O uso exagerado de
antibióticos está criando superbactérias tão resistentes que já matam 700 mil
pessoas por ano no mundo. O fenômeno é considerado uma epidemia com graves
consequências: a partir de 2050, as superbactérias matarão 10 milhões ao ano,
superando o atual número de óbitos por câncer (8,2 milhões), de acordo com a
OMS (Organização Mundial de Saúde).
Além do risco à população, o
fenômeno representa um desafio para a indústria: como as bactérias se tornam
resistentes cada vez mais cedo, os medicamentos se tornam obsoletos rapidamente
e deixam de interessar à indústria farmacêutica.
Para reverter esse cenário, é
importante que pacientes parem de se automedicar e que médicos sejam mais
criteriosos ao prescrever esse tipo de medicamento. Mas não só isso. Há uso
descontrolado de antibióticos também nas plantações e na pecuária, além de
descarte incorreto dos remédios que sobram.
Criado em 1928 pelas mãos do
farmacologista britânico Alexander Fleming, o primeiro antibiótico de que se
tem registro é a penicilina. Foi a solução para doenças que castigavam
populações, como a peste negra, a tuberculose, a peste bubônica e a febre
tifoide.
"O aparecimento do antibiótico,
das vacinas e do saneamento básico aumentou a expectativa de vida do ser humano
em até 30 anos", estima Maria Lavínea Figueiredo, gerente de produtos
anti-infectivos da farmacêutica Pfizer.
Mas já no final da década de
1930 o próprio Fleming alertava a comunidade médica sobre as mutações que as
bactérias estavam sofrendo para ganhar resistência e vencer sua invenção. O uso
indiscriminado do medicamento ao longo dos anos confirmou seus temores.
Os médicos nem sempre
receitaram o remédio de forma adequada, enquanto muitos pacientes não respeitam
a dosagem receitada, usam as sobras para se automedicar ou jogam no meio
ambiente.
"Não se deve descartar os
antibióticos na pia, no lixo ou no vaso sanitário", diz a diretora Flávia
Rossi, do Serviço de Microbiologia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Em
contato com as bactérias do solo, rios e mares, esses resíduos favorecem o
aparecimento de micro-organismos resistentes. "A recomendação é entregar o
que sobrou a farmácias que ofereçam programas de coleta."
Flávia, que também é
infectologista do Grupo de Vigilância Microbiana da OMS, acompanhou os
resultados de recentes estudos no Rio de Janeiro que comprovam a contaminação
das águas da Bahia de Guanabara por superbactérias. As mais resistentes, no entanto,
se proliferam dentro dos hospitais.
No ano passado, a Secretaria
de Saúde do Estado de São Paulo identificou 5.067 micro-organismos resistentes
em 343 unidades de saúde, quase sempre em UTIs (Unidades de Terapia Intensiva)
adultas.
Mário Bittencourt/UOL
Superbactérias se desenvolvem
especialmente em ambiente hospitalar
No Brasil, as bactérias
carbapenens são as que mais assustam as autoridades. Seus três tipos são
dificilmente tratados com antibióticos. A mais temida é a Acinetobacter.
"Quando ela é identificada no Brasil, há de 60% a 80% de chance de falha farmacêutica",
estima Flávia Rossi.
O resultado é que os pacientes
passam mais tempo internados, os gastos hospitalares disparam e os índices de
mortalidade vão junto.
Antibiótico na pecuária
Muitas bactérias se tornam
resistentes devido ao uso de antibióticos na cadeia alimentar: 70% do consumo
da droga se dá no agronegócio. Nas plantações, aplica-se antifúngico; nos
animais, o antibiótico protege de doenças e aumenta a quantidade de gado
disponível.
"Pode ser usado, mas sob
controle. Hoje a utilização é generalizada", diz a infectologista.
"Ao comer uma carne malcozida, a bactéria resistente pode chegar ao homem
e se reproduzir no intestino."
Sem remédio
Outra superbactéria que aflige
o país é a KPC, endêmica e ainda sem tratamento por aqui. Nos Estados Unidos,
existe remédio disponível há três anos.
Segundo a Pfizer, que espera
que até 2019 o medicamento Torgena seja liberado pela Anvisa (Agência Nacional
de Vigilância Sanitária), no Brasil, espera-se de 8 a 12 anos para que um
antibiótico seja comercializado, desde o momento de seu
desenvolvimento. "Quando chega [o remédio], as bactérias já estão
resistentes", lamenta Eurico Corrêa, diretor médico do laboratório.
O micro-organismo causa
pneumonia, infecção urinária e da corrente sanguínea. Seus sintomas vão de
taquicardia, febre e inchaço até a falência múltipla dos órgãos.
"O mercado está
quebrado", disse na época David Shlaes, consultor e ex-executivo do setor.
"Estamos agora em um ponto no qual a resistência avança muito mais
rapidamente do que nossa capacidade de fornecer novos antibióticos."
Participação dos consumidores
Diante de um cenário delicado,
a indústria quer engajar os pacientes na luta contra as superbactérias. Especialistas
do ramo querem popularizar as respostas para as seguintes questões:
1 - Já me sinto bem, posso
suspender o antibiótico? Não. A medicação deve ser tomada
rigorosamente de acordo com a receita médica, respeitando o número de dias e o
tempo de intervalo entre as doses.
2 - Posso misturar álcool com
antibiótico? Não. O efeito diurético do álcool pode
reduzir a concentração do medicamento no sangue, além de sobrecarregar o
fígado.
3 - Estou gripado, antibiótico
resolve? Gripes são provocadas por vírus, que não respondem a
antibióticos. Por isso nunca aproveite medicações que tenham sobrado de
prescrições anteriores.
4 - Hospital é um lugar
perigoso? Se precisa mesmo ir, previna-se! Reduza ao mínimo as
idas a hospitais, lave sempre as mãos com água e sabão e use álcool em gel. Não
toque em sondas, soros ou cateteres e jamais se deite ou sente em leitos
hospitalares.
5 - Posso partir um comprimido
ao meio? De jeito nenhum. Doses muito baixas podem facilitar a
adaptação do micro-organismo em vez de liquidá-lo. Se há dificuldade em ingerir
comprimidos, peça ao médico uma alternativa líquida.
"Vivemos
uma epidemia bacteriana silenciosa", alerta a infectologista do HC.
"Silenciosa até emergir. Quando isso acontece, já não há opções
terapêuticas. É na comunidade que reduziremos os efeitos."