Evento realizado na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio reúne pesquisadores e autoridades que avaliam os 20 anos de políticas e ações no segmento
Cerca de 100 pessoas, entre pesquisadores, docentes, estudantes e autoridades do Ministério da Saúde prestigiaram a abertura do Seminário 20 anos de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde no Brasil, realizado pela Abrasco em conjunto com a Fundação Oswaldo Cruz. O evento foi realizado nos dias 18 e 19 de setembro na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), no campus Manguinhos, na sede da Fiocruz, no Rio de janeiro, e faz parte das atividades preparatórias da 15ª Conferência Nacional de Saúde, que será realizada em 2015.
Luis Eugenio de Souza, presidente da Abrasco e membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS), saudou os presentes, afirmando a satisfação da Associação e do Conselho na promoção do seminário. “Muito se avançou nesses 20 anos na área da Ciência e Tecnologia em Saúde. Desenvolvemos uma política, avançamos na inovação e tantos outros aspectos. No entanto, é necessário falar que essas conquistas até então adquiridas não estão asseguradas. Nosso quadro de dependência das importações ainda é grande e temos de autoviabilizar a produção de insumos e tecnologias para o SUS. É uma questão de independência. Queremos com esse evento fazer este balanço e pensar os próximos 20 anos, com o intuito de assegurar condições para a estruturação do Complexo Econômico Industrial da Saúde com qualidade e em bases que o país possa manter.”
Na sequência, Mitermayer Galvão, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, colocou a entidade e escopo científico aos quais representa a serviço das políticas de CT&I em Saúde. “Uma das preocupações que temos é a transição demográfica que vivemos em nosso país e o risco das re-emergências das doenças endêmicas, como a Doença de Chagas, e de doenças crônico-degenerativas. Convido a todos a ver na Medicina Tropical a possibilidade de inovação. Estamos preparados para o desafio”, destacou Galvão, citando a criação de um teste diagnóstico rápido e portátil para a leptospirose, desenvolvido por pesquisadores brasileiros ligados à Sociedade e que já conta com autorização da Anvisa.
Coalizão Estratégica: Na sequência, Carlos Gadelha, Secretário Nacional de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (SCTIE/MS) discorreu sobre os avanços por que a área passou, quando começou como uma área acessória e de escasso orçamento até a constituição da Secretaria, em 2004. “No início, muitos criticavam o avanço conceitual e político da Ciência e Tecnologia na área da Saúde, mas muito do que aconteceu nesses 20 anos deve-se a essa apropriação do tema pela Saúde Coletiva, quando o tema passou a entrar na agenda do CNS com importante protagonismo; na formulação de um documento da Abrasco de 2011, e por esta instituição, a Fiocruz”.
Esses esforços, segundo o Secretário, colocam o Brasil na quarta posição entre as nações que mais aumentaram a produção científica em saúde e fazem com que o país tenha capacidade de pensar uma política “não para as PDPs (as parcerias de desenvolvimento produtivo), mas sim uma política de desenvolvimento econômico industrial voltada para a soberania.”
Carlos Gadelha citou experiências de outros países que não souberam fazer essa política, como o México, que adotou o modelo das cadeias globais de competitividade e hoje é obrigado a fazer importações para a revenda de tecnologia, ficando subordinado às decisões das empresas internacionais que, mesmo com toda a disputa entre elas, chegam juntas e afinadas para as reuniões com os governos.
Para ele, o momento exige a criação de uma coalizão estratégica na defesa e na ampliação dessa visão política, que não está ganha dentro da estrutura do Estado brasileiro, mas que é a única com possibilidade de capacitar o Sistema Único de Saúde e garantir a autonomia brasileira. “Temos um Sistema para atender 200 milhões de pessoas, mas passamos por problemas com produtos para a Atenção Básica e para tratamentos oncológicos. Temos de ter um Complexo Econômico Industrial que atenda o SUS como um todo, e não apenas desenvolver três produtinhos de nicho para entrar no mercado global. Ou aceitamos que a construção do SUS depende de uma política nacional de CT&I ou não teremos uma saúde pública possível. Temos de ter essa ousadia de ter um SUS que cumpra a Constituição Brasileira, que seja igualitário e equânime. Vamos brigar, nos debater, mas vamos fazer uma coalizão para entrar com força nesse embate”.
CT& I para além dos muros: Paulo Gadelha, presidente da Fiocruz, agradeceu a presença de todos e destacou a vinda daqueles que já passaram pelo Ministério da Saúde e pela Fundação e deram colaborações importantes para a área, como os pesquisadores Carlos Morel, Luis Fernando da Rocha Ferreira da Silva, Moisés Goldbaum, Reinaldo Guimarães e José da Rocha Carvalheiro, presentes à abertura e que comporão as demais sessões do evento.
Em sua fala, destacou que a comunidade acadêmica sabe o que precisa e o que é necessário na área da Ciência e Tecnologia em Saúde, como expresso na aprovação quase unânime da carta política aprovada no VII Congresso Interno da Fundação, em agosto último. “Uma ideia força que o texto traz é que a saúde tem de estar no centro das discussões de desenvolvimento do país, pois é o setor que tem capacidade de fazer a sinergia entre direito, cidadania e políticas sociais para a população brasileira”.
Para Paulo Gadelha, os últimos 20 anos significaram uma virada significativa de como o Ministério da Saúde se relaciona com a área de CT&I. Na visão do presidente da Fundação, a pasta era passiva frente às produções e demandas. Mesmo com o marco da 1ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde, levou-se seis anos para a criação do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) e dez para a fundação da Secretaria. “O processo foi tardio e nosso tempo é muito curto”.
Os desafios postos ao futuro são enormes, na visão de Paulo Gadelha. Deve-se pensar o segmento para além dos pares e fora dos muros da academia, entendendo e estimulando a capacidade de a população se apropriar sobre o tema. Isso diz respeito também à constituição das prioridades para esse segmento, que deve ter uma matriz clara para a definição das propostas e dos projetos. “A pesquisa estratégica produz conhecimento novo e é voltada para resolver problemas, mas temos de dizer quais são, senão vamos continuar engatinhando”, disse Gadelha, indicando que áreas como a Atenção Básica, a violência e pequisas clínicas em câncer, neurociência e hipertensão estão no foco das ações da Fundação, tanto pela necessidade quanto pela capacidade de indução de novos trabalhos, que devem ser desenvolvidos em rede e em plataformas. “Discutimos aqui um projeto de Brasil, que encontra-se em debate nesse período eleitoral. E, como sabemos, a produção de conhecimento em ciência e tecnologia não tem nada de neutro. Teremos com a Conferência do ano que vem uma grande oportunidade de exercitar isso”. Acompanhe no Portal Abrasco os debates do evento.
Fotos: Flaviano Quaresma