Ricardo Muniz | Agência FAPESP
– Pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de
São Paulo (Cena-USP) revisaram 1.154 artigos científicos originais, publicados
entre 2009 e 2022, que tratam do efeito de nanomateriais sobre 1.374 plantas de
253 espécies. O objetivo foi capturar (de forma quantitativa) e organizar os
parâmetros experimentais empregados pela comunidade científica, além dos
resultados obtidos ao longo da última década.
Com os metadados – dados
gerados a partir de outros já publicados na literatura – o grupo de autores
sistematizou quais são os nanomateriais mais utilizados, em que tipo de
ambiente as plantas são expostas, quais órgãos vegetais são mais expostos aos
tratamentos e quanto tempo duram os estudos. Além disso, mostraram os
percentuais de tratamentos à base de nanomateriais que causaram efeitos
positivos, negativos ou ambos – além daqueles que não afetaram as plantas.
O trabalho recebeu
financiamento da FAPESP por meio de sete projetos (20/07721-9, 20/11178-9,
20/11546-8, 17/16375-4, 15/05942-0, 16/50014-6 e 17/21004-5). As conclusões
foram publicadas na revista Environmental Science: Nano, da Royal Society
of Chemistry.
“Se queremos de fato explorar
as propriedades de nanomateriais para aumentar a produtividade das culturas, ou
acessar o potencial de risco que podem oferecer ao ambiente, nós precisamos
planejar e executar adequadamente os estudos”, explica Hudson Wallace Pereira
de Carvalho, principal autor do trabalho. “Os resultados obtidos em um dado
experimento dependem de como ele foi conduzido”, complementa Carvalho, que se
doutorou em química pela USP e pela Universidade Paris XI.
A pesquisa verificou, por
exemplo, que 71% dos estudos não utilizaram controles positivos. Mas ao avaliar
o efeito de uma dada nanopartícula também se deveria tentar incluir partículas
micrométricas ou compostos solúveis com composição química análoga. “O
desacoplamento de efeitos oriundos de propriedades nanométricas daqueles
causados por íons ou micropartículas poderia ser facilitado por essa
estratégia”, explica Carvalho.
Outra questão abordada foi a
concentração de nanomateriais a que as plantas são expostas. “Notamos que para
um dado elemento químico as concentrações são, em geral, maiores do que aquelas
às quais as plantas estão expostas naturalmente no ambiente ou aquelas às quais
são expostas em ambientes de produção agrícola”, diz o pesquisador. Isso leva a
outra questão: os efeitos obtidos, especialmente os negativos, derivam das
concentrações elevadas ou realmente de propriedades do mundo nanométrico?
Além disso, constatou-se que
os estudos são curtos quando se comparam sua duração e o ciclo de vida das
culturas. A mediana da duração da maioria dos experimentos foi de 49 dias para
plantas cultivadas em solo, o que é bem pouco em comparação aos ciclos anuais
dos cultivos, de 90 a 120 dias. Ou seja, a minoria dos estudos avalia o impacto
dos tratamentos à base de nanomateriais sobre a produtividade e a qualidade da
produção. E poucos experimentos (6%) foram realizados em condições de campo
(que requerem grande esforço). Em um experimento de campo, as variáveis de
clima, patógenos e solo se alteram de um local para o outro. Logo, para ter
validade, deve ser instalado em locais diferentes e mesmo por mais de uma
safra, aponta o artigo. Por outro lado, antes da aplicação de nanopartículas na
lavoura é preciso muito cuidado com experimentos bem estabelecidos em casas de
vegetação, para não espalhar substâncias potencialmente tóxicas no ambiente.
Impactos
O grupo também verificou que
apenas 19% dos estudos em que nanopartículas foram aplicadas no solo avaliaram
se elas causam algum impacto sobre microrganismos. “Estes últimos são componentes
essenciais para a manutenção da fertilidade do solo”, adverte Carvalho.
“É difícil tirar conclusões
das razões pelas quais os experimentos foram conduzidos dessa forma. Por outro
lado, nossa metanálise aponta oportunidades e direções que podem ser interessantes
de se seguir”, diz o pesquisador. “Claramente, trata-se de uma área de
conhecimento multidisciplinar relativamente recente e ainda há muito a ser
estudado.”
Por exemplo, é conhecido que
algumas propriedades são mais pronunciadas em partículas menores do que 29
nanômetros. O estudo revela que cerca de metade dos tratamentos
estava acima dessa fronteira. “Isso pode sinalizar que ainda estamos
tentando entender como o tamanho das partículas afeta as plantas.”
As observações apontam para a
intrincada relação entre a capacidade de inferir conclusões e o desenho
experimental empregado, conclui o estudo.
A visão abrangente e
atualizada dos efeitos dos nanomateriais nos sistemas vegetais levanta a
questão de se estes levarão a ganhos incrementais de rendimento ao substituir
insumos atuais por outros baseados em nanotecnologia, como a liberação
controlada de fertilizantes e pesticidas, ou se poderão revolucionar a
agricultura atacando problemas até agora não abordados na prática, como
“driblar” os estresses e os mecanismos de defesa das plantas, ou modular seu
metabolismo.
O artigo Are nanomaterials leading to more efficient agriculture? Outputs from 2009 to 2022 research metadata analysis, assinado por outros 14 pesquisadores de seis diferentes instituições, pode ser lido em: https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2022/en/d1en01078f.