O advogado Caio Abreu viveu de
perto o drama de famílias que buscaram na cannabis auxílio no tratamento de
doenças como o câncer. Com o adoecimento de sua mãe em 2006, ele recorreu à
planta para aliviar os efeitos colaterais da quimioterapia. Diante dos
percalços para conseguir suplementos à base de cannabis sativa, cuja importação
para o País só foi liberada no ano passado, Abreu se deparou com uma indústria
praticamente inexistente – mas que, em outros países, tem movimentado cifras
bilionárias e alçado ao posto de produto financeiro, com cada vez mais empresas
listadas em bolsa.
Hoje, Abreu se dedica a
produzir o primeiro medicamento à base da erva 100% brasileiro e está à frente
da empresa que ambiciona ser líder no País em soluções medicinais à base de
cannabis, a Entourage Phytolab. Nessa jornada desafiadora de explorar o
potencial terapêutico de uma erva ainda tabu para tratar doenças, sobretudo as
que envolvem dores crônicas, o empreendedor tem um parceiro de peso: a Canopy
Growth Corporation, maior companhia ligada à maconha medicinal no mundo.
A Entourage, de Caio Abreu, é a primeira empresa brasileira
de pesquisa e desenvolvimento focada na criação de medicamentos à base de
cannabis
Foto: Ari Ferreira|Estadão
Avaliada em cerca de US$ 1,2
bilhão, a Canopy, do Canadá – primeiro país a legalizar o uso medicinal da
maconha – foi listada em fevereiro na bolsa de Toronto, com o ticker
(código de negociação) WEED. No ano passado, ela aportou US$ 3 milhões na
Entourage e na Bedrocan Brasil, subsidiária fruto da parceria.
Bruce Linton, fundador da
Canopy, começou no negócio há cinco anos – em uma situação, segundo ele, muito
similar às circunstâncias atuais no Brasil, em que “mais pessoas vão para a
cadeia pela cannabis do que para o mercado de ações”, brinca.
“O propósito do nosso negócio
é criar um mercado global, legalizado no âmbito federal, para que as pessoas
vejam a indústria como um negócio de longo prazo e que agrega valor por
produzir em vários formatos – um trabalho científico necessário para apresentar
o produto como uma oferta viável e medicinal”, diz Linton.
Para ele, a Entourage,
diferentemente dele na época, tem o caminho já mais desbravado para se destacar
no ramo, por contar com o amparo de legislação específica e “não depender de
políticos, mas de reguladores”. Em maio, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) reconheceu a cannabis sativa como planta medicinal e a
formalizou como um componente a ser produzido no Brasil e também exportado.
Negócios. Os
empreendedores do ramo apontam o potencial desse mercado não só como motor de
inovação na área da saúde, mas também como investimento. A consultoria de risco
Viridian Capital Advisors criou um índice para acompanhar as ações das 50
maiores companhias listadas em bolsa de valores nos Estados Unidos com atuação
direta no mercado da maconha. Enquanto a valorização média da bolsa foi de 10%
no ano passado, as empresas ligadas à cannabis avançaram
256%. Especialistas ponderam, no entanto, que os papeis dessas empresas
são muito voláteis, alguns deles “penny stocks” (que operam a preços muito
baixos) – o que exige cautela por parte do investidor.
Para quem quiser
investir nesse mercado sem apostar numa só companhia, já há instrumentos
para diversificação. Em abril, começou a ser negociado no Canadá, o primeiro
ETF (fundo que replica índices de ações) de empresas ligadas à cannabis.
Batizado de Horizons Medical Marijuana Life Sciences, o fundo
replica o desempenho de 14 papéis, sendo dez deles canadenses – incluindo a
Canopy Growth. Todos fazem parte da composição do Marijuana Index, índice
criado em 2013 nos Estados Unidos que acompanha a negociação dos ativos de
empresas ligadas à cannabis.
Pioneira. A
caminhada brasileira da cannabis rumo ao mercado financeiro, no entanto, é
ainda longa. A entrada de Abreu nos negócios da maconha não foi imediata:
quase dez anos se passaram até ele obter autorização do uso medicinal da planta
e decidir largar o escritório especializado em direito societário e mercado de
capitais para se dedicar plenamente à Entourage Phytolab.
Os desafios regulatórios em torno da planta ainda são muitos,
mas os primeiros resultados, aos poucos, começam a aparecer. Em junho, a
Entourage fez a primeira extração das substâncias da cannabis vindas do Canadá,
em parceria com a Unicamp, para produzir o primeiro medicamento 100% brasileiro
para o tratamento de epilepsia e dor crônica. “O conceito da Entourage é
desenvolver um medicamento que exista na farmácia e seja acessível”, diz.
Segundo Paul Smithers,
presidente da Innovative Industrial Properties, empresa americana ligada à
cannabis que abriu capital na Bolsa de Nova York no fim do ano passado,
estar na área medicinal dá mais proteção à companhia. Isso porque, apesar de a
maconha não ser legal no âmbito federal nos Estados Unidos, há uma
emenda aprovada pelo Congresso que proíbe qualquer perseguição contra
produtores medicinais nos Estados em que a planta é legalizada.
A empresa de Smithers funciona
como um fundo de investimento imobiliário: eles adquirem terrenos onde há
plantações de cannabis em Estados nos quais a erva é legalizada. Na prática, a
empresa não chega sequer a mexer com a planta e, devido ao boom imobiliário proporcionado pela cannabis e a
crescente expansão do mercado, ganha com a falta de espaços. Segundo
o grupo The ArcView, o mercado de cannabis legal nos Estados Unidos deve
crescer 26% nos próximos 4 anos, saindo de US$ 6,9 bilhões em 2016 para US$
21,6 bilhões em 2021.
Para o gestor de investimentos
Rafael Selegatto, uma empresa como a Innovative também poderia ter sido
criada no Brasil, caso o uso medicinal fosse liberado e totalmente
regulamentado. Ele conta que, pela especificidade e por focar mais no mercado
imobiliário do que propriamente no da erva, a empresa apresenta um mercado tão
inexplorado quanto.
No Canadá, o mercado deve
crescer ainda mais com a expectativa da legalização da maconha para fins
recreativos no ano que vem, conforme promessa do primeiro-ministro Justin
Trudeau. “Possivelmente, será algo muito similar à venda do álcool, uma vez
que, na maioria das províncias, o governo é o responsável por operar as vendas
de bebida alcoólica, para que seja um produto certificado e sem risco de
contaminação”, explica Linpton, da Canopy. “No fim das contas, não acho que a
questão central é sobre cannabis em si, mas sim que pessoas esclarecidas
preferem sistemas que são controlados e organizados em vez de deixá-los para o
mercado negro e os criminosos”, diz.
Fonte: O Estado de S. Paulo –
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