A medicina de precisão, adotando uma abordagem molecular individualizada para a avaliação de riscos e cuidados clínicos, não é um conceito novo.
Embora tenha sido inicialmente prevista no domínio da oncologia, a sessão plenária de quarta-feira debate a aplicação desta abordagem na doença cardiometabólica.
O desenvolvimento de tecnologias metabolômicas, que combinam informações genéticas e funcionais, é um desencadeador, conforme debatido por Karsten Suhre (Weill Cornell Medicine, Qatar). Desde 2008, quando o primeiro estudo combinando genotipagem e caracterização metabólica foi publicado,1 esta área tem se desenvolvido com o objetivo de traduzir conhecimentos funcionais para muitas associações relacionadas à doença, incluindo doença cardiovascular e diabetes tipo 2, para avaliação de riscos e cuidados clínicos. "Toda associação conta uma história...
" Pesquisas recentes forneceram uma base para diferenças associadas a genótipos na resposta metabólica ao tratamento com inibidor de enzima de conversão da angiotensina, com base em uma análise de 517 metabólitos em participantes do estudo KORA F4, e sugeriram que a combinação de abordagens metabolômicas de genótipos pode oferecer percepções sobre os efeitos colaterais dependentes de genótipos destes tratamentos.2 Na verdade, em 2014, Shin et al3 publicou um "atlas" de 145 perfis metabólicos influenciados geneticamente, oferecendo a possibilidade de futura exploração dos efeitos de variantes genéticas individuais em centenas de metabólitos de uma vez.
Esses achados relevaram a possibilidade de engenharia metabólica racional como uma ferramenta para a intervenção alvo no metabolismo humano, assim como o uso de abordagens "ómicas" (do inglês 'omics', se refere ao estudo da totalidade ou do conjunto de algo) no monitoramento da saúde. "Em última instância, as informações de fenotipagem profunda oferecem a chave para entender a genética do metabolismo humano."
Em uma visão geral entusiasmante, Matthias H. Tschöp (Helmholtz Diabetes Center & Technische Universität München, Munique, Alemanha) forneceu uma justificativa para a medicina de precisão metabólica no desenvolvimento de farmacoterapia para a obesidade e doenças metabólicas relacionadas. Anteriormente, os tratamentos para a obesidade tinham altos e baixos, com desenvolvimento repleto de falhas e descontinuações devido aos efeitos colaterais não totalmente reconhecidos quando do lançamento.
É claramente necessário um novo paradigma para o desenvolvimento de medicamentos para os tratamentos da obesidade, e a pesquisa focada na incorporação de receptores de hormônio peptídico metabolicamente relacionado, incluindo peptídeo-1 tipo glucagona (GLP-1) em um peptídeo, oferece nova esperança. A evidência existente mostra que as atividades individuais de cada receptor se harmonizam, resultando em uma melhor atividade metabólica geral.
O professor Tschöp apresentou dados referentes aos últimos destes peptídeos, um triagonista peptídico monomérico incorporando GLP-1, polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (PIG) e receptores de glucagona em um único peptídeo. Eles mostraram atividade sem precedentes em modelos de roedores na redução do peso corporal e da massa gorda por meio de uma redução na glicose sérica, no colesterol e na insulina, e aumento do fator de crescimento fibroblástico 21 (FGF21).4Assim, a glucagona cinergética atua para aumentar o gasto de energia, a GLP-1 atua para reduzir a ingestão calórica e aumentar o controle da glicose e o PIG atua para potenciar o efeito da incretina, sugerindo benefício na obesidade.
Além disso, uma maior compreensão da função do sistema nervoso central na medição dos efeitos no peso corporal pode oferecer novas direções, como a combinação de GLP-1 com dexametasona, apresentada em modelos de animais para promover sinais anorexigênicos, sem efeitos "fora do alvo" no timo nem alterações na atividade do eixo hipotálamo-pituitária endógeno.
Tem sido demonstrado que a combinação GLP-1/T3 melhora o tratamento lipídico no fígado, reverte a hipercolesterolemia e aterosclerose em camundongos com carência de LDLR [low density lipoprotein receptor (receptor de lipoproteína de baixa densidade)], e melhora a atividade termogênica em tecido adiposo branco. "A era da medicina de precisão metabólica oferece uma nova esperança para o tratamento da obesidade, mas também destaca a necessidade de biomarcadores e diagnóstico melhores."
Erik Stroes (Academic Medical Center, Amsterdã, Países Baixos) destacou novas abordagens na terapia específica para a aterosclerose, que visa otimizar o perfil risco/benefício. Estes desenvolvimentos também sublinham a necessidade de uma mudança no paradigma terapêutico de uma abordagem em "grupo" para uma abordagem individualizada, enfocando na carga aterosclerótica ao invés de enfocar no risco. Avanços nos exames de imagem multimodais forneceram uma base para a aplicação de novas terapias, ajudando a orientar a terapia individualizada.
Em termos de terapia, o recente desenvolvimento dos anticorpos monoclonais humanos contra PCSK9 mostrou o benefício de uma abordagem específica, especialmente em indivíduos com mais necessidade clínica sem resposta, nomeadamente com hipercolesterolemia familiar e intolerância à estatina.
Continua sem se saber se estes tratamentos reduzem os eventos cardiovasculares em pacientes com elevado risco, esperando-se respostas definitivas dos estudos de resultados em andamento. É claro que o custo é uma grande limitação, o que sublinha ainda mais a necessidade de racionalização do tratamento para esses pacientes com risco mais elevado. A focalização antisense da apolipoproteína(a) [apo(a)] pode oferecer tratamentos para lipoproteína(a) elevada, um fator de risco cardiovascular para o qual não existem terapias específicas, e hipertrigliceridemia grave.
Mais uma vez, existem limitações, incluindo problemas de efeitos colaterais. Na verdade, durante o congresso da European Atherosclerosis Society (EAS), foram suspendidos planos para um estudo de fase III usando uma abordagem antisense em cardiomiopatia amiloide, com questões de segurança pendentes, nomeadamente trombocitopenia, que também surgiu recentemente de forma inesperada em um estudo apoCIII separado com volanesorsen.5 Estas questões não foram observadas com as abordagens antisense de mipomersen ou apo(a), que usam plataformas antisense diferentes. Por fim, a nanotecnologia tem sido investigada no contexto da aterosclerose, embora os estudos indiquem a necessidade de uma melhor seleção de alvos e agentes de fornecimento locais. O custo continua sendo um problema. "Terapias inovadoras que ajudem a personalizar o tratamento para indivíduos com risco elevado, com abordagens de anticorpos/antisense oferecendo a possibilidade de focalização molecular precisa. Por fim, a nanomedicina oferece a possibilidade de melhorar a eficácia e minimizar o risco de efeitos colaterais."
Por último, Daniel Gaudet (University of Montreal, Quebec, Canadá) destacou o fenótipo complexo da quilomicronemia, englobando a síndrome quilomicronemia familiar e a quilomicronemia multifatorial, que, devido às necessidades clínicas não atendidas significativas, é um foco para o desenvolvimento de medicamentos novos. As terapias emergentes, incluindo terapias baseadas em genes e tratamentos com oligonucleotídeos antisense visando apoCIII, forneceram novas abordagens para tratamento. Talvez mais importante ainda, o desenvolvimento abriu caminho para pesquisa dos mecanismos do metabolismo pós-prandial, oferecendo alvos para futuro potencial terapêutico.
Autores
Karsten Suhre (Weill Cornell Medicine, Qatar)
Matthias H. Tschöp (Helmholtz Diabetes Center & Technische Universität München, Munich, Germany)
Erik Stroes (Academic Medical Center, Amsterdam, the Netherlands)
Daniel Gaudet (University of Montreal, Quebec, Canada)
Referências
1. Gieger C, Geistlinger L, Altmaier E et al. Genetics meets metabolomics: a genome-wide association study of metabolite profiles in human serum. PLoS Genet 2008;4:e1000282.
2. Altmaier E, Menni C, Heier M et al. The pharmacogenetic footprint of ACE inhibition: A population-based metabolomics study. PLoS One 2016;11:e0153163.
3. Shin SY, Fauman EB, Petersen AK et al. An atlas of genetic influences on human blood metabolites. Nat Genet 2014;46:543-50.
4. Finan B, Yang B, Ottaway N et al. A rationally designed monomeric peptide triagonist corrects obesity and diabetes in rodents. Nat Med 2015;21:27-36.