LucasRocha (IOC/Fiocruz)
No continente americano, as
leishmanioses são causadas por várias espécies de parasitos do gênero
Leishmania. Quando infectados, os seres humanos apresentam um conjunto de
manifestações clínicas que podem comprometer a pele, mucosas e vísceras. As
diferentes apresentações da leishmaniose são confundidas clinicamente com
diversas doenças, o que torna o diagnóstico um desafio para profissionais de
saúde. O espectro clínico variado da doença depende ainda da interação de
vários fatores relacionados ao parasito, ao vetor e ao hospedeiro.
Considerando a complexidade
desse cenário, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) publicou um material
inédito voltado para gestores e profissionais dos serviços de saúde. O Atlas
Interativo de Leishmaniose nas Américas: aspectos clínicos e diagnósticos
diferenciais aborda de forma prática questões como situação
epidemiológica, manifestações clínicas, diagnóstico diferencial, parasitos,
vetores e animais reservatórios. Com fotografias e ilustrações que refletem o
cotidiano de trabalho nos serviços de saúde, a publicação oferece aos
profissionais a possibilidade de pesquisar, conhecer e analisar o conteúdo de
forma interativa. A obra considera, ainda, as diferenças clínicas encontradas
com frequência entre os países endêmicos. O documento, elaborado pela Opas em
parceria com os Ministérios da Saúde dos países da região e especialistas,
conta com a participação de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz
(IOC/Fiocruz).
“O atlas é de extrema
relevância para o manejo dos casos de leishmanioses. É uma obra inovadora que
discute conceitos e conhecimentos acerca da doença nos países do continente
americano, reunindo especificidades das suas distintas formas clínicas e de mais
de 50 outras enfermidades que fazem diagnóstico diferencial com as
leishmanioses”, afirma Elizabeth Ferreira Rangel, vice-diretora de de
Laboratórios de Referência e Coleções Biológicas do IOC, pesquisadora do
Laboratório Interdisciplinar de Vigilância Entomológica em Díptera e Hemíptera
e coordenadora do Laboratório de Referência Nacional para o Ministério da Saúde
e Regional para a Organização Pan-Americana da Saúde em Vigilância
Entomológica: Taxonomia e Ecologia de Vetores das Leishmanioses. A especialista
também é coordenadora da Rede Fiocruz de Laboratórios de Leishmanioses.
Conhecendo os parasitos
"O documento faz parte de
uma demanda dos profissionais que atuam na linha de frente do serviço em
leishmanioses. É uma importante atualização para todos os países onde a Opas
atua, que se torna uma referência principalmente por trazer informações de
grande qualidade e de uma forma bastante objetiva", aponta Elisa
Cupolillo, curadora da Coleção de Leishmania do IOC, chefe do Laboratório de
Pesquisa em Leishmaniose e coordenadora do Laboratório de Referência em
Identificação e Genotipagem de Leishmania para o Ministério da Saúde e a Opas.
Autora do capítulo sobre os
parasitos causadores das leishmanioses humanas nas Américas, a pesquisadora do
IOC ressalta que o conhecimento dos diferentes aspectos relacionados às
espécies é fundamental para o enfrentamento do agravo. "Os parasitos podem
trazer impactos variados que vão desde a resposta terapêutica até a questão do
desenvolvimento clínico. Algumas espécies estão relacionadas a quadros mais
brandos da doença, outras provocam formas mais agressivas, como a Leishmania
braziliensis. Ou seja, a identificação permite direcionar de forma mais
adequada a atenção ao paciente, por exemplo", explica.
Entre os destaques do capítulo
estão a descrição de novas espécies, revisões taxonômicas e atualizações sobre
a situação epidemiológica e a presença dos parasitos em diferentes países do
continente. Para a pesquisadora, o atlas estabelece uma aproximação entre a
pesquisa científica e uma ampla gama de profissionais de saúde pública
envolvidos com as leishmanioses, incluindo os responsáveis pelos cuidados com
os pacientes, pela realização do diagnóstico e pela coleta dos flebotomíneos,
insetos vetores, no campo. "A associação entre a pesquisa e o serviço é
importante, pois dessa integração surgem questões e demandas que podem
contribuir para um melhor diagnóstico ou para a definição de esquemas
terapêuticos mais eficazes", acrescenta.
Reservatórios e a manutenção
dos parasitos na natureza
Grupos de espécies
responsáveis pela manutenção de um parasito na natureza são chamados de
reservatórios. No Atlas, os pesquisadores Ana Maria Jansen e André Roque, do
Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos do IOC/Fiocruz, descreveram os principais
aspectos sobre os reservatórios das leishmanioses.
Roque destaca que as espécies
de Leishmania estão dispersas por diferentes habitats e biomas americanos e
infectam uma grande diversidade de espécies de mamíferos silvestres, além do
homem e do cão. Segundo o pesquisador, à exceção da espécie Leishmania
infantum, os parasitos circulam há milhões de anos na fauna silvestre, antes
mesmo da chegada do homem às Américas.
O capítulo destaca espécies
apontadas como potenciais reservatórios, como os gambás (Didelphis sp.),
os cachorros-do-mato (Cerdocyon thous), tatus (Dasypus novemcinctus),
cães, preguiças e roedores com diferentes espécies de Leishmania. "As
peculiaridades da interação parasito-hospedeiro, em especial no que diz
respeito à potencialidade desse hospedeiro em ser fonte de infecção ao vetor, é
que definirão seu papel como reservatório. Esse papel não é um atributo fixo de
um dado hospedeiro e, uma vez que depende da interação parasito-hospedeiro, ele
também varia no tempo e no espaço", explica Roque.
Para os autores, além de
contribuir para a conduta clínica e diagnóstico diferencial dos pacientes, o
conteúdo do altas mostra a complexidade da parasitose e a importância da
avaliação das variáveis relacionadas à doença de forma conjunta. "As
leishmanioses são zoonoses dispersas no ambiente selvagem. O homem é apenas
mais um hospedeiro de seu ciclo de transmissão e normalmente é o que chamamos
de hospedeiro fim de linha no ciclo de transmissão. Para propor medidas de
controle e prevenção de uma parasitose tão complexa, é essencial que avancemos
no conhecimento de todos os atores envolvidos na transmissão: parasitos,
vetores, reservatórios e o ambiente onde estão incluídos", concluiu
Jansen.