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sábado, 7 de janeiro de 2023

Francês defensor da cloroquina para COVID-19 tem mais estudos sob suspeita


AUTORCESAR BAIMA

IMAGEMARTE IQC

O médico francês responsável pelo estudo fraudulento que promoveu a cloroquina como possível tratamento para a COVID-19 continua a ser alvo de investigações por má conduta científica. Desta vez, Didier Raoult teve nada menos do que 48 artigos com sua coautoria sinalizados como suspeitos pela editora PLOS, que apura potenciais violações éticas nos estudos, informou o site Retraction Watch, que monitora este tipo de ação.

A decisão da PLOS é resultado do trabalho da microbiologista holandesa Elisabeth Bik, que se tornou conhecida no meio acadêmico por suas investigações de casos de má conduta científica. Em agosto de 2021, ela publicou em seu blog denúncia de que pelo menos 17 estudos conduzidos ao longo de dez anos por pesquisadores do hospital universitário Méditerranée Infection (IHU-Méditerranée Infection) – fundado por Raoult – e da Universidade de Aix-Marseille – onde o médico francês lecionava – com a população de rua da cidade francesa de Marselha reaproveitavam todos um mesmo documento de aprovação dos órgãos franceses que fiscalizam a ética de pesquisas envolvendo seres humanos, sendo que o correto seria buscar uma aprovação específica para cada trabalho.

O número de artigos de Raoult sob suspeita e que podem vir a ser retratados – isto é, removidos da literatura científica – publicados sob a égide da PLOS, no entanto, pode crescer ainda mais. Em nota ao Retraction Watch, a editora informou que a decisão de colocar 49 artigos sob suspeita (um deles não tem a assinatura de Raoult) faz parte de uma investigação mais ampla envolvendo mais de cem estudos, muitos deles tendo o médico francês como coautor.

Segundo a PLOS, a apuração revelou outros problemas para além do reuso das aprovações éticas, incluindo “autoria prolífica”, em que alguns pesquisadores assinavam artigos a um ritmo de até um a cada três dias, o que põe em dúvida se seus nomes cumpriam os critérios de inclusão de autoria da editora, e a falha em declarar conflitos de interesse com empresas farmacêuticas. Dos 49 artigos agora com a chamada “expressão de preocupação” (expression of concern, na linguagem acadêmica), 28 foram publicados no periódico PLOS ONE, carro-chefe da editora, entre 2010 e 2020; 19 no PLOS Neglected Tropical Diseases, entre 2011 e 2012; um na PLOS Genetics, em 2018; e outro no PLOS Pathogens em 2008.

Esta também não é a primeira vez que Raoult se vê às voltas com suspeitas em torno de seu trabalho. Ainda no início da pandemia de COVID-19, diversos especialistas apontavam graves falhas no estudo que usou para promover a cloroquina como tratamento da doença – entre eles, Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), que publica esta Revista Questão de Ciência, como se pode ver aqui e aqui.

O escrutínio subsequente do trabalho de Raoult revelou outras violações éticas. Em junho de 2021, a Agência Nacional de Segurança de Medicamentos e Produtos para a Saúde da França (ANSM, na sigla em francês) – o equivalente à brasileira Anvisa – anunciou sanções contra o IHU-Méditerranée e o médico francês por não terem buscado aprovação ética de estudo sobre doenças associadas a viagens e patógenos multirresistentes em que estudantes de medicina da própria instituição tinham que coletar amostras da vagina e do ânus quando viajavam para fora da França.

Mas um caso pior ainda estava para surgir. Em outubro de 2021, o site de notícias francês Mediapart informou que desde 2017 o IHU-Méditerranée, sob a direção de Raoult, conduziu um “experimento selvagem” com pacientes de tuberculose que resultou em “graves complicações” para alguns deles. Segundo a denúncia, além de não ter autorização ética para experimentação com seres humanos, o pretenso ensaio clínico com uma combinação de quatro antibióticos contra a doença não tinha como avaliar a eficácia conjunta dos medicamentos, mas acabou por produzir um quadro de insuficiência renal grave em ao menos um dos pacientes tratados, muitos deles menores de idade, pessoas em situação de rua e imigrantes ilegais.

Relatório do caso feito pela ANSM foi enviado à Justiça da França, e em abril do ano passado a Procuradoria de Marselha anunciou a abertura de inquérito penal para investigar e eventualmente processar possíveis crimes de falsificação e fraude de documentos e aplicação de procedimentos médicos injustificados. 

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/

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