A Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial de uma empresa
farmacêutica e manteve o entendimento de acórdão que considerou válido o ato
administrativo que concedeu ao laboratório Abbott a patente de invenção do
medicamento Kaletra, usado no tratamento da Aids.
Ao ajuizar a ação anulatória,
a empresa recorrente alegou, entre outras coisas, que a patente foi concedida
sem que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) examinasse os
requisitos gerais de patenteabilidade previstos no artigo 8° da Lei 9.279/1996
(novidade, atividade inventiva e aplicação industrial); além disso, argumentou
que a patente seria nula, pois não houve anuência prévia da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) quanto aos eventuais riscos do medicamento à
saúde pública.
O juízo de primeiro grau
julgou procedente o pedido e decretou a nulidade da patente, mas o Tribunal
Regional Federal da 2ª Região (TRF2) a considerou válida, uma vez que o único
vício detectado no ato administrativo – ausência de manifestação da Anvisa
quanto a eventuais riscos à saúde pública – foi sanado no curso da ação. Ao
STJ, a recorrente alegou que essa providência extrapolou os contornos da lide,
pois não havia pedido da parte nesse sentido.
Julgamento ultra petita
Citando precedentes da Segunda
Turma, a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, lembrou que o
tribunal possui entendimento consolidado no sentido de que "não ocorre
julgamento ultra petita se o tribunal local decide questão que é reflexo do
pedido na exordial".
"O fato de o acórdão
recorrido ter detectado a presença de vício no procedimento administrativo em
questão, mas não ter conferido à patente impugnada os efeitos objetivados pela
recorrente (declaração de nulidade), não significa que o provimento
jurisdicional está desvinculado da discussão travada no processo: o que se
reconheceu foi a existência de defeito sanável, cujo corolário foi a adoção de
providência destinada a convalidá-lo", disse.
Ao analisar o argumento da
recorrente em relação à não observância dos requisitos da Lei 9.279/1996 (Lei
da Propriedade Industrial), a ministra afirmou que as patentes requeridas pelo
sistema pipeline (como no caso) possuem natureza especial em relação às
ordinárias, devendo respeitar os pressupostos do artigo 230 e seguintes. Ela
mencionou precedente da Terceira Turma para ressaltar que a não observância dos
requisitos tradicionais previstos no artigo 8º não constitui causa de nulidade
apta a autorizar a invalidação da patente pipeline.
Vício sanável
A relatora explicou que a
finalidade do dispositivo que exige a prévia anuência da Anvisa para fins de
concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos (MP 2006/1999,
convertida na Lei 10.196/2001) é permitir que a autarquia se manifeste
previamente acerca das questões relativas à saúde dos usuários, buscando
proteger os padrões de vigilância sanitária. Sem essa anuência – ressaltou –, a
proteção patentária não pode ser concedida pelo INPI.
Segundo a ministra, a partir
da argumentação constante no acórdão recorrido, a Anvisa concedeu, alguns meses
depois da entrada em vigor dessa lei, o registro sanitário para o Kaletra,
reconhecendo implicitamente que esse medicamento não é danoso para a saúde
pública.
De acordo com a relatora, a
partir dos fatos reconhecidos pelo TRF2, a ausência de manifestação da
autarquia sanitária ocorreu por circunstância alheia à alçada da empresa
recorrida, de modo que não poderia ela, nesse contexto, ser penalizada por
falha que não lhe é imputável.
Nancy Andrighi ressaltou que,
para a doutrina contemporânea, a análise das invalidades presentes em atos ou
procedimentos administrativos deve ser individualizada, devendo a convalidação
ou invalidação partir do exame das circunstâncias fáticas e jurídicas de cada
caso.
Para ela, "é
absolutamente plausível que o julgador, quando se deparar com a presença de
algum vício no procedimento administrativo de concessão de patente, conclua
que, verificada a excepcionalidade do substrato fático, a irregularidade
constatada seja passível de correção (como ocorrido no particular)".
RECURSO ESPECIAL Nº 1.753.535
- RJ (2018/0170666-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY
ANDRIGHI
RECORRENTE : CRISTÁLIA
PRODUTOS QUÍMICOS FARMACÊUTICOS LTDA
ADVOGADOS : ANTÔNIO CARLOS DE
ALMEIDA CASTRO - DF004107
SÉRGIO ROBERTO ALVES DE BARROS
REGINA - RJ057887
ADVOGADOS : ROBERTA CRISTINA
RIBEIRO DE CASTRO QUEIROZ E OUTRO(S) - DF011305
ALEXANDRE DOMINGUES SERAFIM -
SP182362
LUCAS GARCIA DE MOURA GAVIÃO -
SP207150
PEDRO MARTINS DE REGINA -
RJ182464
RECORRENTE : ABBOTT
LABORATÓRIOS DO BRASIL LTDA
ADVOGADOS : CLÁUDIO FRANÇA
LOUREIRO - SP129785
CAIO RICHA DE RIBEIRO -
RJ176183
ROBERTA DE MAGALHÃES FONTELES
CABRAL - RJ133459
PAULO HENRIQUE DE PAIVA SANTOS
E OUTRO(S) - DF056343
RECORRIDO : OS MESMOS
INTERES. : INSTITUTO NACIONAL
DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
INTERES. : AGÊNCIA NACIONAL DE
VIGILÂNCIA SANITÁRIA
INTERES. : ASSOCIACAO BRAS DAS
IND DE Q FINA B E SUAS ESP ABIFINA
ADVOGADO : PEDRO MARCOS NUNES
BARBOSA E OUTRO(S) - RJ144889
INTERES. : INTERFARMA
ASSOCIACAO DA INDUSTRIA FARMACEUTICA DE PESQUISA
ADVOGADO : SERGIO BERMUDES E
OUTRO(S) - RJ017587
EMENTA
RECURSO ESPECIAL E RECURSO
ADESIVO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
PATENTE. AÇÃO ANULATÓRIA.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA.
JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO
CONFIGURAÇÃO. SISTEMA PIPELINE. REQUISITOS DE ATENTEABILIDADE ESPECÍFICOS.
REGIME TRANSITÓRIO.
PRECEDENTES. ANVISA. ANUÊNCIA
PRÉVIA. AUSÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS EXTRAORDINÁRIAS. SANEAMENTO DO VÍCIO.
POSSIBILIDADE.
REEXAME DO CONTEÚDO FÁTICO.
SÚMULA 7/STJ.
1. Ação ajuizada em 27/7/2009.
Recursos especiais interpostos em 22/7/2016 e 13/9/2016. Autos conclusos ao
Gabinete em 24/7/2018.
2. O propósito recursal é
verificar a higidez do ato administrativo que concedeu à recorrente adesiva a
patente de invenção do medicamento Kaletra, usado no tratamento da AIDS.
3. A ausência de decisão
acerca dos dispositivos legais indicados como violados pela recorrente adesiva,
não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento da
irresignação.
4. O Tribunal de origem
analisou, de forma fundamentada, todas as questões relevantes para a solução da
controvérsia, não havendo que se falar em negativa de prestação jurisdicional.
5. As conclusões do acórdão
recorrido não extrapolam os limites da demanda, pois seus efeitos, mais
restritos que aqueles objetivados pela recorrente, estão contidos nos pedidos
deduzidos na inicial (a maiori, ad minus). Não houve, portanto, julgamento
extra petita ou violação ao princípio da congruência.
6. As patentes requeridas pelo
denominado sistema pipeline (patentes de importação ou patentes de
revalidação), dada sua natureza excepcional em relação às patentes ordinárias,
devem observar, tão somente, os pressupostos estabelecidos no art. 230 e
seguintes da LPI, não sendo necessária a análise dos requisitos tradicionais
previstos no art. 8º desse diploma legal. Precedentes.
7. A análise das invalidades
presentes em atos ou procedimentos administrativos deve ser feita de forma
individualizada. O exame das circunstâncias fáticas e jurídicas é
imprescindível para se decidir pela possibilidade de convalidação ou pela
invalidação do respectivo ato ou procedimento. Doutrina.
8. As circunstâncias
extraordinárias verificadas pelo Tribunal de origem no curso do procedimento
administrativo que ensejaram o reconhecimento de que o vício detectado fosse
passível de ser sanado são inviáveis de reanálise na presente via recursal.
Incidência da Súmula 7/STJ. Precedente.
RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
RECURSO ADESIVO NÃO CONHECIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos
estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos
autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial de CRISTÁLIA
PRODUTOS QUÍMICOS FARMACÊUTICOS LTDA e não conhecer do recurso adesivo de
ABBOTT LABORATÓRIOS DO BRASIL LTDA, nos termos do voto da Sra. Ministra
Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas
Cueva e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente,
justificadamente, o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze. Dr(a). ANTÔNIO CARLOS
DE ALMEIDA CASTRO, pela parte RECORRENTE: CRISTÁLIA PRODUTOS QUÍMICOS
FARMACÊUTICOS LTDA. Dr(a). LUIZ AUGUSTO LOPES PAULINO, pela parte RECORRENTE: ABBOTT
LABORATÓRIOS DO BRASIL LTDA. Dr(a). LÍVIA BARBOZA MAIA, pela parte INTERES.:
ASSOCIACAO BRAS DAS IND DE Q FINA B E SUAS ESP ABIFINA. Dr(a). GUILHERME
VALDETARO MATHIAS, pela parte INTERES.: INTERFARMA ASSOCIACAO DA INDUSTRIA
FARMACEUTICA DE PESQUISA.
Brasília (DF), 04 de junho de
2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
Fonte: STJ - Superior Tribunal
de Justiça