MaíraMenezes (IOC/Fiocruz)
Assim como o conhecido vírus
da febre amarela, o vírus do Nilo Ocidental está envolvido em um ciclo de
transmissão preferencialmente silvestre. Ele é transmitido a aves silvestres
por meio da picada de mosquitos infectados durante a alimentação sanguínea
desses insetos. Acidentalmente, outros animais e seres humanos que estejam
nessas áreas podem ser infectados, chegando a desenvolver quadros graves, com
risco de morte.
Isolado, pela primeira vez, em
Uganda, em 1937, o patógeno permaneceu restrito a países da África, Europa e
Ásia, durante décadas. Em 1999, porém, chegou aos Estados Unidos, causando um
surto de grandes proporções e tornando-se amplamente estabelecido do Canadá à
Venezuela. Por aqui, as primeiras evidências sobre a presença do vírus foram
encontradas em 2009, em um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz),
que analisou amostras de cavalos do Pantanal.
Agora, um novo trabalho
expande o conhecimento sobre a doença no país. A partir de uma grande
colaboração científica, pesquisadores detectaram o vírus do Nilo Ocidental pela
primeira vez em Minas Gerais e confirmaram a circulação viral no Piauí e em São
Paulo. As amostras positivas foram coletadas de cavalos que adoeceram entre
2018 e 2020. De forma inédita, os cientistas obtiveram ainda o sequenciamento
do genoma completo dos microrganismos nos três estados. Os resultados foram divulgados em artigo em
formato pré-print na plataforma bioRxiv.
Coordenador do estudo, o
pesquisador do Laboratório de Flavivírus do IOC, Luiz Alcantara, explica que as
aves silvestres são consideradas como “animais reservatórios” do patógeno.
Assim como as pessoas, os cavalos são infectados acidentalmente, ao serem picados
por mosquitos infectados. “O cavalo é a principal epizootia e atua como
sentinela para a doença. Esclarecer os casos suspeitos é importante para
detectar a presença do vírus na região e prevenir a transmissão para os
rebanhos equinos e as pessoas”, afirma o pesquisador.
Segundo a Organização Mundial
da Saúde (OMS), cerca de 80% das pessoas infectadas não apresentam sintomas.
Entre os casos sintomáticos, a febre do Nilo Ocidental geralmente se manifesta
de forma leve, com febre, dor de cabeça, cansaço e vômito. As formas graves da
doença, como meningite e encefalite, atingem um em cada 150 infectados. Os
sintomas podem ir de febre alta e rigidez da nuca a convulsões, coma e
paralisia.
Mosquitos do gênero Culex,
popularmente conhecidos como pernilongos ou muriçocas, são os principais
vetores. Além de se infectar ao picar aves infectadas, os insetos transmitem o
microrganismo para as próximas gerações de mosquitos. Os cavalos, assim como as
pessoas, podem ser infectados, mas não transmitem o agravo.
A pesquisa foi liderada pelo
Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz, Faculdade de Medicina Veterinária da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal do Piauí
(UFPI). Também colaboraram com o trabalho: Secretaria de Estado de Saúde do Piauí
(Sesapi), Laboratório Central de Saúde Pública de Minas Gerais (Lacen-MG),
Instituto Evandro Chagas (IEC), Coordenação Geral de Arboviroses
(CGARB/SVS/MS), Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Universidade Vale do
Paraíba (Univap) e Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Vigilância genômica
Desde 2009, pesquisas têm
apontado sinais de infecção pelo vírus do Nilo Ocidental em cavalos de
diferentes estados brasileiros, incluindo Mato Grosso do Sul, Mato Grosso,
Paraíba, Espírito Santo, São Paulo e Ceará. No entanto, casos humanos da doença
foram registrados apenas no Piauí, onde dez pessoas foram diagnosticadas de
2014 a 2020. O novo estudo demonstra, pela primeira vez, a presença do patógeno
em Minas Gerais, e reforça as evidências sobre a circulação viral no Piauí e em
São Paulo. Além disso, avança na vigilância genômica. Até a publicação do
trabalho, apenas um genoma completo do vírus do Nilo Ocidental tinha sido
descrito no Brasil, a partir de um cavalo infectado no Espírito Santo em 2018.
De acordo com os autores do
estudo, os dados sugerem diferentes introduções do microrganismo no Brasil a
partir de países do continente americano. Na árvore filogenética – estrutura
que agrupa no mesmo ramo os vírus que compartilham um ancestral comum, de forma
semelhante às árvores genealógicas – os vírus recém-sequenciados no Piauí,
Minas Gerais e São Paulo aparecem no mesmo ramo de um genoma previamente
sequenciado nos Estados Unidos e apresentam como ancestrais mais próximos o
vírus proveniente da Colômbia e da Argentina. Já a sequência decodificada no
Espírito Santo agrupa-se em um ramo diferente, ligado ao vírus proveniente da
América do Norte.
“Os dados reforçam a grande
interconectividade dos países e indicam que a mobilidade humana pode
desenvolver um papel importante na transmissão e introdução do patógeno. O
Brasil apresenta condições climáticas ideais para a propagação dos mosquitos
que transmitem o agravo, o que aumenta a necessidade da vigilância”, diz a
pesquisadora visitante do Laboratório de Flavivírus do IOC, Marta Giovanetti,
que assina o artigo dividindo a primeira autoria com a pesquisadora da UFMG
Erica Azevedo, ao lado de outros pesquisadores.
Os pesquisadores ressaltam que
ampliar a vigilância genômica da febre do Nilo Ocidental é fundamental para
compreender a dinâmica de transmissão do agravo no Brasil. “A partir dos dados
atualmente disponíveis, não sabemos se a doença é endêmica no Brasil ou se a
transmissão ocorre de forma esporádica, a partir de introduções de outros
países. A vigilância ativa, com análise de amostras de cavalos e aves, é
importante para entender a epidemiologia local do vírus”, defende Alcantara.
Avanços científicos
Para realizar o diagnóstico
molecular e o sequenciamento do genoma viral nos três casos analisados na pesquisa,
os cientistas precisaram superar um desafio: a baixa carga viral presente nas
amostras. Por esse motivo, as análises iniciais, baseadas na metodologia de
PCR, não conseguiram confirmar as infecções. Os casos permaneceram em
investigação até que um novo protocolo, com base no método de PCR multiplex,
foi aplicado.
“Quando os sintomas da febre
do Nilo Ocidental aparecem, a replicação do vírus no organismo já está baixa, o
que torna difícil o diagnóstico molecular. Neste estudo, desenvolvemos um
protocolo de sequenciamento genético, que amplifica várias regiões do genoma do
vírus, contemplando todo o trecho codificante. Assim, conseguimos fechar o
diagnóstico e, posteriormente, sequenciar o genoma completo do patógeno”,
relata Alcantara.
A montagem dos genomas,
controle de qualidade e análise filogenética foi realizada com auxílio de um
software desenvolvido pelos cientistas para identificar e classificar os
genomas do vírus do Nilo Ocidental de forma automatizada. O programa online, chamado de West Nile Virus
Typing Tool (Ferramenta de Genotipagem do Vírus do Nilo Ocidental),
foi disponibilizado abertamente para outros cientistas na plataforma 'Genome
Detective'.