Estudo
confirmou, com testes em camundongos, uma suspeita que já havia sido levantada
por diversos cientistas
Os
efeitos da infecção por zika ficam mais severos após
uma infecção por outros flavivírus – como os vírus da dengue e da febre do
Oeste do Nilo -, de acordo com uma nova pesquisa. Publicado nesta sexta-feira
(31), na revista Science, o estudo confirmou, com testes em
camundongos, uma suspeita que já havia sido levantada por diversos cientistas a
partir de ensaios em culturas de células.
De
acordo com o autor principal do estudo, Jean Lim, da Escola de Medicina Icahn,
do Hospital Mount Sinai, em Nova York (Estados Unidos), caso as conclusões do
estudo em camundongos sejam válidas também para humanos, será preciso ter
cuidado no desenvolvimento de vacinas: em tese, uma pessoa vacinada contra um
dos flavivírus, ao ser infectada por zika, poderia ter seus sintomas agravados.
“É
urgente fazer novos estudos para saber se isso de fato pode ocorrer em
humanos”, afirmou Lim. No novo estudo, os cientistas injetaram em camundongos
anticorpos humanos de 141 indivíduos infectados com dengue e de 146 outros
infectados com a febre do Oeste do Nilo. Depois de infectados, os camundongos –
que foram geneticamente modificados para se tornarem suscetíveis aos flavivírus
– foram expostos à infecção pelo vírus da zika. Outro grupo de animais foi
infectado com zika sem receber os anticorpos.
Entre
os animais que não receberam os anticorpos, a taxa de sobrevivência à infecção
por zika foi de 93%. Já os camundongos que receberam anticorpos, tiveram alta
taxa de mortalidade. A infecção foi mais agressiva entre os que receberam
anticorpos de dengue: a taxa de sobrevivência foi de apenas 21%.
O
estudo descreve o estado dos camundongos que receberam os anticorpos da dengue
e o vírus da zika como “seriamente doentes”, com sintomas que incluíam perda de
peso, surdez, febre, paralisia e morte. Os níveis de vírus da zika encontrados
em seus tecidos foram 10 vezes maiores que os registrados nos animais que não
receberam anticorpos.
Segundo
os pesquisadores, os resultados representam um grande desafio para o
desenvolvimento de vacinas contra esse grupo de vírus. Eventualmente, a
exposição a um vírus resulta em uma doença mais grave quando é sobreposta à
infecção por vírus semelhantes – um fenômeno que os cientistas chamam de
aumento dependente de anticorpos.
Caso
seja confirmado futuramente que o aumento dependente de anticorpos também
ocorre em humanos, isso poderia ajudar a explicar a explosão da recente
epidemia no Brasil, onde em algumas comunidades 90% da população foi infectada
por dengue, segundo os autores do estudo.
Os
camundongos que receberam os anticorpos da dengue ou da febre do Oeste do Nilo
também apresentaram níveis mais altos do vírus da zika nos testículos e na
medula espinhal que os animais do grupo de controle. “Aparentemente, por causa
do aumento dependente de anticorpos, o vírus foi capaz de se introduzir em
áreas que normalmente são relativamente protegidas”, disse Lim.
Segundo
o cientista, isso poderia aumentar os casos de transmissão sexual da zika. A
presença de níveis mais altos do vírus na medula espinhal dos camundongos
também ajudaria a explicar dois dos problemas do sistema nervoso central
ligados à zika: a microcefalia em bebês e a síndrome de Guillain-Barré em
adultos.
No
artigo, os autores destacam já ser conhecido o fato de que o aumento dependente
de anticorpos pode agravar as infecções por dengue: o vírus que provoca essa
doença tem quatro diferentes subtipos e a segunda infecção por um subtipo
diferente desencadeia os casos mais severos.
Segundo
os cientistas, isso ocorre porque os anticorpos da primeira infecção podem se
encaixar em um local do vírus e em outro local das células. Assim, em vez de
bloquear a infecção, os anticorpos acabam agravando-a, levando à dengue
hemorrágica. Uma proteína existente na superfície do vírus da zika, que é o
alvo preferencial dos anticorpos, é extremamente semelhante às que existem nos
vírus da dengue e da febre do Oeste do Nilo.
No
ano passado, um estudo liderado por Gavin Screaton, do Imperial College London,
já mostrava que a semelhança entre os vírus da zika e o da dengue pode agravar
os problemas. Em estudos in vitro, ele demonstrou que o vírus da zika tem muito
mais probabilidade de infectar células humanas quando elas entram antes em
contato com anticorpos da dengue.
Do
Estadão Conteúdo, Foto: Alexandre Gondim / JC Imagem, por Malu Silveira