A
política estratégica de desenvolvimento preconizado pelo Complexo Industrial e
Econômico da Saúde, utilizando o poder de compras do Estado, não se limita às
questões técnicas, geográficas, ambientais ou disponibilidade de recursos;
necessariamente, deve passar por outras avaliações de risco, objetivando
receber a tecnologia, absorvê-la e garantir a perpetuação do conhecimento
recebido, para segurança e a eficácia com qualidade dos medicamentos.
Alguns
itens a serem avaliados na análise de risco de um projeto de PDP:
- Parâmetros
técnicos como as bases estruturantes da planta, a sinergia e
verticalização, vocação, o domínio e a capacitação de infraestruturas e
recursos humanos e para absorção da plataforma tecnológica;
- Aspectos como as
infraestruturas regionais e serviços públicos, como água, energia,
destinação de resíduos, adequação de meio ambiente, suporte logístico,
potenciais subfornecedores, aptos a serem desenvolvidos para integrar a
cadeia de produtiva;
- A proximidade da
Instituição com a Academia, especialmente, no caso dos medicamentos de
origem biológica que demandam alta e altíssima tecnologia para
desenvolver, produzir e controlar os anticorpos monoclonais. Os projetos,
normalmente, exigem reduzida quantidade de recursos humanos, mas de elevada
qualificação – mão de obra, que infelizmente o País não dispõem em
quantidades suficientes para atender a demanda, precisam ser formados e
qualificados.
- Facilidades com
infraestruturas de moradia e qualidade de vida nas proximidades do
projeto, também, influenciam na mitigação de risco, o que facilita a
retenção de talentos no projeto, plataformas tecnológicas que exigem
elevada qualificação de mão de obra precisam considerar a necessidade de
assegurar a manutenção de cientistas, técnicos especializados e outros
recursos para garantir a absorção e a perpetuação do conhecimento.
- Modelo de
gestão, autonomia, independência financeira e governança da Instituição
Pública, capacidade de realizar investimentos e de reinvestir os
resultados no projeto, capacidade de receber recursos e segurança de que
os investimentos alocados sejam, realmente, aplicados no projeto, a
capacidade da indução do desenvolvimento de subfornecedores e prestadores
de serviços, locais, são temas que não podem ser desconsiderados na
avaliação do projeto;
Avaliando
o risco sanitário
Em
junho de 2009, a Genzyme comunicou ao governo brasileiro a suspensão temporária
da produção do medicamento Imiglucerase (Cerezyme), usado no tratamento dos
portadores da doença de Gauche, depois que as autoridades sanitárias do Japão
identificaram uma contaminação do produto, e comunicaram a empresa e o FDA.
Investigações sanitárias conjuntas na planta comprovaram a contaminação por
vírus nos equipamentos utilizados na fabricação O Mundo e o Brasil ficaram
desabastecidos por mais e um ano sem alternativas para o tratamento dos pacientes.
Neste
momento, o Brasil atravessa uma situação análoga que, felizmente, não chega a
comprometer o tratamento dos pacientes, mas onera de sobremaneira os cofres
públicos com a importação de hemoderivado prontos, enquanto a planta local não
está pronta para fracionar o plasma brasileiro.
A
vulnerabilidade no programa que busca a capacitação e a autossuficiência para o
fracionamento do plasma ficou prejudicada por dois fatores principais:
subavaliação de risco do projeto estratégico, em especial, na escolha do
parceiro tecnológico, na escolha do local e concepção arquitetônica sanitária
do parque industrial, do lado brasileiro; o parceiro tecnológico
escolhido pela Hemobrás para o projeto - LFB da França, teve suas
plantas interditadas pela autoridade sanitária francesa, há mais de um ano, e
pela ANVISA, impedindo o Brasil de importar produtos fabricados lá, enquanto
perdurar a 3ª interdição.
A
tecnologia embarcada no projeto conceitual remonta aos anos 70, onde os riscos
eram menos conhecidos e as exigências sanitárias dos marcos regulatórios eram
menos abrangentes. O parque tecnológico, foi concebido como um bloco integrado,
com etapas do processo interdependentes, expondo todo processo à interdição,
caso se verifique quaisquer potenciais riscos de contaminação.
A
própria LFB, empresa transferidora da tecnologia para Hemobrás, está
construindo um novo complexo industrial na França com modernos conceitos,
diferentes do trazido para o Brasil. A planta da Hemobrás, instalada em Goiana,
em Pernambuco, está paralisada há mais de 2 anos. Colocada sob judice por
outras razões, acabou expondo o potencial risco sanitário e estratégico. Por
maior que seja o investimento na empresa, nesta altura do projeto, sempre
dependerão de um parceiro tecnológico para ter produtos, imediatamente, após a
conclusão da fábrica.
Os
medicamentos subordinados ao registro na ANVISA, sem uma referência
tecnológica, mesmo já registrada em outros Países, são consideramos produtos
inovadores, o que torna a Hemobrás dependente de uma parceria que disponha de
registros sanitários de seus produtos e Certificação de Boas Práticas de
Fabricação e Controle da planta na ANVISA. Parceria que precisa se dispor à
absorver o que existe no canteiro de obras, projetando e executando as necessárias
adequações e modernizações regulatórias para dar continuidade ao projeto, mesmo
considerando a vulnerabilidade da concepção original.
Modernas
plantas são concebidas em reduzidas áreas, verticalizadas e com as etapas,
completamente independentes, quando o processo permite, para mitigar os
eventuais riscos de biossegurança e de contaminação cruzada no processo.
Vários
Fóruns internacionais discutem a questão da biossegurança e de potenciais
riscos de contaminação cruzada em plantas de produção de medicamentos, com
maior ênfase nos produtos de origem biológica, levando os novos projetos a
envidar esforços para mitigar riscos envolvendo agentes biológicos e toxinas e
biotecnologia.
Aspectos
mercadológicos, compliances, propriedade intelectual, metodologias,
procedimentos, critérios de controle e governança, absorção de novos
conhecimentos de diferentes plataformas tecnológicas, em face do possível
convívio com a dualidade de tecnologias internacionais, para produção do mesmo
produto, igualmente devem ser considerados com maior atenção na alocação de
projetos em cada Instituição Pública.
Se a
absorção de metodologias de base biotecnológicas de um Parceiro detentor do
produto, já representa um grande desafio para o a REDE Pública de Produtores de
Medicamentos, absorver conhecimentos, diferentes, de mais de uma plataforma, ao
mesmo tempo, expõem a Instituição a grande risco, além de implicar na
duplicação de custos, em muitos casos.
Assim,
os projetos estruturantes implementados pelo Complexo Industrial e Econômico da
Saúde, como os anticorpos monoclonais, as insulinas e outros produtos de origem
biotecnológica, precisam levar em consideração a biossegurança e a segurança
sanitária, em todos aspectos que envolvam o universo da produção do
medicamento, o meio ambiente, as infraestruturas e os demais requisitos
destacados acima, e, priorizar escolhas conscientes, com melhorias na segurança
física, para uma mitigar eventuais lacunas que possam estar havendo no sistema
objetivando maior governança nas transferências de conhecimento, absorção e
retenção das tecnologias.
A
biossegurança compreende um conjunto de ações destinadas a prevenir, controlar,
mitigar ou eliminar riscos inerentes às atividades que possam interferir ou
comprometer a saúde humana, o meio ambiente e o bem-estar da pessoa. Portanto,
se caracteriza como estratégia essencial para a pesquisa e o desenvolvimento
sustentável da produção e controle de qualidade, com segurança e eficácia,
sendo de fundamental importância avaliar e prevenir os possíveis efeitos
adversos na implementação de novas tecnologias à saúde.
No
âmbito do Ministério da Saúde (MS), a Biossegurança é tratada pela Comissão de
Biossegurança em Saúde (CBS) que é coordenada pela Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) e composta pelas Secretarias de
Vigilância em Saúde (SVS) e de Atenção à Saúde (SAS), pela Assessoria de
Assuntos Internacionais em Saúde (AISA), pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ),
pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA). A CBS foi instituída pela Portaria GM/MS nº 1.683, de 28 de
agosto de 2003.
O
planejamento estratégico do Ministério da Saúde, responsável pela implementação
do Complexo Industrial e Econômico da Saúde, necessariamente, se obriga a
incluir e trazer para a avaliação dos diferentes projetos que aprova a maior
mitigação possível de potenciais riscos sanitários, regulatórios,
mercadológicos, estratégicos, governança, segurança jurídica e política,
garantindo a competividade, a eficácia e a segurança dos medicamentos e
produtos estratégicos produzidos, notadamente no âmbito da REDE dos produtores
públicos de medicamentos destinados ao SUS.
Dentro
deste cenário e responsabilidades do Ministério da Saúde, objetivando mitigar
riscos de desabastecimento e que eventualmente se formem monopólios de produção
de determinados produtos de alto custo e risco, estabelece como uma das
diretrizes básicas para implementação dos projetos, com maior ênfase para os de
maior complexidade industrial, a distribuição da demanda do SUS em no mínimo
dois produtores públicos, e, sempre que possível, que o País possa absorver
mais de uma tecnologia, que permita a atualizar a evolução tecnológica do
produto e a manutenção da competitividade mercadológica, minimizando os custos
do SUS.
Uma
importante consideração, se faz necessária, ao entendimento sobre a demanda dos
produtos no Brasil, por ser o maior sistema único de saúde do mundo, se
transforma no maior mercado específico, também. Tradicionalmente produtos de
origem biológica já são adquiridos de diferentes fornecedores, alguns casos
pela dimensão da demanda, outros por questões mercadológicas ou por cotas
internacionais de determinados produtos, como a anfotericina b lipossomol, os
hemoderivados e insulinas.
Grandes
plantas internacionais, produtoras de medicamentos de origem biotecnológica não
tem capacidade, não estão preparadas para atender, isoladamente, às demandas
brasileiras, razão para que produtos registrados na ANVISA tenham origem de
diferentes fábricas do mesmo fornecedor. Não é incomum encontrar o mesmo
produto fabricado na Irlanda, na Ásia e na América embalado na Europa.
Igualmente encontramos fabricação em Neuchatel, Suíça e embalado em Lessines,
Bélgica. Fabricado em West Point, EUA e embalado em Sousas, Campinas/SP.
O que reforça a estratégia com a mitigação dos riscos.
É
prática comum do mercado que as demandas de fatores de coagulação, albuminas,
imunoglobulinas, vacinas sejam propostas nas concorrências com volumes menores
ao solicitado no certame. Alguns desses produtos são partilhados em mais de
dois fornecedores.
A
redistribuição dos projetos das PDPs, preconizadas pelas Portarias 1992 e 1993
cumpre estrategicamente os principais cuidados com a segurança, eficácia,
sanitária, regulatória, mercadológica, e desenvolvimentista, assegurando ampla
transparência para toda cadeia envolvida, sem danos ao erário público, sem
induzindo a absorção de conhecimento a nível nacional, assentadas em plantas
existentes na Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, além de:
- Assegurar que o
Brasil absorva 2 e até 3 diferentes tecnológicas para produção do mesmo
medicamento;
- Distribuir
regionalmente (BA, MG, RJ, SP, PR) no País a produção em diferentes
laboratórios da REDE oficial de Produtores Público;
- Distribuir
regionalmente à diferentes governos e entre potenciais riscos de
influências político partidárias, sobre a planta local (por exemplo o
governo de Goiás lançou edital para venda de parte do IQUEGO, o Bahiafarma
ficou fechado por alguns anos, a FURP fez PPP na planta de Américo Brasiliense,
o Lafergs, as Universidades de Londrina e Maringá descontinuaram o
laboratório, o IVB não tem planta própria);
- Distribuir por
diferentes naturezas jurídicas de cada Instituição Pública, BA, MG, SP
fundações de Governo do Estado, RJ Fundação Pública Federal do MS, e
Instituto Tecnológico do Governo do Paraná;
- Distribuir os
volumes de produção em plantas industriais próximas aos grandes centros de
consumo dos medicamentos, verticalizando a logística;
- Abrir ampla
oportunidade para que todos os fabricantes de produtos inovadores
internacionais participem dos projetos e possibilite ao País a absorção de
diferentes, diferentes culturas tecnológicas e processos industriais, e,
mitigam eventuais riscos como os que ocorreram na Genzyme e na LFB com grande
impacto na saúde pública mundial e no Brasil;
- Ampliar a
capacitação a nível nacional para o desenvolvimento da cadeia produtiva e
da formação de recursos humanos especializados;
- Mitigar
potenciais riscos de posicionamentos internacionais (Suíça, USA, Ásia,
outro Países da Europa), com parceiros tecnológicos oriundos de diferentes
países e culturas;
- Estimular e
retroalimentar a competitividade e a motivação para a atualização do
produto e de sua metodologia de produção, com existência de mais de um
parceiro tecnológico para o mesmo produto;
- Impactar
positivamente nos custos do SUS, pois no regime de aprovação das PDPs um
dos requisitos é a busca pelo equilíbrio de preços entre os diversos
fornecedores públicos;
- Permitir um
planejamento estratégico logístico e de desembolso do Ministério da Saúde
reduzindo o impacto no fluxo de pagamentos com menor risco de
desabastecimento;
As
motivações acima, dentre outras, consideram que:
- Produtos de
origem biotecnológica demandam grandes tecnologias, especificidades e
plantas complexas que demandam grandes investimentos;
- O País tomou a
decisão de consolidar conhecimentos nas plataformas biotecnológicas com
prioridade estratégica;
- Os Governos dos
Estados, principais controladores da maioria dos laboratórios da REDE de
produtores oficiais perderam capacidade e interesse em investir na planta
local para produzir para a união, já que os produtos são adquiridos
exclusivamente pela União;
- A cadeia
produtiva brasileira é pré-qualificada em plataformas com comprovada
habilitação técnica, com grande potencial de desenvolvimento, em cada
Instituição;
- Os laboratórios
produtores, priorizados, são plantas consolidadas, tradicionais produtores
de soros, vacinas, kits diagnósticos e outros produtos de origem
biológica;
- O Brasil atrai potenciais parceiros
tecnológicos pela capacidade de compra do Estado, que permite, com alguma
segurança, realizar investimentos a partir das margens verticalizadas em
função das grandes demandas asseguradas por algum tempo, mesmo quando o
mercado fica dividido entre 2 ou 3 fabricantes.
Por toda
exposição de motivos e razões técnicas que envolvem a estratégia de Governo em
induzir o desenvolvimento regional do parque tecnológico da saúde, se alinha às
recomendações técnicas regulatórias e sanitárias, protegendo a saúde da
população brasileira, mitigando ao máximo o risco de desabastecimento, mantendo
a concorrência mercadológica reduzindo o impacto de custos ao SUS