DAIANE
BATISTA/https://cee.fiocruz.br/
“A regulação de medicamentos tem cumprido seu papel e conseguiu, ao longo dos anos, trazer resultados importantes para o país”, afirma o economista Leandro Safatle, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE-Fiocruz) e integrante do Grupo de pesquisa sobre Desenvolvimento, Complexo Econômico-Industrial e Inovação em Saúde (GIS/Ensp/Fiocruz), em entrevista ao blog do CEE, na qual analisa as possibilidades e também os limites da política regulatória.
Conforme explica o pesquisador, a regulação de medicamentos
no Brasil se dá em etapas e por órgãos distintos, como a Agência de Vigilância
Sanitária (Anvisa), a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e a
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao SUS (Conitec), cada um com
objetivos, regras e necessidades específicas. “Temos a Anvisa fazendo regulação
sanitária, a CMED fazendo regulação de preços e a Conitec, na incorporação de
tecnologias”, explica.
Sem a regulação, teríamos uma dificuldade muito maior de
manter a sustentabilidade do sistema de saúde público do país
Ele observa que essa forma de a regulação operar tem sido
essencial para sustentabilidade do sistema de saúde brasileiro e para dirimir parte
da sua vulnerabilidade . "Sem a regulação de mercado, teríamos um problema
gravíssimo para manter o sistema de saúde público, isso porque os preços iriam
se desequilibrar, tendendo provavelmente a um padrão americano, que poria em
risco o nosso sistema universal de saúde”.
O pesquisador traz o exemplo dos Estados Unidos, um dos
maiores mercados do mundo e o que pratica os maiores preços. “É um mercado com
escala e com competitividade, mas onde se opera com muita disfuncionalidade e
que demandará provavelmente novas intervenções governamentais. Dos países
desenvolvidos, o que tem o mercado menos regulado é o americano e, que, por
isso, é o que mais propaga falhas para os demais mercados”.
Em relação aos preços de medicamentos no país, Safatle
esclarece que, embora o Brasil tenha um desenho regulatório que trouxe
resultados e conquistas importantes, com redução dos abusos nesse mercado, não
se pode falar que os preços de medicamentos adotados no país sejam preços
justos. “O que a regulação busca é que os preços máximos de comercialização
aqui não se distanciem dos preços do mercado internacional e que os novos
medicamentos não prejudiquem o funcionamento do mercado atual. A discussão de
preços justos é muito mais ampla e vai além da regulação.” Safatle observa que
o problema de preços é multifatorial. “Vai desde as falhas, assimetrias e
características e barreiras desse mercado, até a dependência externa, variáveis
macroeconômicas e as transições tecnológicas do setor”, enumera.
De acordo com o pesquisador, a regulação é um conjunto de
instrumentos importantes, mas sozinha não resolve a questão de preços de
medicamentos, que é complexa e envolve outros fatores e instrumentos diversos.
“Se a discussão for preço, a regulação aborda apenas um dos campos da formação
dos preços. Para operar nesse mercado, é preciso atuar em várias frentes, não
só a regulatória”, explica, observando que se trata de uma visão abrangente,
“do complexo como um todo, econômico e social da saúde”.
A regulação tem como principal foco evitar abusos de
mercado
Tornar o mercado de medicamentos “mais pujante e
eficiente”, destaca Safatle, depende de uma série de ações.“Você tem as
políticas regulatórias e de incorporação, as políticas de fomento, as ações de
promoção da concorrência, as políticas de inovação, as diferentes
políticas sociais de ampliação do acesso e várias outras questões econômicas
envolvidas”, analisa. “Veja que a questão regulatória é uma parte desse
cenário, um aspecto bem importante, mas é importante entender esse contexto,
até para saber que instrumentos criar e quem deve operá-los.
Os preços são um efeito do bom funcionamento desse
mercado.” Um aspecto que se relaciona à regulação e que pode melhorar, aponta o
pesquisador, refere-se ao avanço de alguns instrumentos de intervenção neste
setor. “A regulação precisa avançar diante do atual contexto de desafios e de
transição tecnológica que vivemos.
A regulação brasileira é ainda muito enrijecida e esse é um
ponto importante que precisa ser debatido”, considera. Ao mesmo tempo,
acrescenta o pesquisador, esse ‘enrijecimento’ tem sua justificativa e um
aspecto positivo, de conferir proteção à estrutura regulatória. “Excesso de
discricionaridade em um ambiente com tantos interesses envolvidos poderia
colocar a regulação em risco”. A regulação de preços de medicamentos, de
qualquer forma, destaca Safatle, não representa desafios apenas para o Brasil,
é uma questão global, discutida, inclusive, pela Organização Mundial da Saúde
(OMS), nos fóruns Fair Pricing, pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e outros organismos que buscam
junto aos países promover programas e políticas que tornem os medicamentos
acessíveis a todas as pessoas. “Estamos num desafio global, e a estrutura
regulatória é feita para racionalizar esse processo”, diz. “Mas é difícil”.
A regulação de preços de medicamentos não representa
desafios apenas para o Brasil, é uma questão global
Safatle chama atenção, ainda, para as práticas de
judicialização e suas consequências, no que diz respeito ao escape da proteção
do aparato regulatório. “Via judicialização adotam-se normalmente preços bem
superiores aos daqueles que seriam permitidos pelo modelo
regulatório”, alerta. Outro fator preocupante, acrescenta, tem sido a
dependência da indústria. “Crises que afetam a cadeia global de produção, como
a que estamos vendo na na pandemia de Covid-19 e na forma como a indústria vem
evoluindo e inovando, afetam bastante esse setor”.
O contexto tecnológico atual também é outra questão
importante. “Essa configuração que a indústria está seguindo, de priorizar
segmentos altamente lucrativos, voltados a doenças muito específicas e
medicamentos de alto custo, em que se consegue rentabilidade mais alta, em
detrimento daqueles de largo espectro e preços baixos, nos expõe a uma serie de
problemas, como os de desabastecimento”, aponta.
Safatle conclui, destacando o papel do Complexo Econômico
Industrial (CEIS) diante dsa necessidade de uma visão mais sistêmica de
abordagem. “O mercado de medicamentos está em reconfiguração e, para se atuar
nele de forma eficiente, é preciso entender essa complexidade, o modo de
funcionamento do mercado, a diversidade da institucionalidade da ação pública e
o papel de cada uma delas. Esse é um mercado complexo, essencial e estratégico
e é preciso considerá-lo como tal”, pontua.
Leandro Safatle, economista e pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE-Fiocruz) e integrante do Grupo de pesquisa sobre Desenvolvimento, Complexo Econômico-Industrial e Inovação em Saúde (GIS/Ensp/Fiocruz).
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