Profissionais confirmam
relatos de abandono com a saúde entre o povo Yanomami e contam primeiras impressões
da missão
- Foto: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/forca-nacional-do-sus-reforca-atendimentos-na-casai-em-boa-vista
Por acaso um indígena não tem
olhos, mãos, boca, não sente fome como todos nós? Essa livre adaptação de um
trecho do julgamento na obra ‘O Mercador de Veneza’, de Sheakeaspeare, poderia
ser usada para indagar porque o socorro ao povo Yanomami tardou tanto a chegar.
Nesta terça-feira (24), os profissionais da Força Nacional do SUS começaram a
reforçar o atendimento na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) de Boa Vista
(RR) e os relatos são de cenas de horror.
“A julgar pelo que vimos aqui,
podemos dizer que toda a população Yanomami está doente. Até as pessoas que
estão, aparentemente, saudáveis estão acometidas por um ou muitos problemas
quando se faz um exame um pouco mais detalhado”, explica o médico Endrew
Barroso, de 32 anos.
No dia a dia, Barroso é médico
do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), mas nem a rotina de
emergências preparou o profissional para o que ele encontraria nesta semana em
Roraima. “Nesse primeiro momento buscamos entender a fundo o que podemos fazer
com os recursos que temos disponíveis. Na maioria dos casos, se melhorarmos a
causa primária (de adoecimento) as causas secundárias tendem a diminuir”,
explica.
Como causa primária, o
profissional fala de problemas que há muito tempo têm tratamento como, por
exemplo, diabetes ou hipertensão. Além disso, a maioria dos indígenas avaliados
nesta terça-feira estava com baixíssimo peso, mesmo os adultos.
Um dos casos acompanhado pela
equipe de reportagem do Ministério da Saúde foi de uma jovem com idade
aproximada entre 16 e 17 anos que pesava apenas 32 kg. O cenário se repetia em
pessoas de idades diferentes, de aldeias diversas e com os mais variados tempos
de permanência dentro da Casai.
Acompanhante vira paciente
Outra coisa que é corriqueira
na rotina da Casai são pessoas que acompanhavam familiares doentes que acabam
se tornando, eles mesmos, pacientes. Em outro atendimento presenciado pela
equipe do MS, o senhor Opa, da região de Proapi/Waputo, reclamava de uma dor
que a equipe de saúde não conseguia entender. É que além das dificuldades
naturais em uma Emergência de Saúde Pública, a língua é uma barreira entre
profissionais e pessoas atendidas.
A imensa maioria dos mais de
700 Yanomamis hoje na Casai não fala português, conversando apenas no idioma
nativo deste povo originário. Dessa forma, Opa, cuja idade foi estimada em
cerca de 70 anos, gesticulava por alguns minutos mostrando a barriga, o peito e
o esôfago para apontar a dor que sentia. Como os tradutores da Casai estavam
ocupados em outras consultas, passaram-se alguns minutos até que se descobrisse
que não havia prontuário para aquele homem porque ele chegou à casa para
acompanhar um familiar doente.
Por sorte, surgiu no grupo do
paciente um homem que conseguia falar bem português e ajudou Barroso a traduzir
a consulta. O septuagenário apontava que tinha dores no peito que não paravam.
Foi quando o médico pode seguir com o ritual de preencher prontuário, fazer
prescrição e dar instruções.
O dia, que no planejamento
seria de levantar casos e dar alta a quem pudesse, acabou sendo mais tumultuado
que a equipe esperava. Foram pelo menos cinco casos de urgência já neste
primeiro contato, sendo duas suspeitas de malária e um parto presenciado por
três voluntárias no meio da mata que circunda a Casai.
“O trabalho que estamos
fazendo aqui é muito necessário, mas é apenas o começo de um projeto que
precisa ser de longo prazo. É muito triste chegar a essa conclusão, mas, se
continuássemos no ritmo em que estávamos, daqui há alguns anos não haveriam
mais Yanomamis para contar história”, lamenta um médico fazendo um balaço de
tudo o que presenciou neste dia.
Jéssica Gotlib
Ministério da Saúde
0 comentários:
Postar um comentário