Em um prédio histórico do
Instituto Butantan, localizado entre o Museu de Microbiologia e a Biblioteca
Central, foi inaugurada nesta sexta-feira (21/07) a sede do Centro de
Excelência para Descoberta de Alvos Moleculares (Centre of Excellence in New
Target Discovery – CENTD).
Apoiado pela FAPESP e pela
farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK), o CENTD tem como objetivo identificar novos
alvos terapêuticos para doenças de base inflamatória, como osteoartrite,
artrite reumatoide, câncer e doenças neurodegenerativas.
O Centro foi concebido no
modelo parceria público-privada (PPP) e aprovado no final de 2015, no âmbito do
Programa FAPESP de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE). As atividades do
grupo coordenado pela pesquisadora Ana Marisa Chudzinski-Tavassi tiveram início
em fevereiro de 2016.
“Como ainda não tínhamos sede
própria, cada pesquisador principal estava, até este momento, conduzindo os
experimentos em seu próprio laboratório no Instituto Butantan. Tudo agora será
centralizado na nova facility, onde pesquisadores, pós-doutorandos,
professores associados e alunos terão um ponto focal para discussões e convívio,
o que certamente favorecerá o intercâmbio e as colaborações”, disse a
coordenadora do CENTD.
A nova sede ocupa uma área de
aproximadamente 200 metros quadrados no primeiro prédio de alvenaria construído
no Instituto Butantan. Conhecido como P-55, o imóvel teve a fachada restaurada
e a parte interna totalmente remodelada.
Entre os equipamentos
adquiridos com apoio da FAPESP e da GSK estão citômetro de fluxo, espectrômetro
de massa, microscópio confocal e um aparelho para a realização de ensaios do
tipo High Content Screening (HCS) – capaz de triar moléculas com algum tipo de
efeito biológico e, portanto, essencial para pesquisas voltadas ao
desenvolvimento de fármacos.
“Essa parceria com a GSK e com
a FAPESP é importante para estabelecer novas formas de colaboração científica,
formar recursos humanos visando a inovação, ampliar a internacionalização e,
sobretudo, para estabelecer formas de inovar para oferecer à sociedade
melhorias”, destacou Chudzinski-Tavassi, durante a cerimônia de inauguração da
sede.
Também presente no evento, o
diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, afirmou que o
projeto permite "avançar um passo” no relacionamento entre instituições de
pesquisa e empresas. “Neste caso, por meio de parceria com uma empresa que atua
com base na ciência e apoiando um projeto de pesquisa bastante ousado, que tem
a possibilidade de durar até 10 anos”, destacou.
Isro Gloger, diretor do
Programa Trust in Science da GSK, contou que há seis anos a farmacêutica
decidiu explorar a ciência na América Latina e o Brasil foi considerado um
parceiro prioritário pela alta quantidade e qualidade de sua produção
científica.
“Tivemos a sorte de
estabelecer a parceria com a FAPESP e juntos criamos uma PPP única, tendo a
ciência como valor mais importante. Em 2015 tivemos a ideia de criar o centro
de excelência e o Instituto Butantan apresentou uma proposta inovadora: estudar
moléculas de venenos de serpente não para ver se curam, mas para entender como
curam e, assim, buscar novos alvos para o desenvolvimento de fármacos”, contou.
Na avaliação do secretário de
Saúde do Estado de São Paulo, David Uip, o modelo de parceria adotado evidencia
o objetivo fundamental da FAPESP para o Estado de São Paulo.
“Acredito muito no modelo das
PPPs. A indústria consegue fazer ciência de ótima qualidade e essa parceria no
mundo moderno é absolutamente vital. Os governos não têm mais recursos para
serem investidores isolados em pesquisa e ciência, a despeito de admitir que a
pesquisa e a ciência são fundamentais em qualquer área de atuação. O Brasil
passa por enorme crise e, neste momento, esse tipo de parceria consegue nos
colocar na linha de vanguarda”, afirmou.
Também participaram da
cerimônia de inauguração Dimas Tadeu Covas, diretor do Instituto Butantan,
Joanna Crellin, cônsul-geral britânica de São Paulo, e Wasim Mir,
embaixador-adjunto do Reino Unido no Brasil.
Ciência de vanguarda
De acordo com a coordenadora
do CENTD, além de organizar a construção da nova sede e a importação dos
equipamentos, a equipe do Centro se dedicou ao longo dos últimos meses a criar
um repositório de moléculas naturais a serem testadas no âmbito do projeto –
isoladas principalmente de venenos, toxinas e outras secreções animais.
“Esse tipo de molécula
extraída de secreções animais adquiriu, ao longo da evolução, grande
seletividade e especificidade para interagir com células humanas e isso nos
permite uma abordagem mais direcionada. Em nosso instituto, a gama de toxinas
que atua em processos imunoinflamatórios é vasta, assim como o conhecimento
sobre os mecanismos de ação e a química dessas proteínas de veneno”, contou
Chudzinski-Tavassi.
Segundo a pesquisadora, todos
os compostos incluídos no biorrepositório passaram por rígido controle de
qualidade e tiveram suas características bioquímicas e funcionais bem
estudadas.
“Precisamos ter tudo
padronizado e a certeza de que cada uma dessas moléculas vai sempre se
comportar da mesma maneira nos diferentes ensaios. Isso é essencial para
garantir a reprodutibilidade dos achados. Também era preciso garantir
quantidade suficiente dos compostos para testá-los nos diversos modelos de
estudo em desenvolvimento”, explicou Chudzinski-Tavassi.
Como o foco inicial do CENTD
está em doenças artríticas e câncer, disse, foram desenvolvidos ao longo do
primeiro ano de funcionamento do Centro modelos celulares que possibilitam
testar o efeito das moléculas selecionadas nesse tipo de patologia.
“A proposta é usar os
compostos naturais como ferramentas para descobrir alvos moleculares drugable,
ou seja, que podem ser modulados farmacologicamente em uma condição patológica.
A partir dessas descobertas a GSK poderá fazer novas pesquisa para o
desenvolvimento de fármacos”, disse Chudzinski-Tavassi.
Com o equipamento de HCS,
contou a pesquisadora, é possível analisar por meio de imagens diversos
aspectos celulares e observar de que modo o fenótipo se modifica quando as
culturas são tratadas com um determinado composto.
“Podemos, por exemplo,
mimetizar uma condição de osteoartrose usando uma cultura de condrócitos
[células extraídas da cartilagem], tratar esse modelo com uma determinada
proteína e, depois, avaliar os marcadores de inflamação, a estrutura celular e
uma série de outros parâmetros. Em seguida, para entender como o efeito
observado ocorreu, investigamos as vias de sinalização envolvidas. Até,
finalmente, chegarmos ao alvo que a proteína está atingindo”, disse.
Uma das metodologias
essenciais para esse tipo de investigação é a transcriptômica, contou a
pesquisadora. “Após tratar as células com o composto em estudo, extraímos o RNA
e, por sequenciamento, identificamos os genes que estão sendo alterados. Ao
comparar com uma cultura não tratada é possível mapear genes e vias que estão
sendo modulados pelo tratamento. Tudo com auxílio de ferramentas de
bioinformática”, explicou.
A nova sede vai reunir, além
de todos os equipamentos necessários para os ensaios, também uma sala dedicada
à cultura de células. “Nesse laboratório, todos os pesquisadores poderão
trabalhar tanto no tratamento das células como na análise dos resultados. A
bioinformática também é essencial nestas análises. Com tudo concentrado em
uma facility, esperamos aumentar muito a interação entre os
pesquisadores e estudantes”, disse Chudzinski-Tavassi.
A equipe do CENTD conta, até o
momento, com cerca de 80 pessoas entre pós-doutorandos, pesquisadores
principais, pesquisadores associados e funcionários. A meta é identificar pelo
menos um novo alvo terapêutico a cada dois anos.
O projeto tem aporte
financeiro de R$ 24 milhões: a FAPESP investe R$ 12,7 milhões e a GSK R$ 11,3
milhões para a compra de equipamentos, reagentes e contratação de
pós-doutorandos. Em contrapartida, o Instituto Butantan fornecerá, ao longo dos
cinco anos, toda a infraestrutura e os recursos humanos para a efetivação da
pesquisa, o que equivale a aproximadamente mais R$ 33 milhões.
“Esperamos produzir ciência de
qualidade e de alto impacto e, com os resultados gerados, contribuir para o
entendimento de fenômenos ainda não desvendados em certas patologias de cunho
inflamatório. Conhecimento este que permitirá à GSK desenvolver novas e
eficientes drogas para ajudar a sociedade”, disse Chudzinski-Tavassi.
A pesquisadora ressaltou ainda
que a infraestrutura desenvolvida para os estudos do CENTD poderá suportar
inúmeros outros projetos de pesquisa no futuro.
Karina Toledo |
Agência FAPESP