A infodemia - um aumento
significativo no volume de informações, corretas ou não, sobre um tema
específico - tem dificultado a resposta à pandemia de COVID-19, afirmou nesta
sexta-feira (14) a representante da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e
da Organização Mundial da Saúde (OMS) no Brasil, Socorro Gross, na aula
inaugural da especialização "Comunicação em Saúde", promovida pela
Fiocruz Brasília.
Após saudar os 30 alunos selecionados
para a primeira turma da pós-graduação, Gross falou sobre a relevância da
parceria com a Fiocruz, pontuando que um dos pilares fundamentais da estratégia
de promoção da saúde é a comunicação em saúde. “No curto período em que vivemos
esta terrível pandemia, uma grande quantidade de informações, muitas delas
falsas, inundou os diferentes canais que existem, como as redes sociais e os
meios de comunicação. Muitas pessoas estão se perguntando qual notícia é a
correta e, por isso, essa formação é tão importante – não só por levar à
população as informações certas, mas também pela oportunidade de combater as
notícias falsas que causam tantos danos à população e trazem insegurança”,
ressaltou Gross.
Para a representante da OPAS
no Brasil, o curso formará pessoas e profissionais que contribuirão para a
construção de uma saúde universal e fortalecerão a democracia da comunicação,
permitindo às pessoas ter acesso a informações oportunas para que possam se
proteger e proteger suas famílias das ameaças à saúde. A especialização,
estruturada em sete módulos, foi lançada em janeiro deste ano com palestra
magna de Renata Schiavo, professora da Universidade de Columbia (Estados
Unidos). A OPAS é parceira da Fiocruz Brasília para a realização da
pós-graduação e coordenará, junto ao Ministério da Saúde, o módulo “Saúde e
Mídias”, previsto para ocorrer em fevereiro de 2021.
A aula inaugural da
pós-graduação – transmitida virtualmente aos alunos e interessados no tema com
mediação do coordenador de comunicação da Fiocruz Brasília, Wagner Vasconcelos
– contou com palestras da pesquisadora da Universidade de Buenos Aires
(Argentina), Monica Petracci, e do professor da Universidade Jonhs Hopkins
(Estados Unidos), Benjamin Lozare. Na ocasião, a Fiocruz Brasília também lançou
o e-book “Fake News e Saúde”, organizado pela assessoria de comunicação da
instituição com base no “VI Seminário Nacional e II Seminário Internacional As
Relações da Saúde Pública com a Imprensa: Fake News e Saúde”, realizados em
março de 2019.
O curso, inicialmente previsto
para acontecer presencialmente, precisou ser adaptado devido ao distanciamento
físico imposto pela pandemia de COVID-19. “Se nosso encontro de hoje fosse
presencial, estaríamos recebendo os alunos no jardim da Fiocruz, mas por força
da necessidade de cuidado, trabalhamos para garantir esta transmissão ao vivo”,
disse Fabiana Damásio, diretora da Fiocruz Brasília. “Os tempos são difíceis e
demandam de nós compreensão, atenção e a desafiadora tarefa de mantermos viva a
nossa rede de afetos com o auxílio das ferramentas virtuais. Diante das
dificuldades, nós assumimos o desafio de ofertar o curso virtualmente”.
Cristiane Machado,
vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, ressaltou que
para a Fundação, a “comunicação não é uma área meio e sim uma área finalística,
porque remete ao direito dos cidadãos de ter acesso a informações confiáveis,
possibilidade de diálogo, ou seja, um conjunto abrangente de direitos que
estende a possibilidade de acesso a outros direitos”.
Consumo desenfreado de
desinformação
Em sua palestra, a
pesquisadora argentina Mónica Petracci abordou, entre outros temas, as mudanças
no modelo de comunicação em saúde exigidas pelos meios digitais e os desafios
impostos pelo agravamento da infodemia durante a COVID-19. “A emergência
sanitária desencadeou um consumo desmensurado de desinformação. A OMS definiu
como infodemia, ou pandemia de desinformação, uma rede de comunicação que é a
porta de entrada para a presença da desinformação. Vale a pena estudarmos o
peso dos diferentes atores que produzem esta infodemia”, explicou.
Com base em um artigo
publicado ao fim de 2019, a pesquisadora argentina também apresentou uma agenda
propositiva para lidar com pandemias em termos de comunicação. “Os números
colocam em evidência que as linguagens especializada e jornalística são
difíceis de conciliar. Mostrar uma curva ou uma medida requer o conhecimento de
especialistas, mas muitas vezes eles não consideram o papel da compreensão
desses números. Os comunicadores têm como tarefa não naturalizar esses dados. A
comunicação de pessoas mortas foi naturalizada, mas essas pessoas são
histórias, existe luto e dor por trás de tudo isso”. Para Petracci, recorrer às
mídias sociais é algo muito importante neste momento desde que se saiba avaliar
as características de cada uma delas para trazer mensagens de maneira clara.
Comunicação eficaz depende de
aprendizado contínuo
Benjamin Lozare deu ênfase à
importância do aprendizado e da liderança na comunicação durante a COVID-19 e
outras pandemias que ainda virão: “a base da função de liderança em comunicação
é crucial. Para mudarmos os outros, precisamos mudar a nós mesmos em primeiro
lugar”. De acordo com o professor da Universidade Jonhs Hopkins, momentos de
crise são também momentos que oferecem a grande oportunidade de aprender e
aprimorar o que já se sabe. “Temos que questionar tudo. A síndrome do “eu sei,
eu sei” (IKIK, em inglês) quer dizer que podemos parar de aprender. E
precisamos aprender com outras culturas. Nós cometemos erros, mas isso faz
parte do processo de aprendizado.”
Segundo o professor, a forma
como podemos comunicar e liderar depende diretamente de como vemos e nos
relacionamos com os outros. “A COVID-19 é um problema que apresenta diversos
desafios em termos de liderança. Ainda não saímos da nossa zona de conforto”.
Para Lozare, a equação mais adequada para uma comunicação efetiva neste
contexto é a combinação entre liderança e um bom gerenciamento. “O ideal talvez
seja o mínimo de ‘lidar com o problema’, mas com o apoio de uma boa gerência e
liderança. E muitas vezes olhamos para a liderança como alguém que está no
topo, mas existem líderes em todos os níveis de uma organização, do mais alto
ao mais baixo.”
“Uma comunicação em saúde
eficaz é um investimento, não um gasto, pois temos retorno: salva vidas,
economiza dinheiro e é crucial nos resultados de saúde”, afirmou Lozare, que
também salientou a necessidade de uma comunicação mais clara, com um
público-alvo bem definido e com mensagens-chave claras para as pessoas –
evitando muitas mensagens ao mesmo tempo, o que pode confundi-las. “Nossas
campanhas de comunicação em saúde ainda têm muitas mensagens, fazendo com que a
mensagem principal se perca. Precisamos também mostrar benefícios claros às
pessoas e não dar ordens e falar em tom de autoridade”.
Crédito da foto: Oleh
Dubyna/Shutterstock.com
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