Somente 34% dos profissionais das equipes de Atenção Primária à Saúde (APS) informaram ter recebido capacitação sobre Covid-19 e sobre uso de equipamento de proteção individual. É o que mostram os resultados da pesquisa Desafios da Atenção Básica no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no SUS, conduzida pela Fiocruz, pela Universidade de São Paulo (USP), pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a partir da iniciativa da Rede de Pesquisa em Atenção Primária, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/Brasil). Ainda de acordo com a pesquisa, quando esses dados foram analisados separadamente, a capacitação chegou a 41,1% para EPI e 54,2% sobre Covid-19.
Em relação à presença dos
equipamentos nas unidades de saúde, os profissionais da APS relataram estar
“sempre disponíveis” luvas (85,7%); máscara cirúrgica (67,2%); máscara N95
(30,0%); óculos ou elmo (62,7%); e avental impermeável (31,9%). Além disso,
quando o estudo considerou a existência de todos os EPI, o acesso a esse
conjunto foi referido por apenas 21,7% dos profissionais entrevistados, com
diferenças entre as regiões brasileiras (16,1% no Nordeste e 38,5% no Sul).
Quase 90% dos gestores relatam dificuldade de compras dos equipamentos.
“A APS no SUS está se
reinventando, redescobrindo novas formas de cuidado. A despeito disso, urge
fortalecer a capacitação e a educação permanente de todos os profissionais das
equipes, uma vez que somente 34% informaram ter recebido capacitação sobre
Covid-19 e sobre uso de EPI organizada pela gestão. Muitas iniciativas de
capacitação vêm sendo desenvolvidas gradualmente, mas ainda são insuficientes.
É necessário desenvolver estratégias ágeis e amplas de comunicação à distância
para atualizar conhecimentos e capacitar para a vigilância à saúde, novas
formas de atenção remota e de ação no território”, admitiu a pesquisadora da
Fiocruz Ligia Giovanella, uma das autoras do estudo.
Quanto à disponibilidade de
insumos, o termômetro infravermelho foi considerado suficiente por apenas 18,7%
dos profissionais entrevistados, de oxímetros por 35,6%, de oxigênio por 34,7%
e o acesso a teste RT-PCR para Covid-19 por apenas 18,9%. Além disso, mais da
metade dos profissionais (55%) relataram que não há acesso ao teste RT-PCR,
fundamental para diagnóstico, notificação, busca de contatos e alta dos
pacientes. “Há necessidade de ampliar a capacidade de testagem. Fazemos ainda
muito pouco, o que se demonstra pela elevada positividade dos testes, que chega
a 50%. Os países que conseguiram controlar a pandemia alcançaram positividade
de 5%, mostrando que estavam testando suficientemente contatos assintomáticos”,
diz Giovanella.
A pesquisadora da Fiocruz
completa afirmando que, mesmo diante de um cenário adverso, a APS no SUS está
se reinventando. “As equipes estão descobrindo novas formas de cuidado à
distância por telefone, por WhatsApp, por visitas peridomiciliares
dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), mas faltam recursos, internet,
oxímetros, termômetros infravermelho, educação permanente para os
profissionais, equipamentos de proteção individual", constata Ligia
Giovanella.
Pesquisador da UFPel e membro
do grupo de coordenação da pesquisa, Luiz Augusto Facchini sugere: “A APS
dispõe de uma rede de mais de 40.000 equipes de saúde da família e 300 mil ACS
e Agentes de Endemias, cujo trabalho poderia reduzir a propagação da pandemia
pelo interior e periferias das grandes cidades”.
APS terá papel fundamental na
vacina contra Covid-19
No que diz respeito à
organização do serviço, somente 71,3% dos profissionais referiram que as UBS
eram notificadas sobre casos suspeitos e confirmados de sua área de
abrangência, ou seja, 30% não recebem esta informação crucial para o
acompanhamento dos doentes e rastreamento dos contatos. Os Agentes Comunitários
de Saúde por sua vez, foram deslocados para trabalhar na recepção de
sintomáticos respiratórios na Unidade Básica de Saúde segundo 48% dos
entrevistados, enquanto somente 37% desse contingente estão prioritariamente
atuando no território.
A atuação da APS pode ser
sistematizada em vigilância em saúde nos territórios; atenção aos usuários com
Covid-19; suporte social a grupos vulneráveis; e continuidade das ações
próprias da APS. Para a pesquisadora Ligia Giovanella, a atenção primária terá
um papel essencial na vacinação contra a Covid-19. “O Programa Nacional de
Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ) nos mostrou que 77%
das UBS ofertavam vacinação regular e dispunham de geladeira exclusiva para
vacinas. Quando a vacina contra Covid-19 chegar, as equipes de atenção primária
terão o papel fundamental para auxiliar a distribuição a todos os lugares, a
todas as pessoas e em todos os rincões do país”, concluiu a pesquisadora.
Pesquisa
Desafios da Atenção Básica no
enfrentamento da pandemia da Covid-19 no SUS teve o objetivo
de identificar os principais constrangimentos e as estratégias de reorganização
da Atenção Primária à Saúde / Atenção Básica (APS/AB) utilizadas por essas
equipes no enfrentamento da Covid-19 nos municípios brasileiros. Participaram
da pesquisa 2.566 profissionais e gestores, sendo 1.908 profissionais de saúde
da APS/AB e 566 gestores. Os participantes se distribuíram em todos os estados
da federação, além do Distrito Federal, atuantes mil municípios diferentes.
A pesquisa é coordenada por
Aylene Bousquat (USP), Ligia Giovanella (Fiocruz), Luiz Augusto Facchini
(UFPel), Maria Guadalupe Medina (UFBA) e Maria Helena Magalhães de Mendonça
(Fiocruz).
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