
antecederam para me convencer a assumir a presidência da SBMT. Sinval Brandão,
Mitermayer Reis e Marcus Lacerda me falaram sobre as dificuldades em organizar
o congresso anual da SBMT, e que fica muito mais fácil quando o presidente do
congresso também é o presidente da SBMT. Por isso aceitei, já que o congresso
do próximo ano será em Belém, e também porque eu vi o sucesso do congresso de
Recife durante a gestão do Sinval. Temos outros desafios pela frente: aumentar
o número de sócios e também aumentar os que pagam regularmente a anuidade.
Esses números precisam melhorar; iniciamos uma aproximação com a ASTMH
(American Society of Tropical Medicine and Hygiene) e definimos que uma
comissão da SBMT vai discutir em Washington, durante o congresso anual da ASTMH
um acordo para uma integração entre SBMT e ASTMH. Se der certo, estenderemos
para outras sociedades médicas congêneres de outros países. Esse é um grande
desafio; continuar fortalecendo a Revista da SBMT; aproximar mais a SBMT com o
Ministério da Saúde, especialmente com a SVS. Esses são os principais desafios,
mas é claro se outros virem a ocorrer nós estaremos prontos para a SBMT
contribuir com a população brasileira, principalmente as mais necessitadas, com
o Ministério da Saúde, universidades e com o país!
Com informações SBMT