|
Fábio Franke: Brasil tem 576 novos diagnósticos de câncer por ano |
O Brasil está perdendo oportunidades no campo da pesquisa clínica de novos medicamentos por conta de um sistema burocrático que engessa os pedidos de autorização para estudos, advertiram pesquisadores e organizações sociais em audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) nesta terça-feira (18). Entre os expositores, o presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antônio Brito Filho, afirmou que apenas no ano passado foram inviabilizados 112 estudos em parceria com centros de pesquisa no exterior.
— A indústria não perde nada. Quando o estudo não vem para o Brasil, a indústria desenvolve em outro lugar, e um dia o medicamento vai chegar aqui. Quem perde é o paciente, que dele dependeria, e o pesquisador, para seu aperfeiçoamento — observou
Brito afirmou que os embaraços decorrem de um sistema de licenciamento sem similar no mundo, composto de três a quatro instâncias de análise, envolvendo “retrabalhos” que prolongam em demasia o tempo de avaliação para concessão das licenças. Segundo ele, o tempo de aprovação no país pode chegar a um ano e, na melhor hipótese, representa o dobro da média mundial.
Voluntários
As pesquisas clínicas de medicamentos envolvem estudos com seres humanos, em caráter voluntário, com o objetivo de validar e viabilizar medicamentos, produtos e insumos na área da saúde. Seguem protocolos rigorosos, que são normatizados por resoluções nacionais e internacionais. No Brasil, os pedidos passam pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculados ao Conselho Nacional de Saúde, e também pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
De acordo com Brito, nos Estados Unidos os centros de pesquisa conseguem licenças em até 60 dias. Na Europa, o tempo pode variar entre 60 e 68 dias, enquanto a Coréia do Sul, país que vem se notabilizando nesse campo dos estudos, as autorizações saem dentro de 30 dias. Segundo ele, não adianta constatar que o sistema nacional vem ganhando agilidade, mas reconhecer que ainda perde para a grande maioria dos países e necessita “se colocar no jogo”.
— A disputa é mundial e, portanto, é insuficiente avançar um pouco se alguém lá fora continua andando mais — opinou o representante da indústria.
Ética versus burocracia
Brito refutou a ideia de que as exigências éticas no caso de pesquisas com novas drogas envolvendo testes em humanos exigem cuidados extremos que justificam a burocracia. Segundo ele, é perfeitamente possível conciliar ética, rapidez e eficácia. A seu ver, a verdadeira questão seria a “visão conservadora” sobre pesquisa que prevalece no Conselho Nacional de Saúde.
— Tem que se estabelecer claramente na cabeça do respeitável Conselho que não é pecado falar em pesquisa — enfatizou.
Conquistas
Jaderson Sócrates Lima, que representou a Associação Médica Brasileira (AMB), destacou que os pacientes são os grandes beneficiários das pesquisas clínicas de medicamentos. Ele observou que doenças que no passado eram fatais hoje podem ser curadas ou controladas com medicamentos que dependeram de estudos em humanos. Citou o Acidente Vascular Cerebral (AVC), com redução de 70% da mortalidade, e o HIV-AIDS, com redução de 65% das mortes nas duas últimas décadas, além do sarampo, hoje praticamente extinto no mundo.
De acordo com o expositor, o tema não é de interesse exclusivo da indústria farmacêutica, já que a área estatal também financia e realiza pesquisas em seus próprios centos. Ele defendeu mudanças no atual sistema de regulação e a participação de todos os segmentos no debate para a definição do novo modelo.
Desvantagem no SUS
O avanço do câncer em todo mundo e a necessidade de avançar nas pesquisas foram destacados pelo especialista em oncologia Fábio Franke, coordenador do Centro de Alta Complexidade em Oncologia do Hospital de Caridade de Ijuí (RS). Segundo, os diagnósticos da doença aumentaram, saindo de 14 milhões para 22 milhões de casos novos por ano. No Brasil, seriam 576 novos diagnósticos anuais. Ele também criticou a demora para inclusão de novas drogas nos protocolos de tratamento do Sistema Único de Saúde.
- Quando a droga é aprovada, só fica acessível para pacientes do sistema privado. O SUS é o último destino, o que leva muitos pacientes a requisitar por via judicial – observou.
O pesquisador afirma que desde 2010 a comunidade envolvida em pesquisa clínica de medicamentos vem debatendo a necessidade de um novo modelo de análise das licenças para estudos. Segundo ele, a pesquisa clínica no país pode acabar se não houver mudanças. Observou que novas drogas, mesmo quando não representam cura definitiva, podem assegurar o controle de doenças e mais qualidade de vida para os pacientes.
— Muitos podem casar, ter filhos, escrever artigos e dar exemplo de que é possível, sim, uma melhor – observou.
Experimentos
Luciana Holtz, que preside o Instituto Oncoguia, uma associação sem fins lucrativos, criada e idealizada com o objetivo de ajudar o paciente com câncer a viver melhor, apresentou os resultados de pesquisa a respeito da disposição dessas pessoas em participar de pesquisas clínicas. Os dados mostram que 90% se dispõem a participar e 100% reconhece a importâncias desses estudos para o avanço dos meios de tratamento e cura.
- O câncer não espera, então vamos reduzir o tempo e aumentar o número de pacientes que podem se beneficiar da pesquisa clínica.
Flávio Cárcano, gerente da área de pesquisa clínica do Hospital de Câncer de Barretos, manifestou as mesmas preocupações, lamentando a impossibilidade de participar de ensaios clínicos internacionais que podem beneficiar os pacientes da instituição, em decorrência dos entraves que impedem a adesão. Também destacou a “angústia de famílias devastadas” em busca de medicamentos que o SUS se recusa a oferecer. Esses pacientes desejariam participar dos testes, se não estivessem impedidos.
— A gente não pede menos ética, mas sim eficiência – cobrou.
Agência Senado Gorette Brandão