Transcrição da
palestra de Antônio Britto, presidente-executivo da INTERFARMA:
Desejo em primeiro lugar agradecer à
ALFOB (Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil) pela
oportunidade deste evento. Como já foi aqui dito, ele chega na semana certa, depois
do que aconteceu nos últimos dias em torno das PDPs.
Quero registrar o quanto tem sido construtivo e produtivo trabalhar com a
ALFOB. A INTERFARMA realizou uma série de reuniões, que permitiram identificar
uma ampla lista de pontos comuns, e que estão transformadas numa carta
conjunta, ALFOB e INTERFARMA, e que será divulgada hoje (08/08). Ela já estava
em elaboração em abril e maio, razão pela qual tem este selo, ALFOB e
INTERFARMA, apenas como um ponto de partida. Basicamente, as entidades do setor
de saúde têm pontos em comum nesse assunto, o que nos motiva a esperar
integração crescente de outras entidades.
Gostaria de começar dizendo que as PDPs estão vivendo uma crise. E se a gente
não começar por isso, vamos ficar enfeitando e não vamos dar a este evento o
que ele permite e objetiva, que é a possibilidade de informar a quem quer ouvir
onde estão as dificuldades. E a crise das PDPs, ela se dá no pior terreno para
uma política que deveria ser de longo prazo.
Há uma crise de confiança, há uma incerteza sobre o quê afinal querem com as
PDPs. Quem se der ao trabalho de percorrer não o ambiente politicamente correto
das reuniões dentro de ministério, mas se dispuser a percorrer cada empresa,
não importa tamanhos nem origem, e cada laboratório público, seguramente
encontrará pessoas que perderam a primeira condição para que as PDPs deem
certo: saber o que são as PDPs, com quem são, para quem são e como são.
Fez-se com as PDPs um lio tão grande, que elas hoje homenageiam o antigo
ministro Pedro Malan, que dizia que no Brasil até o passado é incerto. Essas
mexidas nas PDPs conseguiram a proeza de transformar o passado em questão
incerta. Imaginem o presente e o futuro.
Eu tenho ouvido duas coisas sobre o Dr. Rodrigo Silvestre, novo diretor do
DECIS e por isto personagem fundamental nas PDPs. A primeira, elogios: “Ah, o
Rodrigo é muito bom, etc.”. E a segunda frase é sempre “coitado do
Rodrigo”.
Acho que nesta revisão das PDPs precisaríamos começar reafirmando que as PDPs
são necessárias, porque elas, no desenho original, têm objetivos óbvios e
indispensáveis para o país.
Ampliar a capacidade e a autonomia nacional em tecnologia. Por consequência,
reduzir o vergonhoso e o crescente gap científico no Brasil, em matéria de
medicamentos e saúde.
Previa-se ou desejava-se também uma redução do déficit comercial. E ainda,
muito importante, uma ampliação do acesso a medicamentos e, por consequência,
um fortalecimento do SUS, que está impotente para responder simultaneamente à
Constituição Federal e à realidade brasileira.
Sempre me preocupou que, sobre a frase “as PDPs são necessárias e
indispensáveis”, fosse acrescentado o conceito de que as PDPs seriam
suficientes para gerar inovação no País.
Não, as PDPs não são suficientes. O problema da inovação se dá antes, durante e
depois de PDPs. O problema da inovação vem de um país onde professor que exige
muito é mal visto; a aversão nacional à matemática, à química e à física.
Universidades, salvo exceções, encasteladas na ideia de que apenas devem servir
à pesquisa básica e totalmente refratárias a parcerias com a iniciativa
privada. E a iniciativa privada, salvo exceções, que gosta mais do BNDES do que
do risco. E inovação é risco.
Então, é conveniente separar duas discussões. A discussão da inovação passa, em
primeiro lugar, pelo país responder ao seguinte: em que áreas da saúde queremos
ser inovadores? Ou queremos ser em todas? Quais são as áreas que o país tem
necessidade, mas também já tem potencialidade?
Se definirmos cinco objetivos, também podemos definir cinco pontos de apoio
acadêmico e científico. Nós poderíamos identificar quais seriam as cinco ou
seis universidades e institutos de pesquisa em condições de tornarem-se base
deste projeto. Fazer um programa de desenvolvimento para essas instituições ao
longo do tempo. Nós podemos engajar laboratórios públicos e privados nisso.
Agora, do jeito que é hoje, é querer fazer a cerimônia de inauguração das
Olimpíadas sem antes desenhar o espetáculo que se quer. Ver cada voluntário
carregando a sua caravela ou construindo sua oca sem qualquer planejamento
prévio.
É onde estamos em inovação. E para ajudar, 14 ou 15, já perdi a conta, órgãos
diferentes do governo, sem que haja uma definição.
Então, temos que as PDPs são indispensáveis mas não são suficientes para um
projeto nacional consequente em inovação.
Podemos passar à questão seguinte: as PDPs estão bem desenhadas?
Cá entre nós, as PDPs, na concepção de quem as idealizou, tinham a prioridade
de, em curto prazo, reduzir preço de aquisição ou eram vistas como um programa
de longo prazo para que o Brasil, um dia, não precise passar pelo vexame de
hoje – a posição medíocre, em termos de inovação?
A experiência mostra que qualquer que tenha sido o sonho ou o desenho, a
operacionalização olha mais para o curto prazo, para o preço de aquisição do
que para um desenho generoso com o país e com o nosso futuro. Pior ainda, ela
veio acompanhada ou desacompanhada de questões importantes.
Quem não sabia nesse país que os 21 ou 22 laboratórios públicos, em grande
parte, padecem das dificuldades dos estados onde estão inseridos e das
dificuldades do país. Como começar o programa sem, junto, lançar um programa
claro de fortalecimento e de qualificação desses laboratórios? E, mais do que
isso, (um programa) de definição de tarefas e de responsabilidades?
Do ponto de vista da tecnologia, qual é a tecnologia que merece uma PDP? A PDP
é um negócio maravilhoso para quem faz. Se tem patente, ganha uma extensão. Se
está disputando mercado, ganha monopólio e ainda por muito tempo.
Em nome do quê o país pode oferecer um monopólio sem licitação? Extensão, na
prática, de patentes - e quem está falando é o presidente da INTERFARMA - em
nome de quê? Em nome da necessidade nacional de que algumas poucas tecnologias
sejam incorporadas e, que não se incorpore o modelo de 1964 do Fusca, e sim que
se tenha condição de participar da construção e do desenvolvimento do Fusca do
ano que vem.
Nós fizemos um processo onde pega-se o velho, não se cria a obrigação de
participar da coprodução do novo, ganha-se o monopólio, em muitos casos para
produtos que tinham oito, dez, doze ofertantes, de tecnologias absolutamente
antigas, para não dizer outra coisa.
O desenho tinha defeitos. Não definimos claramente que para transferir a
tecnologia era preciso deter a tecnologia. Temos casos de PDPs, em que o
transferidor de tecnologia não é detentor da tecnologia. E mais ainda, tivemos
dificuldades porque muitos dos recebedores da tecnologia não tinham condições
para isso. Então, ao mesmo tempo em que as PDPs são indispensáveis, embora
insuficientes para a inovação, elas têm defeitos importantes. E quem gosta de
PDP deveria assumir (a existência desses defeitos) para que elas se
fortaleçam.
Esconder, fazer de conta que não é assim... Primeiro é brigar com a realidade.
Todos nós sabemos que existem coisas indo muito bem e existem coisas indo muito
mal. Isso porque não foram atendidas três obviedades: que tecnologia merece
esse conjunto de vantagens inacreditáveis, esse monopólio? Quem pode
transferi-las? Quem pode recebê-las?
As PDPs, em alguns momentos, se transformam na velha distribuição de cartórios
da República velha. PDP não pode ser cartório. Tem que ter uma justificativa
que fique de pé num país democrático, transparente e com leis.
Chegamos então a uma questão que envolve o presente. Dr. Rodrigo, peço que me
desculpe e atribua o que direi aos meus cabelos brancos. A sua tarefa é pior
dentro do governo, do que fora do governo. Ajeite o governo, que a gente se
ajeita. Comece pelo sétimo andar, onde tem uma central chamando gente para
fazer PDP e outra central importando medicamentos previstos em PDPs e sem
registro. O que o Ministério da Saúde está fazendo é um absurdo do ponto de
vista sanitário, do ponto de vista ético, do ponto de vista do futuro das
PDPs.
Na sexta-feira, os menos afortunados estavam encontrando em postos do SUS
medicamentos escritos “sample free”. Bulas em inglês e francês, para HIV.
Responsável pela operação: Ministério da Saúde.
O Governo tem que entender que os governos podem muito, mas não podem tudo. E
que nenhuma decisão sobre PDPs, sobre o passado, sobre o futuro, vai ser
correta, se o método não for correto. PDP tem que exigir decisão coletiva. Tem
que exigir decisão com processo, onde se saiba quem decidiu o quê, o por conta
de quê. Senão dá Laborgen.
A portaria Chioro, ela tem que ser sempre discutida como tudo tem que ser
discutido. Mas será um crime para o país se a portaria Chioro não for entendida
como o mínimo. Aquela história do Dr. Tancredo quando entregavam textos para
criticar a ditadura: “oh, só pode ir daqui para mais. Para menos, não”. No caso
das PDPs, retirar das portarias a clareza de quem faz o quê será um retrocesso
que só vai trazer alegria para os advogados.
Por isso, com muita franqueza, não tenho nenhuma razão para, como brasileiro,
não dizer o que penso.
Nós temos ouvido discursos diferentes dentro do ministério. Tem um discurso,
vamos chamar de discurso Rodrigo, que é sensato: vamos fazer, vamos dialogar...
E tem outro discurso que começa dizendo assim: está decidido! Tal coisa é três,
tal outra não sei o quê... E se acontece tal coisa? Deixa comigo!
É perigoso. É perigo do ponto de vista jurídico. Tem muita gente que já
contratou despesas e compromissos para cerimônia de abertura. Se quiserem mexer
no desenho da cerimônia com ela em andamento, vai dar confusão.
A segunda questão é a adequação aos tempos que vivemos no País. Seja qual for a
decisão, haja uma sala, haja luz na sala, haja diversas pessoas, haja ata do
que for decidido. O Ministério da Saúde, por exemplo, publica hoje uma portaria
para criar um grupo de planos de saúde acessíveis, seja lá o que isso quer
dizer. E aí, a portaria ficou com uma inveja desses planos acessíveis... A
portaria começa dizendo assim: grupo de trabalho que deverá promover estudos
para etc. E no segundo item: o grupo de trabalho também deverá promover
avaliação financeira...
Um dia desses alguém vai precisar saber sobre PDPs: com base em que estudos, em
que radiografia, em que fotografia da realidade, são tomadas as decisões? A
nossa pergunta nunca será “está certo ou errado?”, mas é de onde sai a
certeza.
Minha querida avó dizia que existem dois jeitos de fazer as coisas na vida: com
jeito e sem jeito. Seja o que for que vai acontecer com as PDPs, que seja feito
com jeito. Jeito, não do jeitinho gambiarra. Jeito da democracia, da
transparência, do respeito ao TCU, olho no CADE.
O formato como vai se mexer nas PDPs é mais importante do que o conteúdo.
Porque dependendo do método, nenhuma fórmula vai sair bem sucedida.
Nós temos defendido junto ao governo, e “nós” aqui significamos todo mundo,
algumas coisas óbvias. Existe o passado, como ele não pode ser incerto, o
regramento atual contém os remédios para dizer para quem está indo bem: boa
sorte, obrigado, você é uma exceção. Para quem está indo mal: corrija isto. Ou
se o caso do gentil cliente é insolúvel com base na própria regra: amigo,
deu.
Questões do passado podem ser resolvidas com base nas regras do passado. Tentar
equacionar o passado com regras novas que não existiam naquele momento vai dar
trabalho, muito, aos advogados, mas não trará soluções para PDPs.
Em relação ao passado mais recente, nas PDPs anunciadas em setembro pelo então
Ministro Chioro há um fato claro: sem julgar os recursos não há solução, a
menos que se pretenda atropelar direitos.
Quanto ao futuro das PDPs. Se formos competentes na solução das questões do
passo, pessoalmente não tenho nenhuma preocupação sobre o futuro. As PDPs vão
continuar, tem que continuar, são indispensáveis e haverá sempre dentro, pelo
menos no setor privado, uma concordância razoavelmente básica sobre o que ele
tem que mudar, o que não tem que mudar, o que ele tem que oferecer,
aperfeiçoar, como ir além da portaria do ministro Chioro.
Nós da INTERFARMA vamos continuar com perguntas irritantes.
Quais são as tecnologias que o País realmente precisa nesse momento?
Quem decidiu que são essas?
Por quê?
Com base em quais estudos?
Como qualificar os laboratórios públicos e garantir efetivamente a
transferência de tecnologia?
As PDPs são uma rodovia que começa com seis pistas: são as pistas das intenções
e das tecnologias possíveis de transferência, mas perto do pedágio, como
sempre, dá uma reduzida no número de vias. Ficam uma, duas, porque não são
muitos os que podem transferir nem os que podem receber. Por isso, é necessário
para as PDPs o fortalecimento dos laboratórios públicos.
Para concluir, queria dividir com vocês um sentimento, não creio que seja
incoerente, de otimismo. A vida me ensinou que a realidade é mais forte do que
tudo. A realidade manda manter as PDPs, a realidade manda revisar aspectos das
PDPs. A realidade não manda, mas sugere que se faça com jeito, no sentido não
brasileiro da palavra jeito. E espero que mostrar onde possam estar os
problemas seja algo entendido como uma forma de contribuir para dizer ao
governo que queremos PDPs, que nós apoiamos PDPs. Não vamos resolver a inovação
junto, mas nesse momento o governo tem uma questão grave e delicada a resolver,
que é o jeito e a forma como vai encaminhar isso.
Espero, Dr. Rodrigo, que na nossa próxima reunião, a gente continue mantendo a
primeira parte das avaliações a seu respeito – “oh, muito bom esse Dr. Rodrigo”
- e cancele a segunda parte, “coitado do Dr. Rodrigo”.
Muito obrigado.