Professoras-pesquisadoras da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) lançaram o primeiro boletim bimensal do estudo Monitoramento da saúde e contribuições aos processos de trabalho e a formação profissional dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) em tempos de Covid-19. A pesquisa, que é coordenada por Mariana Nogueira e Camila Borges, da EPSJV/Fiocruz, tem a participação também de outros pesquisadores e de outras unidades da Fiocruz, como o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), a Fiocruz Ceará e a Coordenação de Cooperação Social da Fundação. A iniciativa, que é financiado pela Fiocruz, através do Programa de Políticas Públicas, Modelos de Atenção e Gestão de Sistema e Serviços de Saúde, da Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fundação, tem ainda uma interface direta com os ACS.
Segundo
Mariana, a pesquisa tem como objetivo principal analisar os impactos da doença
na saúde desses trabalhadores, bem como as condições de trabalho ofertadas a
eles no momento da pandemia em capitais do país que apresentam elevados números
de casos, além de outras três cidades das regiões metropolitanas dessas
capitais. De acordo com o boletim, embora tenha havido redução das visitas
domiciliares, 83% dos participantes relatou a manutenção dessa atividade, o
que, associado ao fornecimento deficitário e inapropriado de EPI, ajuda a
compreender a insegurança manifesta por percentual tão elevado de ACS.
“Contamos com a participação de 1.978 ACS, sendo 734 participantes de São Paulo,
116 de Guarulhos; 588 do Rio de Janeiro, 153 de São Gonçalo; 291 em Fortaleza e
96 em Maracanaú”, aponta.
O
boletim, referente aos meses de abril e maio, está organizado em seis partes -
o perfil dos participantes, dados em relação ao acesso de equipamentos de
proteção individual (EPI), ao processo de trabalho, às condições de saúde das
agentes comunitárias, às vivências de perda e sofrimento psíquico e emocional e
à precariedade na formação para atuação na pandemia. Nesta fase, 92,4% das
participantes foram mulheres, em uma faixa predominante de idade entre 30 e 39
anos. Entre as respondentes, 52,5% declararam-se pardas e 18,8% pretas. “Os
dados compõem um conjunto de elementos que constituem a vida das mulheres
trabalhadoras, que inclusive, no momento de pandemia, além de lidarem com o
aprofundamento da desigualdade social, seguem se defrontando com a sobrecarga
de trabalho, com as expressões do machismo e com as demais consequências do
patriarcado, que impõem, historicamente, às mulheres trabalhadoras as tarefas
do cuidado”, ressalta Mariana.
Dos
resultados mais alarmantes, Mariana destaca que 47,1% dos ACS referiu
apresentar algum problema ou questão de saúde que indica maior risco no caso de
adoecimento por Covid-19, principalmente hipertensão arterial.
Em
relação aos equipamentos de proteção, os municípios que os ACS atuam e moram
apresentam uma alta porcentagem de trabalhadores que informou o não
fornecimento de EPI aos profissionais de saúde pelas unidades básicas. Em
Maracanaú, por exemplo, 52,1% dos participantes informou sobre a ausência dessa
distribuição. Dentre os ACS que receberam máscaras cirúrgicas, 39,3% afirmou
não receber esse equipamento em quantidade suficiente e 45,3% disse que a
qualidade é insuficiente. Além disso, cerca de 10% dos ACS disse não dispor de
água e sabão nas unidades de saúde para lavagem das mãos sempre que necessário.
Ao
todo, 95,6% dos trabalhadores afirmou ter apresentado algum sinal e sintoma
associado à Covid-19 nos meses de abril e maio. Entre estes, 39,9% perderam
olfato ou paladar, 31% teve febre, e 30% teve dificuldade de respirar. “Nesse
contexto, é muito expressiva a quantidade de ACS que não tiveram acesso a
testagem (53,8%). A testagem deveria ser priorizada para os profissionais de
saúde, a falha na provisão de testes prejudica as ações de vigilância em saúde
e a oferta de cuidado. A não-testagem implica numa maior exposição desses
trabalhadores e da população atendida”, pontua Mariana.
A
pesquisa também traz dados importantes sobre a vivência de perdas e o sofrimento
emocional durante a pandemia. 45,2% do total de ACS vivenciaram a morte de
usuários que acompanhavam ou de outras pessoas por Covid-19 com quem mantinham
vínculos pessoais e 96,1% relatou sofrimento relacionado ao contexto da
pandemia. “Os sinais frequentes mais indicados foram insônia, tristeza e
angustia”, afirma Mariana. Isso porque o cenário era de total incerteza, já que
46,9% informou que as unidades básicas de saúde e as secretarias municipais de
saúde não proporcionaram formação ou treinamento para que pudessem atuar neste
momento de pandemia e 32,6% dos ACS indicou ter havido formação ou treinamento
insuficiente.
“É
importante considerar que não é garantido ao ACS, enquanto política pública
nacional, a segurança no trabalho, o acesso aos equipamentos de segurança, o
acolhimento em relação ao sofrimento emocional... Também não é garantido a
universalização da formação técnica específica, o que torna mais relevante a
produção de pesquisas que contribuam para dar visibilidade a essa precariedade,
além da contribuição da necessidade que o SUS efetive a sua atribuição de
orientar e promover processos formativos, assim como promover condições seguras
de trabalho”, conclui Mariana.
Mariana antecipa que esse mês a equipe irá aplicar novamente a pesquisa para levantar as informações referentes aos meses de junho e julho. Todos os dados do estudo serão disponibilizados em um painel digital que deverá ficar pronto até o fim de agosto. "Esperamos que o boletim seja um instrumento para ajudar nas demandas dos ACS organizados e também para vontade de ação dos gestores interessados", completou Camila.