Grupo de procuradores federais
criado em 2016 aumentou em 55% número de processos protocolados pela
instituição; entre os alvos estão fraudes previdenciárias, como dublês em
perícias médicas e ameaça a servidores do INSS, e uso irregular de recursos
públicos na merenda e no transporte escolar
A Advocacia-Geral da União
cobra R$ R$ 2 bilhões em 623 ações de improbidade administrativa ajuizadas nos
últimos 3 anos. O número é superior aos 400 processos ajuizados de 2002 até
2015. O aumento de 55% tem como explicação a criação da Equipe de Trabalho
Remoto de Ações de Improbidade Administrativa (ETR-Probidade), da
Procuradoria-Geral Federal (PGF), em 2016.
"Os dados revelavam não
só que havia falta de uniformidade no trato da defesa da probidade
administrativa, mas também evidenciavam a urgente necessidade de alterar esta
realidade visando a defender a implementação de políticas públicas caras e
essenciais à sociedade brasileira", afirma o procurador federal Alessander
Jannuci, da ETR-Probidade nesta entrevista.
Procuradora-regional Federal
da 3ª Região Lara Aued e o procurador federal Alessander Jannuci. Foto: Daniel
Estevão/AscomAGU
Os alvos das ações são
principalmente fraudes previdenciárias. O grupo de 7 procuradores já
identificou uso de dublês para perícias médicas, captação de pessoas com o uso
de documentos falsos para concessão de benefícios e ameaça de servidores do
INSS para obter benefícios previdenciários com a inserção de dados falsos nos
sistemas da instituição.
A investigação os procuradores
ainda pegou uso irregular de recursos públicos na merenda e no transporte
escolar, abandono de cargo, cumulação ilícita de cargos públicos, assédio
sexual, assédio moral e problemas em contratos administrativos.
LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA
COM
ESTADÃO: Qual é o alvo da
Equipe de Trabalho Remoto de Ações de Improbidade Administrativa?
ALESSANDER JANNUCI: Desde a
criação do ETR-Probidade, em 2016, até agora já foram ajuizadas 623 ações de
improbidade administrativa, totalizando valores buscados superiores a R$ 2
bilhões (mais precisamente R$ 2.019.345.892,94), incluindo-se na contagem o
dano ao Erário provocado e as multas civis pretendidas. Já existem 142
liminares judicialmente deferidas autorizando o bloqueio de mais de R$ 483
milhões -- em uma só delas, por exemplo, foi deferido o bloqueio de mais de R$
30 milhões. Atualmente, os principais alvos das ações são fraudes
previdenciárias, irregular utilização de recursos da merenda e transporte escolar,
omissão na prestação de contas, fraude na concessão de bolsas de estudo e de
pesquisa no âmbito de Universidade e Institutos de Educação Federais, ações
envolvendo faltas funcionais e desvios de recursos públicos em geral.
Atualmente o INSS e o FNDE possuem o maior número quantitativo de ações porque
possuem órgãos de controle e corregedorias atuantes e por conseguirem,
exemplarmente, estabelecerem bom fluxo de informações com a Procuradoria-Geral
Federal. Quanto ao número de fraudes no INSS, tal se deve tanto à capilaridade
da atuação da autarquia, presente em todo o território nacional, bem como ao
empenho de seus órgãos de controle. Ser hoje a autarquia com o maior número de
fraudes identificadas não significa, ao fim e ao cabo, que seja a que detém, na
realidade, o maior número delas. A Funasa, por exemplo, também
possui capilaridade em todo o território nacional com seus programas de
saneamento e distribuição de água, e nem por isso a Procuradoria-Geral Federal
recebe constante fluxo de expediente desta estirpe daquela entidade, o que não
significa que fraudes não ocorram naquele âmbito, tratando-se apenas de fluxo
de informações ainda deficiente.
ESTADÃO: Em 2016, a
Procuradoria editou uma portaria que constituiu uma equipe de trabalho
especializada na defesa da probidade administrativa. Como funcionava este
trabalho antes desta portaria?
ALESSANDER JANNUCI: Antes da
edição da Portaria PGF n. 156, de 8 de março de 2016, a defesa da probidade
administrativa era realizada pelos Núcleos de Acompanhamento Prioritário (NAP),
instalados nas Procuradorias Regionais Federais e nas Procuradorias Federais
nos Estados. Nestes NAP’s o mesmo procurador que realizava as atividades de
contencioso das ações de improbidade administrativa, regressivas
previdenciárias, execuções fiscais decorrentes de Acórdãos do TCU, ações
decorrentes de Tomada de Contas Especiais (TCE) e ações de cobrança de créditos
superiores a R$ 1 milhão também tinha a incumbência de analisar os casos
suscetíveis de ajuizamento dessas mesmas ações. Aquela realidade dificultava
sobremaneira o ajuizamento de novas ações de improbidade, uma vez que se
priorizava o atendimento dos prazos exíguos e recorrentes das ações já
judicializadas. Só para se ter uma ideia, desde a criação da Procuradoria-Geral
Federal, em 2002, até o ano de 2015, haviam sido ajuizadas apenas 400 ações de
improbidade, sendo 309 entre os anos de 2010 e 2015, por apenas 10 das 135
unidades da Procuradoria-Geral Federal. Aludidos dados revelavam não só que
havia falta de uniformidade no trato da defesa da probidade administrativa, mas
também evidenciavam a urgente necessidade de alterar esta realidade visando a
defender a implementação de políticas públicas caras e essenciais à sociedade
brasileira.
ESTADÃO: Quais as atribuições
do ETR-Probidade?
ALESSANDER JANNUCI: Com a
edição da Portaria PGF n. 156, de 8 de março de 2016 foi criada a Equipe de
Trabalho Remoto de Ações de Improbidade Administrativa (ETR-PROBIDADE) no
âmbito da Procuradoria-Geral Federal. Para tanto instaurou-se processo seletivo
com critérios objetivos, todos relacionados à especificidade da matéria
(números de ações de improbidade administrativa ajuizadas pelo candidato, por
exemplo), aberto a todos integrantes da carreira de Procurador Federal
interessados em se inscrever. A equipe iniciou seus trabalhos com apenas 2
procuradores e atualmente conta com 7. Trata-se de equipe nacional, em caráter
de dedicação exclusiva, responsável pela análise dos casos suscetíveis de
ajuizamento de ações de improbidade relacionados a qualquer das 159 autarquias
e fundações públicas federais representadas pela PGF, distribuídas nos 27
Estados da Federação. Dentre as autarquias e fundações públicas federais em
pauta, no âmbito das atribuições desempenhadas pelo ETR-Probidade, destacam-se
INSS, FNDE, FUNASA, Universidades e Institutos Técnicos Federais,
Agências Reguladoras e de Infraestrutura.
ESTADÃO: Que casos mais
chamaram a atenção?
ALESSANDER JANNUCI: Como
exemplos de ações protocoladas pelo grupo, podem ser destacadas as ajuizadas concomitantemente
à deflagração de operações realizadas pela Polícia Federal, relativas a fraudes
previdenciárias, onde, além da imediata indisponibilidade dos bens dos
envolvidos, busca-se descapitalizar organizações criminosas para evitar a
perpetuação das fraudes, permitindo a rápida recomposição do Erário diante dos
prejuízos sofridos. Mas a isto não se resume o trabalho do ETR-Probidade, sendo
importante destacar ações de improbidade ajuizadas no âmbito do PNAE (Programa
Nacional de Alimentação Escolar), PNATE (Programa Nacional de Apoio ao
Transporte Escolar), ambos relacionados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE); ações de improbidade relacionadas à concessão irregular de
bolsas de estudo e pesquisa nos mais diversos Institutos e Universidades
Federais; omissões em prestações de contas; ações de improbidade relativas a
Sistemas de Saneamento Básico e Distribuição de Água, relacionados à Fundação
Nacional de Saúde (FUNASA), dentre outras. Chama a atenção que,
diante da multiplicidade de autarquias e fundações públicas federais
representadas, os temas são muito variados e demandam especialização contínua
dos integrantes da equipe, sob pena de não conseguirem avaliar corretamente os
dados que lhe são apresentados. Para não ficar apenas em questões genéricas,
destaco oportunidade em que, havendo dois contratos distintos com um mesmo
município, um envolvendo Sistema de Distribuição de Água e outro Sistema de
Saneamento Básico, ambos teoricamente cumpridos, identificou-se ato de
improbidade porque os dois sistemas foram construídos um exatamente ao lado do
outro, com materiais inferiores aos esperados, a uma profundidade de meros 4
centímetros em um piso de terra batida, com trânsito frequente de veículos, o
que provocava a quebra dos materiais utilizados e constante contaminação de
água potável por esgoto, gerando consideráveis gastos à saúde local diante dos
constantes quadros de infecção intestinal e diarreia registrados na comunidade.
Este o grau de especialização exigido dos integrantes do ETR-Probidade. Fato é
que, após o ajuizamento da ação de improbidade, o município retificou os dois
sistemas, adequando-os às normas técnicas.
ESTADÃO: Este grupo de
trabalho tem trabalhado em parceria direta com a Polícia Federal? Como funciona
esta cooperação? Vocês acompanham a investigação criminal da PF para propor as
ações de improbidade?
ALESSANDER JANNUCI: O
ETR-Probidade tem desenvolvido projeto piloto junto à Superintendência da
Polícia Federal em São Paulo no combate a fraudes previdenciárias. Muito embora
a Procuradoria-Geral Federal não esteja ainda incluída formalmente no âmbito da
Força-Tarefa Previdenciária, contatos realizados diretamente com o Dr. Marcelo
Ivo, Delegado Regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado da
Superintendência da Polícia Federal em São Paulo, bem como principalmente com o
dr. Rafael Fernandes Souza Dantas, Delegado da Polícia Federal de Combate a
Crimes Previdenciários, permitiram a atuação do ETR-Probidade desde a fase das
investigações policiais, mediante representação ao Poder Judiciário solicitando
o compartilhamento das provas. Deste modo, no dia da deflagração da operação
policial, a Procuradoria-Geral Federal, por meio do ETR-Probidade, ajuíza
simultaneamente ação cautelar de indisponibilidade de bens dos envolvidos e
pleiteia o afastamento dos agentes públicos de seus cargos, visando a cessar as
fraudes, descapitalizar a organização criminosa, resguardar o rápido
ressarcimento ao Erário em virtude dos prejuízos causados pelas fraudes
estruturadas e também diminuir a interferência destes agentes públicos na
colheita de elementos de prova. Após a deflagração da operação policial, a
equipe do ETR-Probidade passa a acompanhar todos os novos elementos amealhados
a partir das declarações prestadas, documentos e objetos apreendidos, perícias
realizadas para, ao final, requerer a conversão daquela ação cautelar
antecedente em ação de improbidade administrativa, incluindo, muitas vezes,
outros envolvidos somente descobertos após a deflagração da operação e a partir
dos novos elementos apurados. Em pouco mais de um ano, já foram cinco operações
policiais deflagradas em conjunto com o ETR-Probidade: Pseudea, Púnico,
Recidiva, Custo-Previdenciário e Barbour.
ESTADÃO: As ações de
improbidade têm como alvo apenas servidores públicos federais?
ALESSANDER JANNUCI: A Lei de
Improbidade Administrativa exige, para a configuração do ato ímprobo, a
participação de agentes públicos, não necessariamente servidores públicos
federais. Basta que o agente público tenha recebido valores ou causado prejuízo
a autarquias e fundações públicas federais para que, praticado o ato ilícito e
presentes os demais requisitos legais, esteja a Procuradoria-Geral Federal
/ETR-Probidade autorizada a promover a respectiva responsabilização pela Lei de
Improbidade Administrativa. Vale dizer que todos os particulares que, de
qualquer modo, tiverem concorrido ou induzido à prática do ato, bem como dele
se beneficiado, direta ou indiretamente, também devem compor, juntamente com o
agente público, o polo passivo da ação. Já por agente público a própria Lei de
Improbidade Administrativa estabelece conceito bastante amplo, correspondendo a
todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por
eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na administração
direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao
patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido. Já houve caso, por exemplo, de auxiliar de enfermagem servidora
pública estadual que desviava e falsificava prontuários médicos de hospitais
públicos para fins de concessão fraudulenta de benefícios previdenciários por
incapacidade. Apesar de não ser servidora pública federal, está sendo
responsabilizada em ação de improbidade administrativa ajuizada pela
Procuradoria-Geral Federal, em virtude de danos causados ao INSS.
ESTADÃO: Qual a importância de
integrar a força-tarefa previdenciária?
ALESSANDER JANNUCI:
Lamentavelmente a Procuradoria-Geral Federal /ETR-Probidade não faz parte,
ainda, da força-tarefa Previdenciária. Desde a criação, em 2016, tem-se lutado
por sua inclusão formal, o que fora até certo momento prometido pelo Governo
anterior. No entanto, curiosamente no dia 31 de dezembro de 2018, sem qualquer
consulta à Procuradoria-Geral Federal /ETR-Probidade, renovou-se formalmente a
força-tarefa olvidando, mais uma vez, a inclusão da Procuradoria-Geral Federal
/ETR-Probidade. Não se mostra justificável esta ausência e o atual
Advogado-Geral da União já está ciente desta situação e envidando todos os
esforços para reverter este quadro. De toda a forma, será muito importante a
integração na força-tarefa Previdenciária, facilitando o fluxo de informações
entre os entes responsáveis pela investigação e aqueles voltados à punição dos
envolvidos, permitindo-se o rápido bloqueio patrimonial, célere recomposição do
Erário mediante alienação antecipada de bens e consequente descapitalização das
organizações criminosas voltadas a esta nefasta prática. Sem a adoção de
medidas desta natureza, como a inclusão formal da Procuradoria-Geral Federal
/ETR-Probidade na força-tarefa Previdenciária, mudam-se apenas as peças de um
jogo, mas o tabuleiro permanece lá, permitindo que outros participantes assumam
aquelas mesmas posições e sustentem a continuidade do nefasto jogo da corrupção
e da fraude.
Julia Affonso
O Estado