O julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 5543, na qual são questionadas normas do Ministério
da Saúde e da Anvisa que restringem a doação de sangue por homossexuais
masculinos, deve prosseguir na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal
(STF) de amanhã. Nesta quarta-feira (25), após os votos dos ministros Luís
Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber, que seguiram o relator, ministro Edson
Fachin, para julgar inconstitucionais os dispositivos, e do voto do ministro
Alexandre de Moraes, que julgou parcialmente procedente a ação, o julgamento foi
suspenso.
Os dispositivos questionados
na ação pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) – artigo 64 (inciso IV) da
Portaria 158/2016,
do Ministério da Saúde, e artigo 25 (inciso XXX, alínea ‘d’) da Resolução RCD
34/2014 da Anvisa – estabelecem critérios de seleção para potenciais
doadores de sangue, declarando inaptos, entre outras hipóteses, os “homens que
tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes”
nos 12 meses antecedentes.
No início do julgamento, na
sessão anterior (19), o relator votou pela procedência da ação, para somente
declarar a inconstitucionalidade da alínea ‘d’ do inciso XXX do artigo 25 da
RDC nº 34, da Anvisa, por entender que o estabelecimento de um grupo de risco
com base em sua orientação sexual não é justificável. Para ele, os critérios
para a seleção de doadores de sangue devem favorecer a apuração de condutas de
risco, do contrário, estabelecem uma restrição desmedida com o pretexto de
garantir a segurança dos bancos de sangue.
Ministro Alexandre de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes
explicou que a legislação que trata da política nacional de sangue, componentes
e derivados no país (Lei 10.205/2001 e Decreto 3.990/2001) aponta a necessidade
de proteção específica ao doador, ao receptor e aos profissionais envolvidos.
Essas normas, contudo, não foram questionadas na presente ação. E, para o
ministro, a leitura dos atos questionados fora do contexto dessa legislação faz
parecer que se tratam de atos discriminatórios contra homossexuais masculinos.
Mas, de acordo com o ministro, desde 2001 as normas sobre essa questão vêm
progredindo, limitando restrições a partir de estudos técnicos.
Em que pese o fato de os
textos impugnados serem relacionados a questão relativa a orientação sexual,
frisou, os dispositivos estabelecem uma série de limitações fixadas a partir de
estudos técnicos e científicos, não tendo sido editadas por conta de orientação
sexual. O ministro citou, como exemplos, a vedação a portadores de piercings e
tatuagens, desde que não haja possibilidade de verificar a segurança de como
foram feitas, de portadores de hepatite tipo B e C, e até de pessoas que
pularam de paraquedas nas últimas 48 horas.
No direito comparado, o
ministro citou a legislação de diversos países, principalmente europeus, que vedam
a doação de sangue para homens que mantiveram relações sexuais, por diferentes
períodos. O ministro entendeu que se a diferenciação for baseada na
orientação sexual, haverá uma discriminação absurda e uma norma
inconstitucional. Mas se for uma norma editada a partir de conduta de risco,
como tantas outras dispostas na Resolução e na Portaria, aí será preciso
analisar se há proporcionalidade no tratamento dessa conduta de risco.
Nesse sentido, o ministro
Alexandre de Moraes disse ser necessário, no caso, separar fatos técnicos
de preconceitos. E, segundo o ministro, o Boletim Epidemiológico de 2016 relata
um aumento de casos de Aids entre homens e redução de casos entre as mulheres.
Além disso, o ministro ressaltou que foi informado pelo reconhecido infectologista
David Uip que a possiblidade de transmissão do vírus nas relações sexuais entre
homens é muito maior do que nas relações entre homens e mulheres. Por fim,
revelou que informações do Hemocentro de Ribeirão Preto (SP) dão conta de que
15,4% das doações feitas por homens que fizeram sexo com outros homens
apresentaram o vírus HIV, enquanto que nas demais doações esse índice foi
inferior a 0,03%.
Por esses fatos, o ministro
disse entender que as normas questionadas não pretenderam discriminar a orientação
sexual de homens que fazem sexo com outros homens, mas se fundaram em critérios
técnicos, com o objetivo de evitar maiores riscos de contaminação aos
receptores de sangue, garantindo um efetivo direito a proteção à saúde e
dignidade humana. E também para garantir a segurança dos profissionais, até
para evitar eventual responsabilização de autoridades médicas que não tomarem
esses cuidados, salientou o ministro, revelando que já houve casos de
condenação a profissionais da área por transfusões que não foram bem
verificadas.
Em seu voto, Moraes disse que
é possível garantir o direito do homossexual em doar sangue, apesar da
restrição da abstinência sexual por 12 meses, o direito do receptor, que tem
direito de receber um sangue da melhor qualidade possível para proteção da sua
saúde, bem como o direito do profissional em ver minimizado o risco de
transmissão de doenças por transfusão, evitando, em relação a ele, eventual
responsabilização profissional e judicial.
Assim, o ministro votou no
sentido de julgar parcialmente procedente a ação para declarar a
inconstitucionalidade do inciso IV do artigo 64 da Portaria 158/2016 do
Ministério da Saúde, segundo o qual consideram-se inaptos para a doação, por
doze meses, homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as
parceiras sexuais. Votou, também, para fazer declaração parcial de nulidade,
com redução de texto, do inciso XXX do artigo 25 da resolução da Anvisa, para
retirar o prazo de 12 meses de abstinência. Por fim, dar interpretação conforme
a Constituição à alínea ‘d’ da mesma resolução, para dizer que é possível a
doação por homens que fizeram sexo com outros homens, desde que o sangue
somente seja utilizado após o teste imunológico, a ser realizado depois da
janela sorológica definida pelas autoridades de saúde.
Nesses casos, explicou o
ministro, após a necessária triagem, incluindo a realização do questionário
individual, o material coletado de homens que fizeram sexo com outros homens,
independentemente do prazo de 12 meses, deve ser identificado, separado,
armazenado e submetido a teste sorológico somente após o período da janela
imunológica, a ser definida pelos órgãos competentes, para afastar qualquer
possibilidade de contaminação. Com isso, concluiu o ministro, fica respeitando
o direito do doador, que quer auxiliar o próximo, tirando o obstáculo legal,
mesmo que fundamentado, garantindo o direito do receptor, que saberá que os
exames foram feitos após a janela sorológica, e estaremos embasando
profissionais que atuam na área, para que não sejam responsabilizados.
Ministro Barroso
O ministro Luís Roberto
Barroso acompanhou o relator da ação, ministro Edson Fachin, pela
inconstitucionalidade dos atos normativos questionados, por considerá-los
desproporcionais, uma vez que restringem direitos fundamentais dos homossexuais
masculinos. Pelos atos impugnados, disse o ministro, o período de inaptidão é
de 12 meses. Este critério não se sustenta e é claramente excessivo. O ministro
salientou que se o problema é a janela imunológica, a regra que impõe
abstinência por 12 meses impede o desfrute de uma vida sexual normal, sendo
absolutamente desnecessária. A norma peca pelo excesso, caracterizando uma
violação do mandamento da proporcionalidade.
Como reforço de sua tese, o
ministro citou o caso da Espanha, país que não restringe a doação por
homossexuais, e onde não se detectou a transmissão de HIV por transfusão de
sangue nos anos de 2014 e 2015. E o exemplo do México, onde também não se
restringe esse tipo de doação e desde 2009 não houve transmissão de HIV pela
via sanguínea.
Ministra Rosa Weber
Ao também acompanhar o
relator, a ministra Rosa Weber disse entender que as normas questionadas
realmente promovem um tratamento discriminatório quando elegem como critério de
inaptidão para doação de sangue a orientação sexual do doador, e não a conduta
de risco. Tais normas, segundo a ministra, desconsideram, por exemplo, o uso de
preservativo ou não, o fato de o doador ter parceiro fixo ou não, informações
que para a ministra fariam toda diferença para se poder avaliar condutas de
risco. A ministra considerou que, no caso, foi desatendido o princípio da
proporcionalidade.
Ministro Luiz Fux
O ministro Luiz Fux também se
manifestou pela inconstitucionalidade das normas que, para ele, ao invés de
terem eleito determinadas condutas de risco como critério de inaptidão para
doação, elegeram um grupo de risco, exatamente por sua orientação sexual. De
acordo com o ministro, a premissa do legislador foi no sentido de que a maioria
dos homossexuais seria portador de HIV, enquanto que pesquisas dizem que
atualmente os homossexuais são bem mais cuidadosos, e que o citado aumento de
infectados estaria ocorrendo entre homens heterossexuais. Por fim, o ministro
disse entender que a norma é desproporcional ao impor o prazo de 12 meses,
levando-se em conta que, atualmente, a janela imunológica abrange um tempo bem
menor, na casa de 10 a 15 dias.
MB/CR