O
Tribunal de Contas da União (TCU) promoveu, na última terça-feira (5), um
debate sobre as mudanças provocadas pela Lei 13.303, conhecida como Lei das
Estatais.
O
tema central do debate foi o impacto do novo regime de aquisições nas empresas
públicas e sociedades de economia mista, inaugurado pela Lei, e que distancia
essas empresas das regras tradicionalmente aplicadas à administração pública
federal. O encontro foi realizado no âmbito dos Diálogos Públicos, série de
eventos coordenados pelo TCU com o objetivo de estimular o intercâmbio de informações
e conhecimentos entre a sociedade, o Congresso Nacional, os gestores públicos e
o próprio Tribunal.
Na
abertura do encontro, o presidente do TCU, ministro Raimundo Carreiro,
ressaltou a oportunidade do evento, em especial neste momento em que o Tribunal
vai colaborar com subsídios aos debates do projeto de lei que trata do novo
estatuto geral das licitações e contratos, que se encontra em estudo na Câmara
dos Deputados.
Raimundo
Carreiro também destacou a importância de um acordo de cooperação que o TCU
firmou com a Fundação Getúlio Vargas, com o objetivo de assegurar e ampliar a
disponibilidade de informações sobre as empresas estatais brasileiras, por meio
do Observatório das Estatais, mantido pela FGV.
A
ministra Ana Arraes, que propôs a realização do Diálogo Público sobre a Lei das
Estatais, considera fundamental e urgente esse debate diante do volume de
recursos despendido por essas empresas e a importância que elas têm para a
sociedade. “Por serem verdadeiros dínamos de nossa economia, seria inimaginável
pensarmos o Brasil sem sua marcante presença, que se espraia por todos os
setores da vida nacional. Entretanto, há que se adicionar, a essa grande
relevância econômica, a perspectiva social, que sempre deve regê-las. Como
determina a Constituição Federal, a criação dessas empresas está autorizada em
apenas duas hipóteses: segurança nacional e relevante interesse coletivo”,
afirma a ministra. Nesse contexto, segundo Ana Arraes, para bem atender ao
interesse público, uma das vertentes básicas que essas empresas devem trilhar é
realizar aquisições de forma transparente e republicana.
Segundo
a ministra, a Lei das Estatais efetivamente trouxe um regime próprio para as
aquisições dessas empresas, que as diferencia dos normativos que normalmente
regem as aquisições na administração direta, a exemplo da Lei 8.666. “Tal fato
traz grande preocupação a este Tribunal, que, a partir de agora, no exercício
de sua função judicante, deve enfrentar essas inquietantes questões”,
ressaltou. Ana Arraes destacou ainda que a nova Lei implica a necessidade de
implantação de estruturas de compliance e de gestão de riscos nas empresas
estatais.
Paineis
O
Diálogo Público “A Nova Lei das Estatais, Interpretação e Aplicação do Artigo
28 da Lei 13.303” foi composto de dois paineis que abordaram separadamente os
incisos I e II desse artigo. O primeiro painel foi mediado pelo ministro José
Múcio e tratou sobre as interpretações e o impacto do inciso I. Os debatedores
desse primeiro tema do “Diálogo” foram: o procurador do Ministério Público
junto ao TCU Rodrigo Medeiros de Lima; o presidente dos
Correios, Carlos Fortner; o diretor do Departamento de Governança e
Avaliação de Estatais do Ministério do Planejamento, Mauro Ribeiro
Neto, e o professor de Direito Administrativo da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro Alexandre Aragão.
Para
o presidente dos Correios, Carlos Fortner, a Lei 13.303 representa um grande
avanço frente à Lei 8.666 ao permitir que as estatais se tornem mais
competitivas. Os Correios foram, segundo ele, uma das empresas pioneiras na
aplicação da Lei 13.303. De acordo com Fortner, 55% das receitas da empresa
atualmente provém de encomendas. “Isso significa uma mudança do nosso perfil de
atuação. Migramos de um mercado de monopólio para um mercado extremamente
concorrencial”, ressalta. Nesse contexto, o presidente dos Correios acrescenta
que uma empresa com 107 mil empregados e que enfrenta todas as amarras próprias
das estatais, não conseguiria sobreviver sem incorporar a agilidade das
empresas privadas para fidelizar o cliente. “É na busca por essa velocidade e
agilidade que a Lei 13.303 nos ajuda bastante, através das parcerias estratégicas”,
comentou Fortner. Os Correios têm aplicado a Lei, através da subsidiária
CorreiosPar, com a gestão de parcerias na área de transportes e está estudando
a criação de novos produtos a partir de parcerias também na área digital.
O
advogado Alexandre Aragão lançou, no debate, uma reflexão sobre o risco de uma
lei que traz um novo espírito – de flexibilidade para as empresas públicas, com
normas menos formais e burocráticas – ser interpretada de forma retrospectiva.
“Todos os órgãos de controle sempre destacaram a necessidade de se monitorar as
empresas de Estado de maneira diversa à administração pública. Hoje, temos um
instrumento para que esse novo tipo de controle seja exercido”, comenta
Alexandre Aragão. Nesse sentido, o advogado alerta para o perigo de se
interpretar a Lei 13.303 à luz da jurisprudência anterior, da Lei 8.666.
Para
Mauro Ribeiro Neto, diretor do Departamento de Governança e Avaliação de
Estatais, a Lei 13.303 trouxe coerência para essas empresas. “A sociedade e o
próprio governo exigiam delas transparência e competência, mas não lhes
conferiam os instrumentos necessários para isso. Não estavam disponíveis às
estatais os mecanismos que as empresas privadas já dispunham para alavancar sua
competitividade”, comenta. Cabe, segundo ele, aos operadores do direito, a
responsabilidade interpretativa para manter essa coerência. Ainda de acordo com
Mauro Ribeiro, a Lei 13.303 traz, em seu primeiro capítulo, uma série de
instrumentos que podem apoiar a tomada de decisão que antecede a escolha das
parcerias estratégicas, em especial: o Plano de Negócios e o Planejamento Estratégico
de longo prazo, além da segregação de funções entre as diferentes instâncias
decisórias de governança.
O procurador
do Ministério Público junto ao TCU Rodrigo Medeiros de
Lima ressaltou, em sua participação, que a Lei 13.303 instrumentalizou a
atuação das estatais com a apropriação de instrumentos próprios do direito
privado. Segundo ele, a flexibilização vem, em bom sentido, para viabilizar o
alcance da eficiência. “O formalismo e a burocracia não garantem lisura nas
licitações”, defendeu Rodrigo Medeiros. Nesse sentido, a Lei das Estatais
avança ao se pautar em motivação, transparência e mecanismos de compliance.
Segundo
Painel
O
segundo painel do Diálogo Público sobre a Lei das Estatais teve a mediação do
ministro Augusto Nardes e contou com as participações do chefe de gabinete
do senador Tasso Jereissati, Sylvio Kelsen, da gerente executiva de
Aquisições e Desinvestimentos da Petrobras, Anelise Quintão Lara,
do secretário da Secretaria de Relações Institucionais de Controle no
Combate à Fraude e Corrupção, Rafael Jardim, e do jurista Marçal
Justen Filho.
O
ministro Agusto Nardes destacou o avanço que a Lei 13.303 já propiciou às
empresas estatais, principalmente no debate sobre a Governança. “O Brasil é um
país que depende muito do Estado e das empresas estatais. Ou implantamos a
governança e melhoramos a eficiência ou não haverá recursos para viabilizar a
máquina pública”, comentou.
O
chefe de gabinete do senador Tasso Jereissati, Sylvio Kelsen, destacou a
importância da Lei e o esforço que foi feito, durante a sua formulação, para
aproximar o marco legal que regula a operação das empresas privadas ao das
empresas estatais e das sociedades de economia mista. Kelsen também ressaltou o
desafio que estava colocado de conceber uma proposição onde houvesse equilíbrio
entre avanços de governança e flexibilidade na área de contratações.
O
jurista Marçal Justen afirmou, em sua participação, que a Lei 13.303 operou uma
revolução no modo de pensar do controlador público. “A Lei traz um desafio de
ruptura formal do regime jurídico, típico do direito administrativo, e o regime
das sociedades estatais, que não pode ser o mesmo”, destaca. Nesse sentido, ele
complementa que os desafios para o intérprete são enormes: “o controle não pode
ser o mesmo, os mecanismos não podem ser os mesmos. Não podemos pensar a Lei
13.303 como uma mera sobrevida da Lei 8.666”. Ainda, de acordo com Marçal
Justen, é impossível dissociar as duas partes da Lei 13.303. Ele comenta que
apenas é possível compreender o capítulo que trata das contratações e parcerias
a partir da compreensão do capítulo que trata de Governança. “Não é possível
nós simplesmente liberarmos o cumprimento de formalidades burocráticas se nós
não tivermos mecanismos de controle interno eficientes”, complementa.
Rafael
Jardim, da Seccor, reforçou, no debate, a discussão sobre a atividade fim das
empresas estatais. Ele fez uma provocação ao questionar de que forma o
princípio da governança, que é próprio das empresas privadas - a necessidade de
sobrevivência -, se aplica ao setor público.
Rafael
comenta que o artigo 28 da Lei 13.303 está relacionado à forma como as empresas
públicas irão cumprir a sua finalidade. A maior flexibilidade que a nova lei
traz, segundo ele, garante as condições a essas empresas de participar de forma
competitiva e sobreviver no mercado privado. “Os capítulos licitatórios e
contratuais dão uma flexibilidade muito maior para que as estatais pratiquem o
seu objetivo de interesse coletivo”, comenta Rafael Jardim. E complementa: “O
inciso II, do parágrafo terceiro, do artigo 28 da Lei das Estatais, foi pensado
segunda a lógica de viabilizar a atividade fim, sob pena não tê-la”.
Anelise
Quintão Lara, gerente executiva de Aquisições e Desinvestimentos da Petrobras,
apresentou o caso da estatal e as mudanças que vêm sendo empreendidas no
âmbito interno da empresa de modo a assegurar uma evolução dos seus níveis de
governança.
TCU