Realizado pelos pesquisadores
Ricardo Dantas e Diego Ricardo Xavier, do Laboratório de Informação em Saúde do
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
(Icict/Fiocruz), e Maurício Gonçalves e Silva, do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), estudo aponta que, na maior parte dos
municípios onde há maior risco de picadas de cobra, o tempo para se obter o
soro antiofídico pode ser fatal. Publicado na revista científica on-line Plos
One, o artigo Geographical accessibility to the supply of
antiophidic sera in Brazil: Timely access possibilities apresenta
informações sobre a possibilidade de se chegar às unidades de saúde provedoras
de soro antiofídico no Brasil a partir da relação entre distribuição populacional
e tempo de deslocamento, considerando-se que o tempo estimado ideal para a
aplicação do soro seria de até duas horas após a picada da cobra.
O estudo levantou áreas com
alta incidência de acidentes ofídicos, com população dispersa, o que
dificultaria o socorro, como na região Norte do Brasil, mas também em áreas do
Maranhão e Mato Grosso, que mostra o acesso ao soro antiofídico nos estados
brasileiros. O risco da demora é que pessoas possam utilizar de métodos
caseiros para controlar os efeitos da picada, podendo levar a complicações
físicas como amputações de membros ou até a morte.
Incidência de acidentes
Segundo a Organização Mundial
da Saúde (OMS), a picada de cobra é considerada como uma doença tropical
negligenciada, devido ao alto número de acidentes em várias regiões do mundo,
especialmente, nas áreas rurais de países tropicais. Mata entre 81 mil e 138
mil pessoas por ano e causa cerca 400 mil casos de incapacidade permanente,
como amputações ou perda definitiva da visão, além do estresse pós-traumático
que vítimas sofrem após as picadas.
O pesquisador Ricardo Dantas
chama atenção para duas situações recorrentes na análise dos dados levantados.
“O Amazonas é um estado grande, com maior dificuldade de deslocamento e grandes
áreas muito distantes dos polos de atendimento, mas a maior parte da população
é mais concentrada, como nas regiões de Manaus e Parintins, por exemplo. Ou
seja, muitas vezes é uma distância urbana que se tem que percorrer para acessar
os soros”. Já o Maranhão, segundo Dantas, é o oposto: “a população é mais
dispersa no território e há grandes proporções de população distantes dos polos
de atendimento, por isso é que se tem quase 30% da população local há mais de
duas horas de distância do atendimento”.
O levantamento cruzou dados
populacionais do IBGE com informações do Sistema Nacional de Informações
Tóxico-Farmacológicas (Sinitox/Icict/Fiocruz) e do Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan/Ministério da Saúde), além de usar sistemas como Google
Maps e Google Street View, e até mesmo o NASA’s SRTM - Shuttle Radar Topography
Mission.
Revisão de estratégias
Dantas ainda destaca as
possibilidades de utilização da metodologia do estudo na avaliação de
acessibilidade de serviços de saúde. “Isso é muito importante, especialmente
para aquelas questões em saúde que o tempo é determinante para um cuidado
oportuno”. O estudo também revela as desigualdades persistentes na saúde
brasileira, como explica o pesquisador: “se você considerar que algumas das
áreas com maior incidência de acidentes ofídicos na região amazônica, são
também as áreas que têm a maior dificuldade para o acesso a oferta de soros”.
Na tabela abaixo, publicada no
artigo, é possível observar as dez primeiras cidades em que a taxa de ocorrência
de acidentes com cobras é mais alta e também a população que não conta com
algum posto que tenha soro antiofídico por perto:
“Não é preciso necessariamente pensar em se montar um novo posto de saúde, mas sim, considerar a hipótese de melhor equipar os postos já existentes e melhorar as condições de transporte sanitário”, afirma Dantas. "Uma coisa são ambulâncias quando se tem transporte rodoviário, mas na região amazônica, por exemplo, tem que se pensar em transporte pelos rios ou até mesmo em deslocamentos aéreos”.
O pesquisador da Fiocruz
indica que o estudo também traz a necessidade de se pensar “não só em unidades
de saúde, mas em estratégias nas áreas com baixa densidade populacional, como o
norte de Mato Grosso, por exemplo, que tem uma oferta de soros que não dependa
de um posto de saúde”.
Para os pesquisadores, a ideia é que o estudo auxilie prefeituras e a população a pensar em lógicas de distribuição de novos estabelecimentos, em disponibilizar soros para aqueles postos que já existam ou criar oportunidades de transferência desses pacientes que sofrem acidentes ofídicos, contribuindo para o planejamento dessas ações.