Atrofia muscular espinhal
(AME) impede o desenvolvimento dos músculos das crianças e leva à morte precoce
O ministro da Saúde, Marcelo
Queiroga, disse na Câmara dos Deputados que a incorporação do medicamento
Zolgensma pelo Sistema Único de Saúde (SUS) deve levar em conta a
sustentabilidade do sistema e a ampliação do acesso. Ele participou
espontaneamente de debate sobre o tema, promovido pela Comissão de Seguridade
Social e Família nesta terça-feira (25).
O Zolgensma é um tratamento
para crianças com atrofia muscular espinhal (AME) e é produzido pela empresa
suíça Novartis. Trata-se de um dos remédios mais caros do mundo. O preço
proposto pela indústria para a incorporação da medicação pelo SUS é de R$ 5,7
milhões por paciente. A proposta de incorporação ao SUS está sendo avaliada
pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde
(Conitec). A avaliação da Conitec pode ser ratificada ou não pelo Ministério da
Saúde.
“Eu, como ministro da Saúde,
tenho que atuar para fazer os devidos filtros para garantir que essas
incorporações aconteçam no âmbito da sustentabilidade do SUS e que promovam o
que nós chamamos de custo de oportunidade. Às vezes, a autoridade sanitária
precisa ser um pouco dura para garantir que tenhamos a verdadeira ampliação de
acesso”, argumentou Queiroga.
Billy Boss/Câmara dos
Deputados
O ministro afirmou que, ao
longo dos anos, "notadamente depois de 2011", o Brasil tem evoluído
na avaliação de tecnologia em saúde, e que a questão sobre incorporação ou não
do Zolgensma ao SUS “não pode ser algo emocional”, mas sim baseada em
"critérios técnicos diferenciados", por se tratar de doença rara.
Cobertor curto
“É
óbvio que o ministro da Saúde não pode fazer tudo que quer, até porque o
orçamento público é finito. É aquela teoria do cobertor curto. Cobre o pé e
descobre a cabeça. Temos de fazer justiça distributiva para promover equidade,
conforme dispõe a Constituição Federal”, acrescentou o ministro. Queiroga
lembrou que, em 2021, a Pasta usou R$ 2,2 bilhões do orçamento com ações
judiciais para atender 6,6 mil pessoas. “Isso é quase o custo do programa
Farmácia Popular do Brasil”, apontou.
Médicos e indústria
Enquanto não há definição sobre a adoção ou não do medicamento pelo SUS,
Queiroga argumenta que o governo tem adotado a estratégia de fortalecer os
centros especializados de reabilitação.
“Temos de fortalecer a
política nacional de enfrentamento de doenças raras com centros públicos que
cuidam dos pacientes. As indicações de qualquer medicamento têm de ser
conduzidas por médicos do setor público, sem prejuízo de que algum diagnóstico
possa ser contestado por algum familiar, mas que isso recaia para um outro
centro público de excelência, porque sabemos que também há a perniciosa relação
da indústria farmacêutica com a classe médica. É desarrazoado não se considerar
esse aspecto”, disse. “Esses interesses têm de estar muito transparentes;
senão, não consigo ampliar acesso com benefícios para a população”, completou.
Outras medicações
O
primeiro medicamento para AME disponível no Brasil foi o Nusinersena. Desde
2019, o medicamento está disponível no SUS para o tipo 1 da doença (o mais
grave) e, a partir de 2021, para o tipo 2. Já o medicamento Risdiplam foi
incorporado em março deste ano. Esses dois medicamentos são de uso para toda a
vida. O Zolgensma, por sua vez, é um medicamento de dose única.
Diretora nacional do Instituto
Nacional da Atrofia Muscular Espinhal, Diovana Loriato defende a incorporação do
Zolgensma ao SUS. Hoje, no Brasil, segundo a entidade, há 1.509 pacientes com
AME, sendo 511 do tipo 1; 508 do tipo 2; e 367 do tipo 3. Mais de 900 pacientes
estão em tratamento com o Nusinersena, 108 com o Risciplam e 119 receberam o
Zolgensma, sendo que 84 deles receberam a medicação pelo Poder Público, pela
via judicial.
Depositphotos
Isso significa, conforme
ressaltou Diovana, que somente pacientes com famílias com condições de
contratar bons advogados e recorrerem à Justiça têm tido acesso à medicação.
Portanto, o acesso se dá sem equidade na população e muitas vezes com atraso,
com resultados piores no tratamento, já que o processo judicial costuma levar
mais de um ano. Na visão dela, a facilidade e a comodidade da dose única
precisam ter maior peso na a decisão de incorporação da medicação ao SUS.
A deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC),
que pediu a audiência, fez apelo ao ministro da Saúde para que o tempo de
espera pela medicação possa ser reduzido quando a ação judicial já tiver
transitado em julgado, sem possibilidade de recursos. A parlamentar
lembrou que a resposta à medicação e o custo benefício é maior nos primeiros
meses de vida do paciente.
Avaliação preliminar
Assessora técnica do Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias
em Saúde do Ministério da Saúde, Clementina Prado explicou que a apreciação
preliminar da Conitec, em reunião deliberativa em agosto, foi desfavorável à
incorporação da medicação. Isso porque, segundo, ele há incerteza da
efetividade da medicação em longo prazo, com pacientes precisando de outras medicações
após o uso do Zolgensma.
Há ainda incerteza em relação
à segurança, com relatos recentes de duas mortes após o uso, na Rússia e no
Cazaquistão. Além disso, ela afirmou que não está clara qual seria a vantagem
econômica do uso do Zolgensma em relação às duas outras medicações já
incorporadas pelo SUS e que já mostraram ganho de sobrevida.
Em setembro, foi aberta
consulta pública na Conitec sobre a incorporação, que foi finalizada no início
de outubro. As contribuições ainda estão sendo analisadas pela comissão, e o
prazo para a avaliação final sobre a incorporação é 19 de novembro.
Representante da Novartis,
Leandro Fonseca se contrapôs à análise preliminar da Conitec, disse que mais de
2.300 pacientes no mundo já foram tratados com o Zolgensma e argumentou que a
eficácia já foi comprovada. Ele ressaltou que o preço oferecido ao Brasil é o
menor do mundo e reclamou dos prazos para a análise da incorporação da
medicação, que, na visão dele, não atendem aos anseios da sociedade.
A doença
A
médica neuropediátrica Adriana Ortega salientou que a AME é uma doença muito
grave, hereditária e rara, que acomete 1 a cada 10 mil crianças nascidas.
Segundo ela, crianças com AME não produzem uma proteína essencial (SMN) para
manter os neurônios motores vivos. “Com a morte desses neurônios, não tem uma
transmissão pelo nervo para fazer o comando motor para o músculo, e as crianças
têm uma perda de força ou, no caso mais grave, que é a AME tipo 1, não têm o
desenvolvimento motor adequado, não conseguem sustentar o pescoço, sentar ou
caminhar”, explicou.
Conforme a médica, até a
década de 80, as crianças com AME tipo 1 tinham expectativa de vida até 2 anos
de idade. Desde os anos 90, com o desenvolvimento de diversos tipos de terapias
e de cirurgias, as crianças estão com a expectativa de vida maior. Hoje, com a
incorporação dos medicamentos para a doença, a expectativa de vida das pessoas
com AME tipo 1 vai de 15 a 20 anos.
Presidente da Frente
Parlamentar de Doenças Raras, o deputado Diego Garcia
(Republicanos-PR) afirmou que as doenças raras já são a segunda causa de
mortalidade infantil no Brasil. “É a única curva que não cai”, observou. Ele
pediu prioridade para o assunto pelo Ministério da Saúde e defendeu o acesso às
medicações de alto custo para a AME e outras doenças raras.
Reportagem - Lara Haje
Edição - Ana Chalub
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