Os
laboratórios farmacêuticos ocupam a segunda colocação, entre os 21 setores do
ranking do anuário Valor Inovação Brasil 2018, com o maior nível de
investimento da receita líquida em atividades de Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D).
A inovação é a principal prioridade na agenda estratégica de 62% das empresas
da área farmacêutica e de ciências da vida no Brasil, estando atrás apenas do
setor de bens de consumo (67%).
A busca pelo desenvolvimento de novas moléculas e medicamentos e a condução de
estudos clínicos que validem as descobertas levam o segmento a investir em P&D
uma mediana superior a 5% do faturamento anual.
No Top 10 das empresas mais inovadoras do país está o laboratório Aché, na 8ª
posição.
Veja abaixo as reportagens do anuário Valor Inovação Brasil 2018.
Intensidade na pesquisa
Jornalista: Felipe Datt
A inovação é a principal prioridade na agenda estratégica de 62% das empresas
da área farmacêutica e de ciências da vida no Brasil. Trata-se do segundo maior
percentual entre todos os segmentos do levantamento, atrás apenas de bens de
consumo (67%), conforme o ranking Valor Inovação Brasil 2018. A busca pelo
desenvolvimento de novas moléculas e medicamentos e a condução de estudos
clínicos que validem as descobertas levam o segmento a aparecer na segunda
posição entre os 21 pesquisados quanto ao nível de investimento da receita
líquida em P&D, com uma mediana superior a 5% do faturamento anual.
O setor é também o quarto que mais investe em inovações não rotineiras ou
incrementais: 53% dos recursos. Líder na produção de anestésicos na América
Latina, o Laboratório Cristália dedicou 6% do faturamento de RS 1,9 bilhão em
2017 para atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Para 2018, a
empresa está investindo RS 20 milhões na ampliação de sua unidade de P&D,
localizada no complexo industrial de Itapira (SP), e que reúne uma equipe de
300 pesquisadores que se dedicam a buscar inovações em três áreas:
farmacêutica, Farmoquímica e biotecnológica.
Com expertise para o desenvolvimento de todas as etapas de produção de um novo
produto, da concepção da molécula ao medicamento final, o laboratório de origem
nacional lançou 29 novos produtos no mercado nos últimos anos, alcançando um
total de 105 patentes (em países como Brasil, Argentina, Canadá, China, EUA e
Japão), além de 207 depósitos de pedidos de patentes.
“A inovação mais radical que desenvolvemos foi um produto para disfunção
erétil, o Helleva. É da mesma família do Viagra, mas com uma molécula nova,
desenvolvida inteiramente no Brasil", afirma o presidente do Conselho
Diretor do laboratório, Dr. Ogari Pacheco. As inovações não se restringem à
pesquisa de novas moléculas. Um dos principais produtos que nasceram do centro
de P&D da companhia foi uma embalagem inovadora que contribuiu para mitigar
os riscos de infecção hospitalar nos centros cirúrgicos-
a embalagem também é esterilizada na parte exterior. Batizada de sterile pack,
essa embalagem é utilizada atualmente em todos os produtos hospitalares do
Cristália, como anestesias e morfinas.
Entre os projetos em desenvolvimento pelo Cristália anualmente, pelo menos 25%
são classificados como inovações radicais. Nesse momento, está em curso o
desenvolvimento de um inovador hormônio de crescimento para evitar o nanismo. O
medicamento atual é utilizado pelos pacientes em doses diárias. “Estamos desenvolvendo
um hormônio de longa duração, permitindo ao paciente uma injeção a cada 15
dias. já conseguimos isolar a molécula e precisamos traduzir isso em
medicamentos. A expectativa é que isso ocorra dentro de três anos", diz.
A Libbs direciona 10% do faturamento para P&D e inovação, o dobro do
verificado pela média do mercado. “A inovação nessa indústria é feita por
poucas empresas e em poucos países. Entendemos que deveríamos trilhar o caminho
da inovação e não da cópia. Para nos especializarmos e desenvolvermos produtos
novos, teríamos que fazer um sacrifício em termos de investimentos”, afirma o
presidente-executivo, Athayde Júnior.
Em 2016, a Libbs investiu RS 500 milhões na construção da primeira planta
nacional para a produção de biossimilares em escala industrial no Brasil, a
Biotec. Os medicamentos biossimilares são formulados a partir de materiais
biológicos (produzidos a partir de células vivas, como bactérias, fungos ou
células de mamíferos) e utilizados no tratamento de doenças autoimunes e cânceres
avançados. A expectativa da Libbs é que, nos próximos anos, seis medicamentos
biossimilares sejam produzidos na fábrica.
Em março de 2018, o laboratório começou a comercializar o primeiro biossimilar
à base de anticorpo monoclonal (o trastuzumabe, utilizado no tratamento de
câncer de mama avançado) no Brasil, um medicamento batizado de Zedora. O
monoclonal é um anticorpo escolhido para ser clonado em laboratórios de
biotecnologia e transformado em medicamento. A previsão é que, em cinco anos, o
medicamento seja produzido 100% no Brasil - durante este tempo, a Libbs
executará a transferência de tecnologia do biossimilar para o Instituto
Butantan. “A transferência de biológicos é quase como o desenvolvimento de um
novo produto, tamanha a complexidade”, diz.
Por meio de um contrato de Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) com o
Ministério da Saúde, a Libbs levantou recursos com o BNDES e a Finep para a
construção da planta e a transferência de tecnologia para o Brasil. O governo,
por sua vez, se comprometeu a comprar o medicamento junto ao laboratório, com
custos decrescentes ao longo dos anos. “O PDP é uma forma de contrato que o
governo encontrou para quebrar o monopólio de insumos estratégicos, aumentando
o número de ofertantes de um determinado medicamento”, diz.
Com um portfólio com mais de 200 produtos em fase de desenvolvimento clínico
atualmente em seus centros globais de P&D, a Novartis tem como linha
estratégica de inovação no Brasil a condução de estudos clínicos. No último
triênio, o braço brasileiro do grupo farmacêutico de origem suíça investiu mais
de R$ 222 milhões em pesquisas clínicas, que beneficiaram mais de 30 mil
pacientes em cerca de 300 centros de pesquisa no Brasil.
Os estudos de desenvolvimento clínico são estratégicos para a indústria
farmacêutica para a validação de novos medicamentos e terapias que tratem ou
previnam doenças. No Brasil, os estudos clínicos da Novartis são conduzidos
para o teste de inovações nas áreas de oncologia, cardiovascular, de
biossimilares e cuidados oftalmológicos. “A Novartis é, seguramente, a primeira
ou a segunda empresa farmacêutica que mais investe em estudos clínicos no
Brasil”, diz o diretor de relações governamentais, João Sanches.
Conforme o especialista, apesar das excelentes condições para o desenvolvimento
de estudos clínicos no Brasil (“em termos de oferta de infraestrutura, boa
ciência e captação de pacientes”), a execução desses estudos ainda é
desafiadora no Brasil por conta de aspectos regulatórios e legais. “A Anvisa
tem diminuído os prazos para a condução de estudos clínicos no Brasil, que
chegaram a ter um período de aprovação superior a um ano. Hoje este prazo está
em seis meses, com tendência de diminuir”, diz. “Mas, para o Brasil ser
competitivo globalmente, é preciso de um prazo médio menor. O Brasil não atrai
hoje nem 1% dos investimentos mundiais em estudos clínicos, e poderíamos
multiplicar esse número por cinco facilmente”, completa Sanches.
Já a Roche Farma Brasil direcionou um total de RS 400 milhões para pesquisa e
desenvolvimento no Brasil nos últimos três anos - foram RS 160 milhões apenas
em 2017. A linha estratégica de atuação é também a condução de estudos
clínicos. Cerca de 240 centros de pesquisa locais estão envolvidos em mais de
85 estudos clínicos. Atualmente são cerca de 1,4 mil pacientes brasileiros
envolvidos com as inovações em protocolos clínicos.
A Roche mantém, na sede no Jaguaré (SP), um departamento de pesquisa clínica
com 42 profissionais dedicados a trazer estudos globais da companhia ao Brasil.
A ideia é que todos os medicamentos desenvolvidos globalmente possam ser
testados no país antes do lançamento. Os estudos são realizados em hospitais
privados e também, na rede do Sistema Único de Saúde (SUS), com o intuito de
testar novos medicamentos e terapias em áreas como a oncológica (tumores) e de
neurologia (Alzheimer, esclerose múltipla, autismo), por exemplo. “Com os
estudos clínicos, os pacientes têm acesso antecipado a terapias que podem
prolongar a vida ou mesmo curar suas doenças”, diz o presidente da Roche Farma
Brasil, Rolf Hoenger.
Em outra frente, a empresa vem fomentando o desenvolvimento das healthtechs, as
startups que apostam em tecnologias desmotivas para transformar o segmento de
saúde. No ano passado, a empresa patrocinou a primeira edição do Desafio Roche
para Startups, com o tema “Transformando a Jornada Oncológica". Para a
edição 2018 do desafio, a busca é por empresas novatas com abordagens
inovadoras em projetos de gestão digital de dados para o setor de saúde (a
exemplo de novos prontuários médicos eletrônicos, sensores wearable, softwares
para diagnósticos remotos automatizados etc.).
Na edição passada, a vencedora foi a startup gaúcha Ziel Biosciences, que
inovou na metodologia de prevenção do câncer de colo do útero com um dispositivo
que permite a coleta do exame por pessoas não especializadas - o que pode
facilitar a detecção do papiloma vírus humano (HPV) em regiões de difícil
acesso para os serviços de saúde. A Roche auxiliará as startups com a
participação em congressos internacionais e mentoria. “Ao aumentar as
interações externas, a Roche consegue identificar mais facilmente onde estão as
melhores ideias. Eventuais aquisições serão estudadas caso a caso”, diz
Hoenger.
Aché: Aprender com o que a natureza ensina
Jornalista: Stella Fontes
Ao mesmo tempo em que elevou o investimento em inovação incremental, o Aché,
uma das maiores farmacêuticas do Brasil, estruturou as bases para uma nova onda
de lançamentos que prometem ter grande impacto na saúde cia população. Em
quatro ou cinco anos, conta Stephani Saverio, diretor de inovação e novos
negócios do Aché, moléculas que estão em fase de gestação no laboratório, fruto
de projetos de inovação radical, chegarão ao mercado com a expectativa de
revolucionar o tratamento de doenças como vitiligo e transtorno de ansiedade.
Entre as farmacêuticas de capital nacional, o Aché foi pioneiro em inovação
radical. Em 2005, após duas décadas de pesquisas, lançou o anti-inflamatório
Acheflan, produzido a partir do extrato da Corclia verbenacea, planta
brasileira popularmente conhecida como erva-baleeira ou maria-milagrosa. De lá
para cá, a área de pesquisa e desenvolvimento do laboratório cresceu,
ultrapassou fronteiras nacionais e plantou as sementes do ciclo de lançamentos
que se avizinha.
O pioneirismo colocou o laboratório na dianteira em relação ao desenvolvimento
de novas moléculas, projetos que tradicionalmente demandam investimento elevado
e têm ciclo longo de maturação. Mais do que isso, representou uma oportunidade
de aprender e avançar alguns passos frente à concorrência, ressalta Saverio.
Assim como ocorreu com o Acheflan, a biodiversidade brasileira segue no radar
do Aché. De acordo com Saverio, o Brasil conta com 25% de toda a biodiversidade
mundial. E, de 2 milhões de espécies existentes, apenas 10% ou 15% foram
catalogadas. Para o laboratório, essa riqueza é vista como uma grande
oportunidade de aprendizado. A missão, nesse caso, é entender os diferentes
mecanismos de ação de extratos e produtos naturais para desenvolver novos medicamentos,
e não necessariamente um fitoterápico.
Para tanto, o laboratório brasileiro firmou, no fim de 2017, uma parceria com o
Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e a empresa
Phytobios para identificar substâncias bioativas em extratos vegetais e
desenvolver medicamentos nas áreas de oncologia e dermatologia. “A ideia é
entender e aprender a partir do que a natureza tem em termos de molécula para
desenvolver novas estruturas, que podem ser inclusive semissintéticas ou
totalmente sintéticas”, adianta.
É na biodiversidade que a farmacêutica enxerga o maior legado e oportunidade.
Mas há outros projetos considerados relevantes em inovação radical. Em 2016,
ingressou no Structural Genomics Consortium (SGC), parceria público-privada com
sede em Toronto, no Canadá, para acelerar o desenvolvimento de novas drogas.
Como parte da parceria, o Aché utiliza seu Laboratório de Design e Síntese
Molecular na investigação de enzimas ligadas à proliferação celular (quinases),
com o objetivo de desenvolver novos tratamentos contra o câncer. A ideia é
ampliar essa estrutura nos próximos meses. “Graças a ela conseguimos criar
parcerias, como, por exemplo, o SGC, que são bases estruturais para a inovação
de grande impacto.”
Sem descuidar dos projetos de pesquisa de ciclo mais longo, o laboratório
brasileiro se vale de um extenso portfólio e de tecnologias já desenvolvidas
internamente para avançar no terreno da inovação incremental, que parte de
moléculas já existentes. “O Aché é empresa de A a Z, um laboratório que atua em
diferentes categorias, e isso aumenta o espectro de oportunidades. É o
substrato para trabalhar e gerar inovação incremental", ressalta.
O principal motor para esses projetos de inovação incremental é o tamanho do
mercado farmacêutico brasileiro, que caminha para ser o quinto maior do mundo,
a expectativa é a de que o país suba o degrau da sexta para a quinta posição em
2020. Essa escala já garante valor a esse tipo de desenvolvimento, diz Saverio.
O Aché acumula conhecimento em tecnologia para liberação controlada de
fármacos, a partir da intervenção na biodisponibilidade das fórmulas, de forma
a atender melhor à conveniência de pacientes e médicos. É o caso do Donila Duo,
remédio usado no tratamento da doença de Alzheimer que combina, de maneira
inédita, duas moléculas que eram tomadas separadamente em uma única pílula.
Agora, a ideia é ampliar esse portfolio na área de asma e doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC), na qual o Aché é líder de mercado.
Outra frente muito importante para a inovação incremental no laboratório
brasileiro é a aplicação da nanotecnologia para o desenvolvimento de novos
fármacos. No fim de 2017, o Aché inaugurou em parceria com a Ferring
Pharmaceuticals o primeiro laboratório de nanotecnologia do Brasil, o Nile (do
inglês Nanotechnology Innovation Laboratory Enterprise). No início de 2018, o
centro já estava em pleno funcionamento.
Novos produtos resultantes de inovação dessa natureza já têm sido colocados no
mercado, enquanto na inovação radical o Aché está criando as bases para que
possa apresentar novidades em quatro ou cinco anos, segundo Saverio. Mais
recentemente, a partir da nova legislação de exploração da biodiversidade
brasileira, novas oportunidades se abriram. E há projetos de inovação radical
que entram agora em fase clínica - novas moléculas para ansiedade e para
tratamento de vitiligo. “Assim que esses projetos chegarem ao mercado, a
expectativa é de que o impacto seja muito forte para a indústria brasileira”,
destaca o executivo.
Dentro do Aché, a área de inovação está organizada como núcleo que integra
todas as áreas de pesquisa e desenvolvimento. Ali estão reunidos desde projetos
de pesquisa básica, que surtem efeito na inovação radical e também incremental,
a toda a área de desenvolvimento, incluindo desenvolvimento de negócios, e
corpos técnico e clínico, uma vez que a área médica e de pesquisa clínica está
inserida nesse núcleo. Ao todo, são quase 330 profissionais envolvidos.
A área de desenvolvimento de negócios, diz Saverio, reúne a equipe voltada à
criação de novos produtos e negócios, parcerias e iniciativas de
internacionalização da companhia. Há ainda tuna célula de desenvolvimento
farmacotécnico e analítico, a de inovação incremental e outra de inovação
radical, além da área clínica, que congrega o núcleo médico e científico, com
60 especialistas, que respondem também pela farmacovigilância do Aché.
A missão do laboratório, segundo Saverio, é ampliar as oportunidades de
apresentação de novos produtos. Por ano, o Aché tem lançado em média 30 novos
produtos, dos quais 30% a 35% na área de prescrição médica e os demais em
isentos de prescrição (MlPs), dermatologia e genéricos. “Nossa meta é manter e
ampliar esse número, sempre buscando maior diferenciação e inovação que possa
suprir necessidades não atendidas de médicos e pacientes", diz o
executivo.
Por ano, o laboratório investe em média 10% de seu resultado antes de juros,
impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) em projetos de
inovação. Em 2017, foram R$ 90 milhões e, em 2018, o valor aplicado deve subir
a R$ 100 milhões. A crise econômica enfrentada pelo país entre 2015 e 2017,
observa Saverio, não mudou os planos da farmacêutica, ao menos nessa área. Como
os ciclos de desenvolvimento são longos, e o impacto das crises ocorre já no
curto prazo, a estratégia é manter o investimento e o cronograma previstos.
“Não reduzimos o investimento durante esse solavanco”, afirma.
Sindusfarma