O aprimoramento da atual legislação,
a redução da burocracia e a definição de um regime próprio de aquisições para a
pesquisa estiveram entre as sugestões apresentadas nesta segunda-feira (29) em
audiência pública sobre a integração entre universidades e empresas em favor da
inovação tecnológica. O evento foi realizado na Comissão de Ciência,
Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), por iniciativa do
senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que presidiu a reunião.
O Brasil hoje
abriga 94 parques tecnológicos, segundo o diretor de Fomento à Inovação do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Igor Manhães. Em
sua opinião, os núcleos de inovação tecnológica das universidades são
fundamentais para o sucesso da integração, mas precisam de mais autonomia na
negociação de projetos com as empresas, o que demora muito devido à burocracia.
- É fundamental que
os núcleos tenham orçamento próprio para gerir atividades. Precisam de pessoal
qualificado, com experiência de mercado e que conheça a realidade da
universidade. Os alunos saem da universidade com ideias boas, mas sem
conhecimento da realidade de mercado. Precisamos pensar em novas formas de
integração entre o empreendedor, a universidade e as novas tecnologias –
afirmou.
“Empresas-filhas”
O diretor-executivo
da Inova/Unicamp, Milton Mori, destacou o papel pioneiro da universidade na
integração com empresas. A Unicamp, afirmou, mantém hoje afiliadas 254
“empresas-filhas”, fundadas por ex-alunos e professores da instituição para a
criação de patentes, sobretudo em aplicativos de tecnologia da informação (TI)
e engenharia, entre outras áreas. A universidade mantém vigentes 945 patentes.
Entre os entraves à
inovação, Mori citou a existência de normas regulatórias e a falta de liberdade
para a comercialização de patentes pela Unicamp. Ele também mencionou a Lei de
Licitações (8.666/1993), que ele classificou de “lei anti-ciência”, além
dos registros demorados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI),
a elevada carga tributária e a morosidade na abertura de empresas.
- O INPI tem que
ter autonomia, uma reestruturação forte para avançar na inovação. Sem isso o
país não vai. No Canadá, [a abertura de empresas] leva cinco dias. Na Nova
Zelândia, meio dia. Nós levamos no Brasil 105 dias – afirmou.
Ameaça à inovação
Para o consultor
Cláudio José Marinho Lúcio, as leis trabalhistas são a principal ameaça à
inovação no Brasil. Ele citou como exemplo o Porto Digital de Recife, que
apontou como um dos mais bem sucedidos na área de tecnologia da informação. Ele
observou que o empreendimento, que funciona há 15 anos, reúne 250 empresas que
empregam 7.500 pessoas, com faturamento acima de R$ 1 bilhão.
- O lucro em
atividade de pesquisa e inovação é a única forma de usar recursos livres. A
maior parte dos recursos está vinculada à legislação, que ainda é muito armada,
diante da fragilidade institucional que temos no país para fazer inovação –
afirmou.
O consultor disse
que os mecanismos que levariam o Brasil a inovar de forma competitiva ainda são
precários, e cobrou a regulamentação dos investimentos em incubação e a
participação em startups, já previstas na Lei de Informática (8.248/1991).
- É preciso avançar
numa floresta de indefinições. É preciso priorizar o teor de inovação nos
projetos pesquisados. Há ambiente de medo diante de tantas restrições.
Evoluímos em parques tecnológicos. Precisamos de lei de software. Já temos a
lei de hardware. Estamos atrelados às estratégias de empresas de hardware –
afirmou.
DNA do estudante
Para o decano de
Administração da Universidade de Brasília (UnB), Luís Afonso Bermudez, a
produção de boas patentes está ligada ao DNA do estudante de graduação e de
pós-graduação, que precisa ser bem formado. Ele também defendeu melhoria na
gestão da transferência do conhecimento, como forma de antecipar às demandas
futuras da sociedade.
- Para que a gente
tenha inovação e empreendedorismo, temos que ter transgressão e ambiente em que
a gente permita isso, com curiosidade e criatividade. E isso é muito difícil
hoje. Quem vai produzir não recebeu bagagem de pensar diferente a coisa nova. E
nós não estamos ensinando nossa juventude a pensar na coisa nova – afirmou.
O representante da
UnB observou que as grandes empresas não precisam de relação com a
universidade, pois elas sabem onde está o conhecimento, ao contrario dos
pequenos e médios empresários, que necessitam de apoio do governo. Em sua
avaliação, o governo dever dar condições de operacionalizar missões de inovação
à indústria, comércio, serviços e entidades que colaboram com desenvolvimento
regional.
Bermudez disse
ainda que o regime jurídico único não serve para gerir parques científicos
tecnológicos e incubadoras de empresas. Segundo ele, as compras e contratações
precisam de regulamento próprio, a exemplo do que ocorre com o Sistema S, que
reúne SENAI, SESC, SESI e outras entidades. O professor também afirmou que
falta esclarecimento aos fiscais do trabalho, que na maioria das vezes promovem
uma fiscalização sem levar em conta as especificidades da nova economia global.
Conhecimento
Para o gerente da
Unidade de Acesso à Inovação e Tecnologia do Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Célio Cabral de Sousa Júnior, o Brasil já
atingiu certo patamar de conhecimento científico e tecnológico, o qual precisa
ser transformado em realidade, sobretudo para os pequenos negócios.
Cabral disse que a
herança cultural ibérica dificulta a relação universidade-empresa, que
manifesta uma grande aversão ao risco, tanto do ponto de vista empresarial como
do acadêmico, o que acaba causando conflito de interesses entre as partes.
Ele afirmou também
que é necessário pensar em uma estratégia de longo prazo para ciência,
tecnologia e inovação, para que os institutos de pesquisa mantenham uma
diretriz mais ampla e não fiquem reféns de políticas adotadas a cada governo.
O representante do
Sebrae avaliou ainda que é preciso facilitar o acesso do pequeno negócio ao
conhecimento de ponta. Ele também criticou a Lei de Licitações (8.666/1993) e sugeriu a criação de um
regime diferenciado de contratação (RDC) para investimentos em pesquisa e
desenvolvimento.
- Não se pode usar
a mesma lógica de fiscalização de construção de uma ponte ou estrada para
conhecimentos intangíveis como a ciência e a inovação.
Agência Senado Ana
Volpe/Agência Senado